“CUT não é oposição”

Edição 136

João Vaccari Neto, da CUT

Reeleito em junho para a diretoria executiva da Central Única dos Trabalhadores (CUT), trocando o cargo de diretor tesoureiro pelo de secretário de relações internacionais da entidade, o presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, João Vaccari Neto, é hoje um dos sindicalistas que mais de perto acompanha os debates sobre a Reforma da Previdência e a criação de fundos de pensão instituídos. Para ele, em seu terceiro mandato à frente do sindicato dos bancários (sua primeira gestão foi para concluir o mandato de Ricardo Berzoini, o atual ministro da Previdência que à época licenciou-se da presidência do sindicato para assumir seu primeiro mandato como deputado federal por São Paulo), a CUT tem pontos de divergência em relação à Reforma, mas não é contra ela. “Oposição faz o PSTU”, sintetiza. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista que ele deu à Investidor Insitucional:

IIA CUT se opõe à Reforma da Previdência?
João Vaccari Neto – Nós não somos oposição à Reforma da Previdência, nós defendemos a reforma mas achamos que tem que negociar alguns ítens. Oposição faz o PSTU, que é contra a reforma da previdência. A CUT não é contra, ela diz que a reforma da previdência tem que ser feita porém não do jeito que está colocado. Nós estamos propondo um conjunto de emendas que acreditamos corretas.

IIEm que a CUT diverge da proposta do governo?
JV – Nós achamos que o teto tem que ser maior que R$ 2.400, por exemplo. Nós defendemos um teto de R$ 4.800. Além disso, nós queremos o fim do fator previdenciário para o setor privado e uma outra regra de transição. Não dá para ter uma regra de transição tão dura quanto essa que está aí.

IIComo deveria ser a regra de transição?
JV – Teria que ser mais suave. Pelo modelo proposto, se você sai antes de 5 anos você perde 20% do valor da aposentadoria. Tem também o problema dos professores, que perdem a condição especial que possuem hoje, de aposentadoria com 25 anos de aula. Então, o professor que começa a dar aulas aos 22 anos pode se aposentar aos 47 anos, se for mulher, e aos 53 anos, se for homem. A regra de transição acaba com isso, estabelece a idade de 55 anos para a professora e 60 anos para o professor. Temos que debater esse ponto.

IIDeveria ter uma regra especial para o professor?
JV – Sim, fazer um movimento especial para o professor. Tudo bem que não seja aposentadoria com 47 anos para a professora, mas também que não seja aos 55.

IIQual sua opinião sobre o regime especial que querem o Judiciário e os militares?
JV – Somos contra. Tem que ser tudo unificado.

IIE por que tem que ter regras diferentes para os professores?
JV – A previdência dos professores vai continuar a mesma, só as regras serão diferentes. Não será um regime diferente.

IIMas serão condições especiais!
JV – Sim, mas porque a condição especial já existe hoje. Não é outro regime, outra regra, outro princípio! O que os juízes querem é outra coisa, eles querem outro regime!

IIE se o que eles querem fosse colocado como condições especiais? A CUT aceitaria?
JV – A condição especial que eles querem é o salário integral. Já o que os professores querem é algo que está na Constituição. Lá diz que o professor não pode trabalhar mais que 25 anos. Isso vale até para os professores da rede privada. Professores que dão aula para o primeiro grau, se provarem que deram aula a vida toda numa escola privada de 1º grau, se aposentam com 25 anos de aula. A Constituição garante isso a ele!

IIPorque hoje a CUT aceita a Reforma da Previdência, se foi contra no governo do Fernando Henrique?
JV – Nós aceitamos, mas negociando alguns ítens. Nós dizíamos, na época em que o Fernando Henrique foi fazer a reforma da previdência, que primeiro ele tinha que fazer a reforma do setor privado e num segundo momento fazer a reforma do setor público, com o objetivo de criar uma previdência única. A reforma dele acabou ficando só no setor privado e criou muitas injustiças.

IIEla prejudicou o setor privado?
JV – A reforma dele foi um massacre para o setor privado! Aumentou a idade mínima, diminuiu o valor da aposentadoria, colocou o fator previdenciário, trocou o tempo de serviço por tempo de contribuição. Um verdadeiro massacre! Antes, para saber o seu salário você pegava a média dos 36 meses. Hoje, são as suas maiores contribuições desde 1995 e isso vai valer o tempo todo, vai ser sempre a média das suas contribuições nos últimos 5 anos, 10 anos, 15 anos.

IIA perspectiva é que, daqui a alguns anos, a média alcance a totalidade das contribuições?
JV – Essa é a lógica, estabelecer uma média das contribuições da vida toda do cidadão. Fora isso, a reforma do Fernando Henrique acabou com a contagem por tempo de serviço, implantou a contagem só por tempo de trabalho e depois de aprovado tudo isso ainda impôs o fator previdenciário. Então, o que nós temos hoje é um teto de R$ 1.869,00 mas que ninguém consegue atingir. Raramente você vê algum trabalhador conseguir ter uma média superior a R$ 1.000,00. Por quê? Pelo fator previdenciário!

IIVocê acha que a reforma do Fernando Henrique não deveria ter começado pelo setor privado?
JV – Tudo bem que começasse pelo setor privado, mas depois tinha que chegar ao setor público e caminhar na direção de uma previdência única. E não foi o que aconteceu! Já naquela época nós defendíamos a previdência única, com um teto e fundo de pensão para o setor privado e para o público, ao invés de ter dois regimes, um com salário integral e o outro com fator previdenciário!

IISão regimes incompatíveis?
JV – Veja, no setor privado, o cidadão que ganha R$ 10 mil por mês se aposenta com R$ 1.800 mas não consegue chegar aos R$ 1.000 por causa da média das últimas contribuições e do fator previdenciário. Já no serviço público R$ 10 mil de salário é igual a R$ 10 mil de aposentadoria.

IIComo estão os planos da CUT de criar fundos de pensão?
JV – Nós já tínhamos tomado a decisão de criar, mas agora, com o debate da reforma da previdência, com a ideologização do tema, há um setor da CUT que diz que fundo de pensão é financiar os bancos. Então, isso vai atrasar um pouco o nosso cronograma. Mas nós vamos, com certeza, ter o nosso fundo de pensão. Hoje, inclusive, já temos alguns debates sobre o modelo da Cut Previdência, que seria criar os planos por categoria profissional.

IIO fundo da CUT teria planos segregados por grupos de categorias?
JV – Sim, inclusive a gestão dos recursos também seria feita dessa forma. O plano dos bancários, por exemplo, teria a participação dos bancários na gestão dos seus recursos.

IIVocê falou em ideologização do tema. Quem ideologizou o debate da reforma?
JV – Alguns grupos colocam que fundo de pensão é sinônimo de privatização, é estar investindo na especulação financeira. Eu acho que não, até porque o fundo de pensão exigirá que o governo compareça, todos os meses, fazendo os seus depósitos. Vai obrigar o governo a depositar, mês a mês, ano a ano, as reservas que são necessárias para a aposentadoria dos seus funcionários, tal qual fazem as empresas privadas que têm fundo de pensão. A realidade é que o Estado, incluindo municípios, estados e a União, nunca depositou a parte dele em nenhum fundo de pensão.

IIA parte do movimento sindical que ideologizou o debate é significativa?
JV – Não, é minoritária! Mas, como se diz, é minoritária mas faz barulho, cria confusão, obriga todos a fazerem uma reflexão do tema!

IIE como está o debate para a criação do fundo de pensão da CUT? Já tem um organograma de debates?
JV – Nós estamos digerindo as novas regras, como a 108 e a 109, a possibilidade de contribuição das empresas para o fundo instituído e também esperando a definição sobre a questão da portabilidade. Além disso, tivemos recentemente o Congresso da CUT e, por conta dele, paramos tudo nos últimos seis meses. Era um momento importante de demarcação de nossas opiniões, aprovamos na proposta de previdência a criação dos fundos de pensão, agora é como fazê-los. Esse é o debate que estamos iniciando, mas lógico que nesse momento da reforma da previdência têm acontecido alguns tumultos, com gente dizendo que formar fundo de pensão é financiar a especulação financeira.

IIPorque acham isso?
JV – Eles acham que vai tudo para a especulação, mas estamos esclarecendo que não, que vamos aplicar uma parte em CDI, em títulos do governo, outra parte em ações, outra no mercado de imóveis etc. Ou seja, vamos fazer uma cesta de investimentos para garantir um rendimento contínuo que permita pagar os compromissos que vamos assumir. Então, como nós temos todo esse debate, a criação do fundo da CUT tende a ser mais lenta.

IISua expectativa é que muitas empresas contribuam para os fundos instituídos?
JV – A nossa expectativa é negociar os aportes com as empresas, principalmente as pequenas empresas, as que não tem fundo de pensão. A grande massa não tem, só 1,7 milhão de trabalhadores têm fundo de pensão, para uma força de trabalho de 40 milhões. Então, tem 38 milhões de trabalhadores que não têm, dos quais 20 milhões ganham menos de R$ 1 mil. Mas, mesmo assim, ainda restam 18 milhões. É um número alto!

IIOs fundos instituídos poderiam tirar gente dos fundo de pensão patrocinados?
JV – Acho que não, não é esse o nosso objetivo! Vamos buscar as empresas que não tem fundos. E há muitas. Nos bancários, por exemplo, sabe quem tem fundo de pensão com participação de todo mundo? Só o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o Banespa. Os bancos privados só têm para os altos cargos. Depois de um determinado número de anos de banco é que você é convidado a fazer parte do fundo de pensão. No Itaú, só os altos chefes estão no fundo de pensão; no Bradesco, só do diretor departamental para cima; no Santander, só tem aporte dos trabalhadores e quem gerencia os recursos é o próprio Santander.

IIQuer dizer, isso dá um amplo campo para ser explorado pelos fundos instituídos?
JV – Espaço é que não falta!

IIO espaço dos participantes nos fundos de pensão aumenta, com o governo do PT?
JV – Sem dúvida. Essa é uma questão vital, da ampliação da democratização, transparência e fiscalização na gestão dos fundos de pensão, até para garantir a qualidade dos investimentos. Hoje há milhares e milhares de reais em investimentos podres, recursos mal aplicados, justamente porque antes era uma coisa super fechada, não tinha transparência, não tinha democracia, não tinha fiscalização, não tinha nada. Um determinado setor da sociedade se apropriava dos fundos, inclusive dos investimentos, e fazia as aplicações. Nós sempre defendemos a necessidade de fiscalizar os fundos, de dar transparência nas aplicações, para que os participantes saibam onde está sendo investido o dinheiro deles, em prédios, em ações, etc.

IIAntigamente, o movimento sindical também não se interessava muito pelo debate dos fundos de pensão…
JV – Como sou bancário, e os grandes bancos sempre tiveram fundos de pensão, no Sindicato dos Bancários nós sempre fizemos esse debate.

IIAté porque, os maiores fundos de pensão são os do setor bancário, não é?
JV – E são também os que estão mais abertos, do ponto de vista da participação dos empregados na gestão, como é o caso do Banesprev, da Funcef, da Previ. A Petros estava totalmente terceirizada, agora é que está se recuperando para ter uma administração própria, mas estava totalmente esculhambada.

IIVocê é contra a terceirização da gestão financeira?
JV – Sou contra você ser proibido de fazer a gestão. Acho que quem tem que gerir as finanças é o próprio fundo. Uma coisa é você tomar a decisão de contratar um gestor para te aplicar R$ 1 bilhão, com uma taxa de retorno x, a decisão foi sua. Outra coisa é você ser proibido de fazer a gestão. A Petros não tinha nem uma diretoria financeira.

IITinha, era a diretoria da Eliane Lustosa!
JV – Ela não aplicava nada, estava tudo terceirizado com vários bancos. Por exemplo, se você pegar o fundo do Banespa, hoje eles têm R$ 300 milhões no Santander, mas foi uma decisão política da direção do fundo de aplicar neste banco, que apresentou a melhor proposta. A Funcef também tem dinheiro em vários bancos, assim como a Previ e a Petros. Uma coisa é você ter a opção de terceirizar, outra é não poder gerir.

IIVocês são contra a obrigação de terceirizar, mas não contra a terceirização em si?
JV – Claro, se for um bom negócio do ponto de vista da gestão do negócio.

IINo fundo de instituidor terceirização da gestão financeira é obrigatória.
JV – É obrigatório contratar um gestor financeiro externo, mas isso não significa que você não possa participar da gestão.Você pode participar da gestão, de comum acordo com o banco. Em última instância, quem vai de fato participar e concluir que a operação está sendo um bom negócio sou eu, o banco é o operador. Eu posso dizer ao banco que vou dar R$ 50 milhões a ele e quero um retorno de x% ao ano, então eu não quero saber como ele vai fazer, eu quero o retorno, mas também posso exigir participação na gestão. Então, tudo isso depende de como você estruturou o negócio, tem que ter uma razoabilidade de critérios!

IIQuer dizer, a gestão financeira é algo negociável?
JV – Acho que sim! É lógico que o instituidor não pode usar os recursos para outras finalidades, levar o dinheiro embora, desaparecer com ele. Qual foi a preocupação do Congresso quando fez a lei? Evitar que o instituidor crie um fundo de pensão e um Zé Mané qualquer suma com o dinheiro. Por isso tem que ter um gestor financeiro de responsabilidade, de conhecimento, justamente para evitar o caos. Ele deve dizer ao instituidor: tudo bem você dar opinião, mas você não pode levar tudo embora, desaparecer com o dinheiro.

IIVocê defende a aplicação dos recursos dos fundos de pensão em projetos de interesse do governo?
JV – A maior participação dos trabalhadores na gestão vai permitir, inclusive, que a gente discuta isso, a aplicação dos recursos do ponto de vista do interesse do desenvolvimento estratégico do país. Mas, isso sem perder a referência de que esses recursos são para cumprir as obrigações com os beneficiários, então têm que ser aplicações rentáveis.