Edição 265
Com uma visão comparativa entre mercados internacionais, o ex-diretor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e ex-secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy ressalta a necessidade urgente de destravar os investimentos na infraestrutura do país como uma das principais mudanças do novo governo Dilma. Ao lado da retomada do equilíbrio fiscal, o executivo que atualmente é diretor superintendente da Bradesco Asset Management (Bram) aponta a falta de uma poupança doméstica mais robusta como uma das principais fragilidades da economia brasileira.
“Estamos tentando aumentar o investimento sem aumentar muito a poupança doméstica…”, diz Levy em entrevista exclusiva para a Investidor Institucional. Por isso, ele define que o governo deveria definir uma linha de ação em relação à formação de poupança doméstica e às ações necessárias para impulsionar os investimentos no setor produtivo. Os desafios são maiores diante de um cenário de menor crescimento da economia chinesa, bem diferente do início do primeiro mandato de Dilma em 2010. Levy cita o exemplo australiano, onde o novo governo percebeu as mudanças no cenário mundial e tem incentivado os investimentos no setor produtivo aliado a um aperto fiscal importante.
Confira entrevista na íntegra:
Investidor Institucional – O que deve ser mudado no novo governo?
Joaquim Levy – O novo governo começa com um cenário doméstico e externo diferente de 2010. A situação global, assim como a demanda por commodities e a liquidez internacional, mudou. O menor crescimento da China deve exigir mais de nós. Além disso, a urgência para destravarmos a infraestrutura aumentou, até pelo cenário global em que a produtividade será ainda mais importante. Finalmente, nesse novo quadro, a questão fiscal adquire um caráter diferente do “anticíclico” que deu para ser feito em 2009, quando o setor público estava muito enxuto.
II – Existe alguma grande fragilidade?
JL – O desafio para o Brasil é o nosso baixo nível de poupança que acaba demandando tanto dos fundos de pensão. Inclusive, as empresas não estão conseguindo poupar como no passado, quando lucros retidos eram cruciais para o investimento. Estamos tentando aumentar o investimento sem aumentar muito a poupança doméstica, e conscientes dos limites da poupança externa. Definir uma linha de ação em relação a isso é um imperativo para alinhar expectativas.
II – Mas há países com déficits persistentes na conta corrente. Qual a diferença com o Brasil?
JL – É verdade, a Austrália é um exemplo. Mas lá, a taxa de investimento tem sido mais alta, que no Brasil, inclusive depois de 2008. E o déficit de conta corrente deles vem diminuindo nos últimos anos. Aliás, a Austrália começou a mudar ao perceber as implicações da desaceleração chinesa. O novo governo está começando um aperto fiscal importante e os juros, ainda que observando as dilações do aperto nos EUA, têm sido pró ativos. E estão bem atentos a mudanças estruturais, no campo da concorrência, por exemplo – além de já terem um mercado de trabalho bastante flexível.
II – No Brasil, fala-se de reformas, mas dá prá fazer isso com a atual composição política do Congresso?
JL – O congresso brasileiro já mostrou inúmeras vezes que é capaz de responder aos desafios da nação, especialmente quando o Executivo enuncia uma estratégia com prioridades definidas. Então, acredito que o Congresso não vai ser impedimento. Pode-se dizer que, no vácuo, interesses específicos tendem a ter maior proeminência e gastos podem ser criados que têm justificativa individual, mas podem impactar o conjunto da economia de maneira inesperada. Mas isso é de qualquer democracia, e o governo tem como balizar os processos.
II – Qual o peso de um nome respeitado pelo mercado para o ministério da Fazenda?
JL – O ministro sempre tende a ser respeitado, e se as metas forem claras e o compromisso bem entendido, em geral ele contará com o apoio dos empresários, investidores e do trabalhador. Isso tem acontecido assim.
II – Qual a importância de recuperar o equilíbrio das contas públicas do novo governo? Como fazer isso? Onde cortar?
JL – Esse ano as contas públicas apresentam alguns desafios, mas há margem de manobra para evitar deterioração. O importante é definir uma estratégia que o mercado entenda. Quando o presidente Lula começou a governar, estabeleceu-se que não haveria “pacotes” e que os objetivos seriam definidos, anunciados e implementados de forma muito clara. Acho que isso foi um dos fatores do sucesso do seu mandato, até porque as pessoas podiam ver a compatibilidade entre os objetivos de longo prazo – da criação de uma nova classe média, de transformar vidas com o Bolsa Família – e o andamento da economia, da previsibilidade. Além da ação do ministro da fazenda, o presidente do Banco Central Henrique Meirelles sempre lembrava que menos incerteza, também em relação à inflação, tendia a aumentar o investimento privado. Acho que funcionou bem.
II – Como conciliar crescimento econômico, juros baixos e inflação controlada? Dá para achar um equilíbrio nessa equação?
JL – Vou fazer um paralelo com uma expressão comum nos EUA: o valor de uma casa é definido por três fatores, que são localização, localização, e localização. Pois bem, o equilíbrio aqui tem três ingredientes: fiscal, fiscal, e fiscal.
II – Como os investidores estrangeiros olham o Brasil? Eles devem continuar no segundo mandato? Eles são importantes?
JL – Os investidores estrangeiros olham o Brasil como um país estável, com instituições, muitas riquezas naturais e um povo aberto e com potencial. Para alguns investidores, as preocupações são diferentes daquelas do brasileiro mediano – a qualidade do minério ou outra matéria prima é mais importante do que o número de horas gastas no transporte público pelo trabalhador ou consumidor. E, desde que haja como escoar a matéria prima, está tudo bem. Então, as preocupações deles são mais concentradas. Para outros, por exemplo, na indústria e em alguns setores de serviços, as preocupações são mais abrangentes. Também há investidores para quem a combinação de juros reais positivos e estabilidade cambial é o fator determinante na sua decisão de investimentos.
II – As preocupações dos estrangeiros são diferentes daquelas de um fundo de pensão doméstico?
JL – No conjunto, não é muito diferente do investidor doméstico ou do conselho deliberativo de uma entidade de previdência fechada. Acho que todos vão procurar a confirmação dessa confiança. Quanto à importância dos recursos do investidor estrangeiro, o nosso déficit de poupança doméstica tende a aumentá-la.
II – Avalie a possibilidade de perda do grau de investimento da dívida soberana do Brasil. A perda é iminente ou pode ser evitada?
JL – Duas das três agencias têm o Brasil dois pontos acima do grau de investimento. Isso dá uma segurança, apesar da mudança para outlook negativo que a Moody’s anunciou quando o Ministro Guido avisou que não continuaria. Mas, apesar de algumas fragilidades mais recentes nas contas brasileiras, inclusive o nível da dívida bruta na casa de 60% do PIB não vejo, especialmente na comparação internacional e com a reputação que se construiu nos últimos 20 anos, motivos para o Brasil perder o “investment grade”.
II – Qual o papel e o tamanho do BNDES nos investimentos em infraestrutura e no setor produtivo do país?
JL – O BNDES terá um papel especial na próxima rodada de desenvolvimento da infraestrutura, em parceria com o mercado de capitais. Tornar as debêntures de infraestrutura uma “asset class” global é o desafio número um, e pode trazer vantagens grandes também para as entidades fechadas, mesmo que elas não tenham um diferencial tributário específico. Isso, junto com mecanismos de mitigação e diversificação dos riscos de construção, institucionais, e outros que são típicos da infraestrutura.
II – Como avalia a utilização dos bancos públicos?
JL – O importante é que haja planejamento de longo prazo e adequado nível de provisões. A grande recapitalização que o governo FHC fez na CEF e no BB, em um momento de stress fiscal enorme para todo o país, foi fundamental para saneá-los dos equívocos dos 20 anos anteriores, inclusive da herança do BNH. Foi aí que os bancos públicos deram uma virada, porque sentiram que havia real apoio e interesse na sua preservação, inclusive com uma governança reforçada. Mantido esse padrão, o banco público complementa o privado no papel de financiar e mover a economia. Quando se olha a contribuição do setor financeiro para programas públicos é sempre importante o foco no longo prazo.
II – Poderia dar algum exemplo?
JL – É o caso do crédito ao estudante através do FIES, que tem transformado a educação superior. Desde que o risco dos próximos cinco ou dez anos esteja bem medido e administrado, é uma estratégia positiva, que tem tido o apoio do mercado de capitais e do investidor institucional, porque vai ajudar no PIB na próxima geração.
II – Quais os impactos da subida da Selic para a indústria de fundos? Qual a sua previsão para o novo ciclo de abertura dos juros?
JL – A subida da Selic é positiva na medida em que sinaliza o compromisso com a estabilidade de preços. Ela aumenta a rentabilidade das carteiras de duration mais curta, sem prejudicar o longo prazo das carteiras institucionais. Mas o que realmente vai fazer diferença é um conjunto de políticas que permita os juros baixarem de maneira persistente e segura, tornando os investimentos de longo prazo cada vez mais atraentes. Esse é um trabalho diário, de muita paciência e humildade, mas fundamental para o Brasil.
II – Quais as perspectivas para a bolsa doméstica em 2015?
JL – Há setores que devem ir bem, e a bolsa está descontada, especialmente para o investidor estrangeiro. Portanto, parece haver um upside em algumas indústrias e, não só as mais relacionadas com o setor externo, ou que consigam pegar carona no crescimento americano, que já está influenciando nossas exportações. O Brasil, lá do seu jeito, continua em uma trajetória de melhoria, com novas gerações mais preparadas, um mercado de trabalho interessante. Cada vez mais olhamos empresas com gestão bem estruturada, e se a lucratividade se recuperar um pouco, a bolsa, especialmente uma carteira com ações bem escolhidas, pode surpreender positivamente.
II – Quais os desafios mais imediatos da bolsa?
JL – Há, sem dúvida, desafios de curto prazo, alguns difíceis de estimar ainda, como a questão das chuvas e seus impactos na economia, assim como a evolução da renda disponível em um quadro de ajuste. E novas variáveis, como a mudança do preço do petróleo, que pode aliviar várias empresas que importam esse produto ou seus derivados.
II – E além de 2015?
JL – Quando olhamos para horizontes mais longos, o pais precisa sinalizar o que quer. Como observei, o investidor vê várias coisas boas no Brasil, mas nossa capacidade de inovação vai ser cada vez mais desafiada. Alguns países da América Latina têm tomado riscos e ido bem – a Colômbia com a pacificação tem ido muito bem, o Peru cresceu muito nos últimos 15 anos, mesmo que esteja desacelerando. O Chile tem uma experiência bem conhecida. Até o México, deve ter um novo impulso com suas reformas. Tudo isso tem impacto nas decisões dos investidores e perspectivas para quem tem que garantir renda para os próximos quinze anos.
II – E a comparação com os pares do BRICs?
JL – Já que nos colocamos entre os BRICs, temos que avançar mais na área tecnológica. Nossos pares andam mandando naves para a Lua e até para Marte. Nós não temos muito para mostrar ou plano concreto, apesar de boas empresas com tecnologia. Então fica evidente que, mantendo a disciplina fiscal, há fronteiras a serem conquistadas, com potencial importante para nossa economia e a criação de emprego. Principalmente, com impacto relevante em horizontes de investimento que na época de menor estabilidade econômica e institucional não faziam sentido, mas que são típicas de sistemas mais maduros.