“Cumpri minha missão” | O ex-presidente da Previ diz que melhorou...

Edição 113

Luiz Tarquínio, ex Previ

A saída de Luiz Tarquínio da presidência da Previ pegou quase todo mundo de surpresa. Versões que circularam pelo sistema davam conta de que ele teria caído em razão de não ter conseguido levar a fundação aos benefícios do RET. Nessa entrevista exclusiva, ele refuta essas versões e fala de outros temas, como investimentos e relacionamentos da Previ com seus sócios.

Investidor InstitucionalHá pouco mais de três anos, o sr. assumiu a presidência da Previ com o objetivo de dar à gestão dos recursos da fundação um caráter mais técnico. Esse objetivo foi alcançado?
Luiz Tarquínio – Na minha passagem por lá, com certeza, muito se avançou nesse sentido, ainda que haja espaço para avanços adicionais. Se comparada com a situação que se tinha quando eu cheguei, a administração de recursos da Previ progrediu muito, se encontra num estágio muito melhor. Para exemplificar, temos hoje uma relação com as empresas onde somos acionistas muito diferente do que era. O trabalho que foi feito no âmbito da Embraer, com a aliança estratégica com o grupo de indústrias francesas, o lançamento das ações no exterior, uma oferta secundária que fizemos, tudo isso reflete a preocupação de dar o melhor formato possível à administração da empresa e conferir a melhor liquidez possível às suas ações. Isso tem acontecido também na Vale, onde trabalhamos intensamente em prol do descruzamento, que acabou sendo concluído de forma exitosa em março do ano passado.

IIQuer dizer, o aspecto técnico de tomada de decisões na Previ aprimorou-se?
LT – Sem dúvida! As exigências em relação à forma como as coisas são conduzidas na Previ aumentaram bastante. Mas essa é uma tarefa ininterrupta, que você tem que seguir fazendo porque o mundo vai mudando, novas técnicas, novas tecnologias e formas de análises vão surgindo. Acho que, pelo fato de eu ser um sujeito com um histórico técnico, foi que o Banco me nomeou como presidente da Previ. Tenho tranqüilidade de dizer que minha missão foi cumprida.

IIO tamanho da Previ não atrapalha, na hora de fazer uma gestão mais técnica?
LT – Não, em absoluto. O tamanho da Previ é um elemento que apenas eleva a dimensão do trabalho a fazer. Apenas impõe uma preocupação muito grande porque são muitos setores, a diversidade da carteira de ações é muito grande.

IIQuais foram os motivos da sua saída? Fala-se que estaria ligada ao fato de a Previ não ter conseguido aderir ao RET…
LT – Em absoluto. Tomei a decisão de sair ainda no ano passado e comuniquei à direção do Banco já naquela época. Esse argumento de que eu saí porque a Previ não aderiu ao RET, por causa da decisão do ministro Tourinho é interessante. Ora, se foi uma decisão judicial, eu não poderia descumpri-la, em hipótese alguma! Portanto, é um raciocínio contraditório: como alguém pode atribuir a mim a responsabilidade de não ter feito algo que, em tese, foi barrado por decisão judicial? Eu saí porque considero que o meu ciclo na Previ foi cumprido.

II Se não fosse pela decisão do ministro Tourinho, a Previ teria aderido ao RET?
LT – Esta discussão estava caminhando lá dentro. O que ficou registrado, e é do conhecimento público, é o fato de que eu e outros dois colegas, naquele momento, defendíamos o pagamento. A alegação dos demais para não apoiar o pagamento foi a decisão do juiz Tourinho Neto. Eu não posso dizer o que aconteceria se não houvesse essa decisão. A fundação funciona sob um regime tal que, para tomar uma decisão qualquer, é preciso contar com os votos das outras pessoas. Eu não tenho voto de Minerva na diretoria.

IIVocê acha que deveria ter?
LT – Não é uma questão de achar ou não achar. A lei prevê voto de qualidade para o Conselho Deliberativo e diz que ele deve nomear a diretoria. Quer dizer, o voto de Minerva não está previsto na lei. O que acho é que o modelo correto para qualquer entidade, empresa ou fundo de pensão, é ter uma diretoria profissional, um time montado sob a liderança de alguém. Nas empresas, em geral, o presidente não tem voto de Minerva, mas no mais das vezes ele tem condições de montar sua equipe, de convidar as pessoas que considera ideais para os cargos, e isso não acontece na Previ. Isso não é uma crítica, é uma constatação.

IIIsso atrapalhou sua gestão?
LT – Dentro desse modelo eu tentei conduzir a entidade da melhor maneira possível, e considero que cumpri o meu dever. Quando aceitei o cargo na Previ eu já sabia que a regra era essa, então não vou ficar tecendo considerações sobre o modelo. Agora, sem dúvida, simpatizo mais com os modelos que normalmente vigoram nas empresas, e falo isso de coração tranqüilo.

IIA disputa em torno do RET, entre diretores eleitos e indicados, aconteceu só nessa questão ou houve outras disputas?
LT – Em diversas circunstâncias houve divergências de posição, mas nem sempre entre diretor eleito e diretor indicado. A divergência, ou a visão diferente, é uma coisa comum nas organizações. Não disputo nada com ninguém, registro minha posição e acho que o outro diretor tem o direito de registrar a dele. Disputa parece um negócio muito belicoso, de competição. Imagino que cada um, à sua maneira, defende o que acha ser o melhor para a entidade.

II Dá para dar alguns casos concretos?
LT – No caso do RET, continuo achando que o melhor para a Previ, naquele momento, era aproveitar os benefícios da MP em relação ao IR. Tem gente que acha que não. Há outros eventos, como a questão da paridade, que ensejaram inclusive a nomeação de um diretor fiscal para a Previ. Como ele tinha poderes para isso, tomou uma decisão e o caso está na Justiça.

II As disputas da Previ com seus sócios, o Opportunity no caso da Telemar e o Benjamin Steinbruch na Vale do Rio Doce, não enfraqueceram sua gestão?
LT – Não acho. Nos casos que você mencionou eu sempre tive apoio da diretoria. O caso da Vale, por exemplo, era um negócio e tem que ser entendido como uma operação de compra e venda de ativos. Nós tínhamos uma estratégia e achávamos que o melhor era fazer o descruzamento, e assim o fizemos. Não tinha nenhuma disputa com o Benjamin. Todas as decisões a respeito do descruzamento de Vale e CSN, de comprar, de vender e sob que condições fazer isso ou aquilo, foram tomadas pela diretoria. A decisão do descruzamento era uma coisa unânime. A diretoria tinha amplo conhecimento, tomou as decisões e estas sempre foram também do conhecimento do Conselho Deliberativo da Previ. Essas operações foram concluídas há um ano, com o conhecimento de todos.

II E no caso do Opportunity? Nesse caso o conflito é claro, não é?
LT – Se para defender os interesses e os direitos da Previ eu precisar desagradar alguma pessoa, ou litigar contra quem quer que seja, eu farei isso. Na disputa da telefonia com o banco Opportunity, o conflito foi necessário para defender os interesses e os direitos da Previ. Eu tenho um dever fiduciário de zelar pelo interesse de cerca de 125 mil participantes da fundação.

II Essas disputas não lhe trouxeram muitos inimigos?
LT – Se alguém me enxerga como inimigo, vou até aproveitar a oportunidade para deixar claro que isso para mim é negócio, não tenho nenhum indisposição pessoal contra quem quer que seja, ainda que muitas vezes seja objeto de considerações indevidas de alguns. E as decisões que têm sido tomadas a esse respeito não são individuais minhas, mas da diretoria da Previ.

IIEssas disputas da Previ não deixam alguns potenciais sócios ariscos, com medo de negociar com a fundação?
LT – Acho ótimo que seja assim, que as pessoas pensem duas vezes antes de se associar com a Previ, porque sabem que é uma entidade exigente. Os bons parceiros, aqueles que tiverem interesse em desenvolver iniciativas e projetos em que ambas as partes ganham, esses certamente não terão nenhuma resistência em procurar a Previ.

IIAlguns parceiros de investimento dizem que a Previ não cumpre os contratos.
LT – A Previ cumpre todos os contratos que assina. Agora, como algumas promessas que nos foram feitas não foram cumpridas, fomos buscar o seu cumprimento de uma forma pacífica. Como ainda assim isso não foi suficiente, então nós fomos atrás e tomamos as providências que julgamos necessárias para fazer com que fossem cumpridas. É esse o caso do Opportunity, por exemplo.

IIBem, o Opportunity conseguiu um aliado na pessoa de um diretor do Conselho da fundação, o Valmir Camilo, que criticou a Previ numa entrevista a uma revista.
LT – Essa história sobre o que o Valmir Camilo falou, ou deixou de falar, eu só conheço por intermédio da revista, não foram declarações que ele deu diretamente a nós. Então, solicitamos no Conselho Deliberativo da Previ que ele as confirmasse ou desmentisse.

II É verdade que o sr. pediu a exclusão dele do Conselho, por essas críticas?
LT – Não tenho poderes para isso. O que a diretoria da Previ pediu foi que o Conselho determinasse ao conselheiro que se manifestasse pessoalmente sobre a entrevista, antes de julgarmos o que fazer. Alguns diretores se sentiram ofendidos, eu inclusive, pelo fato dele afirmar coisas que não são verdadeiras, que eu mando sozinho na Previ, que eu me aliei com o PT… Não sou integrante do PT, jamais fui. Parodiando o samba, não sou candidato a nada. Então, espero que ele tenha a honra e a dignidade de confirmar aquilo que falou ou então desmentir.

II A Previ esteve na linha de frente de uma série de disputas com a SPC nos últimos anos. Como o sr. analisa a relação da fundação com o órgão?
LT – Não temos disputas com o órgão regulador. Refuto completamente essa visão de que nós temos estado brigando com a SPC. Nós não estamos disputando absolutamente nada!

IITeve até a figura de um diretor fiscal nomeado pela SPC intervindo na Previ no caso da paridade, da divisão do superávit.
LT – Isso não reflete uma disputa, reflete a interpretação do órgão regulador e fiscalizador de que a Previ não estava com sua situação adequada às regras defendidas pela Emenda Constitucional nº 20, que dizia que era precisava reduzir as contribuições para uma situação paritária. E não foi uma intervenção conforme você falou, ele chegou lá para tratar de um problema específico, para ver que efeito teria a paridade contributiva, a redução das contribuições do Banco, no superávit disponível de R$ 5 bilhões. Como o fluxo de caixa das contribuições previdenciárias da Previ foi reduzido a 2/3 do que era, passando de 2×1 para 1×1 por causa da paridade, isso tinha um impacto patrimonial. E isso levanta a questão da distribuição dos ônus decorrentes dessa mudança, pois quando se reduz o fluxo de contribuições aumenta o passivo do fundo. Muito bem, mas se o passivo aumenta quando há um superávit, como é que faz? Essa era a discussão, e o diretor fiscal foi prá lá justamente para ser o árbitro dessa discussão, uma vez que os funcionários estariam se apropriando desse superávit para cobrir uma parte dessa redução de contribuições e o Banco julgava que também teria direito.

IIQual é a situação financeira da fundação hoje?
LT – É tranqüila, e já tive a oportunidade de me manifestar publicamente sobre isso. Na nossa opinião, que aliás foi comunicada à SPC em julho passado, o déficit atuarial não existe. O déficit está absolutamente coberto por um crédito que a Previ tem contra o Banco do Brasil por conta de um contrato assinado em 1997.

IIA SPC diz que existe!
LT – Eu recebi uma correspondência da SPC em 19 de julho do ano passado, falando de forma genérica que ela tinha detectado a insuficiência de ativos líquidos para cobertura dos benefícios, uma forma de dizer que havia um déficit atuarial e que estaria nos convocando em 30 dias para conversar. Sem saber exatamente de onde a SPC havia concluído pela existência de déficit atuarial, mandamos em 1º de agosto uma correspondência fundamentada em demonstrações técnicas de que não concordávamos com a existência de déficit atuarial. Desde então, não recebemos mais nenhuma convocação da SPC, nenhuma correspondência.

IIDe onde teria saído esse déficit?
LT – Talvez seja uma interpretação por conta de um contrato de 1997, que tem a ver com a constituição das reservas de um grupo de pessoas que eram funcionários do Banco do Brasil antes da criação da Previ como ela é hoje, em 1967. Se for isso, eu insisto que não há déficit porque tenho um crédito de excelente qualidade, contra meu patrocinador, através de um contrato assinado em final de 97 e que está sendo executado, a dívida está sendo paga regularmente desde o início de 98. Não há o que se falar em déficit. Vou aguardar que a SPC se manifeste ou nos convide para esclarecer. Deus queira que isso não passe de um mal-entendido.

IIDe quanto é a dívida que o Banco do Brasil tem hoje com a fundação?
LT – Deve estar em torno de R$ 4 bilhões.

II Fale um pouco sobre os investimentos da Previ nos processos de privatização. Eles foram acertados, estão dando bons resultados?
LT – Em muitos casos os investimentos estão muito bem, dentro do previsto, e outros nem tanto. Quem comprou distribuidora de energia elétrica não podia prever que haveria racionamento. Siderurgia é um ramo em que algumas empresas vão bem e outras, nem tanto. Além disso, temos um contexto de conturbações econômicas que não estavam na conta de ninguém. Há alguns investimentos que estão muito bem, como a Vale do Rio Doce, a Embraer. Então, isso tem que ser analisado caso a caso.

IIA Previ é uma das principais acionistas do Banco do Brasil. O banco tem dado bons lucros para a fundação?
LT – O Banco tem progredido bastante, deu um resultado de R$ 1 bilhão agora. O Banco é uma empresa que vem sofrendo um processo de reestruturação desde 1995, e se você pegar o resultado que ele deu no segundo semestre do ano passado, depois de uma operação que saneou alguns créditos da carteira rural, o resultado foi muito bom, mas muito bom mesmo. O Banco hoje é uma empresa competitiva no ramo em que atua, no varejo e seus resultados estão dentro das expectativas que a Previ nutria.

II Poderiam ser melhores?
LT – É óbvio que se você pega, de repente, um título do Tesouro que passou tempo rendendo juros altos e compara olhando só para o passado, então é complicado. A gente, tem que olhar um pouco a visão administrativa de quem está cuidando de carteira, a necessidade de diversificar os riscos dos investimentos, o risco ao longo do tempo… Vamos tomar um fundo, em março de 1990, e imaginar um dirigente dizendo: “os juros do Tesouro são tão bons que vou manter minha aplicação estritamente em títulos públicos federais, não vou botar em empresa”… O que aconteceu com esse fundo? Então, como um fundo de pensão administra carteira com perspectiva de muito longo prazo, evidentemente você poderá facilmente encontrar alguns instrumentos que possam ter rendido mais do que o Banco do Brasil, ou do que uma distribuidora de energia elétrica, mas isso é certo para a frente? Essa é uma discussão bastante complexa.

IIQuais são seus planos, agora que o sr. está saindo da Previ?
LT – Em princípio, continuo à disposição do Banco do Brasil para atuar em alguma empresa do grupo. Tenho uma série de questões éticas com as quais eu tenho que lidar a respeito do meu futuro e, em princípio, pretendo trabalhar em alguma empresa do conglomerado do Banco do Brasil, que é o meu patrão nesse momento.