Cuidado com o gestor!

Edição 146

Teresa C. Barger, do IFC

Em meados de maio, a Petros reuniu em seu auditório da zona central do Rio de Janeiro uma dezena e meia de grandes fundos de pensão para discutir um assunto que cada vez mais ganha corpo entre as fundações: investimentos em private equity. Os dirigentes das fundações presentes, que juntas concentram a maior fatia dos investimentos do sistema, ouviram por cerca de duas horas uma apresentação de Teresa C. Barger, diretora da área de fundos de investimentos e private equity do International Finance Corporation (IFC), o braço de investimentos do Banco Mundial. Ela veio dos Estados Unidos especialmente para a reunião. Após sua apresentação matutina, seguida de debate, almoçou com os dirigentes das fundações locais e depois passeou pela cidade. Voltou à noite para Washington, DC.
Teresa falou da importância dos fundos de private equity para o IFC, como os ativos de melhor retorno no longo prazo. Mas alertou que a escolha do gestor é importante para garantir esse retorno, e até citou uma pequena lista de horrores que assustam os investidores em fundos de private equity – que incluía um investimento de pouco menos de US$ 20 milhões que o organismo fez num private equity brasileiro, voltado à projetos
do meio ambiente, que fez tudo errado e cujo gestor teve que ser substituído. Isso foi no ano passado.
Com bom humor, o presidente da Previ, Sérgio Rosa, que se encontrava entre a platéia, disse que se ela quisesse ele poderia engrossar a lista de horrores dela com mais alguns casos locais. Teresa, polidamente, declinou da oferta em meio aos risos da platéia. A seguir, os principais trechos da entrevista que ela deu, com exclusividade, à Investidor Institucional.

Investidor InstitucionalO IFC é um dos grandes investidores do mercado mundial. Quanto tem hoje investido?
Teresa C. Barger – Atualmente, o IFC tem US$ 16 bilhões como ativos nos livros contábeis, sendo que 75% são empréstimos e 25% são equities. Dos investimentos em equities, um terço estão em fundos. Somos um dos maiores investidores do mundo em fundos.

IIQual a participação do Brasil nesse bolo?
TCB –A carteira do Brasil é de US$ 2 bilhões, sendo US$ 1,1 bilhão só do IFC e US$ 860 milhões de outros parceiros. Mas o número acumulado dos investimentos no Brasil soma US$ 6,9 bilhões, dos quais US$ 3,7 bilhões da carteira própria e US$ 3,2 bilhões sindicalizados.

II Dos investimentos no Brasil, qual a proporção entre empréstimos e equities?
TCB – Cerca de 20% são equities e 80% são empréstimos.

IIDo total dos investimentos do IFC no mundo, quanto especificamente estão em fundos de private equity?
TCB – É pouco, é aproximadamente US$ 1 bilhão, distribuídos em cerca de cem fundos.

IIComo é a distribuição desses recursos?
TCB – Infelizmente não tenho o número certo dos investimentos em cada país. Mas posso dizer que é muito bem distribuído. Por regiões, sei que 23% estão na América Latina, 25% na Ásia, 20% na África e o restante está distribuído entre Europa Central, Rússia e Índia.

II Porque a área de equities é tão importante para o IFC?
TCB – Porque, em geral, o nosso lucro vem dela. Quando você olha para o sul da Europa, por exemplo, você tem cerca de 90% dos ativos em empréstimos. Então, precisamos de mais equities, porque eles é que dão lucro. Nos Estados Unidos, o retorno dos fundos de private equity é muito bom, e o dos fundos de capital venture é ainda melhor.

II Qual tem sido o retorno do IFC em private equity?
TCB – É difícil dizer isso, porque a maior parte da carteira atual tem menos de 5 anos e, geralmente, em todo fundo de private equity o ano 5 é o pior na curva de rentabilidade. Isso porque todo o dinheiro está investido em empresas e essas ainda não foram vendidas, portanto você ainda não recuperou o dinheiro. Então, como um fundo de private equity tem 10 anos, o retorno começa a vir a partir do quinto ao sétimo ano.

IIDá para falar da rentabilidade dos investimentos já fechados?
TCB – Nos fundos de private equity que já foram fechados, dos anos 80 e início dos anos 90, o retorno foi bem interessante. Chegamos a uma média de 11% por ano. O motivo de ter sido um bom retorno é que houve, na saída, uma combinação de empresas vendidas em bolsas (IPO) e outras que acabaram sendo vendidas para compradores estratégicos ou para os próprios executivos, na modalidade management buyout.

IIQuais são os mecanismos de saída dos fundos de private equity?
TCB – Depende do mercado, mas geralmente é você vender para um comprador estratégico, um comprador que precisa daquele ativo. Geralmente são empresas grandes, que buscam expansão, então querem comprar empresas menores e em crescimento. Além disso, pode-se sair através de um IPO (Oferta Inicial de Lançamento) no mercado local ou no mercado internacional. Nas pequenas empresas, pode-se fazer o management buyout, os gerentes compram as empresas, porque numa empresa pequena o gerente e o proprietário são quase sempre a mesma pessoa. E os fundos de private equity tem muito a ver com esta pessoa, então uma parte do lucro do fluxo de caixa vai para uma conta separada, de forma que o proprietário possa usar este dinheiro para comprar a parte do fundo. Nos Estados Unidos, mais da metade das saídas dos fundos de private equity aconteciam via IPO, mas isso está mudando. Atualmente, apenas 10% está sendo por IPO.

IIA rentabilidade do fundo de private equity depende, em grande parte, do gestor. Quais são os critérios para a escolha do gestor?
TCB – Há uma grande diferença quando se seleciona um gestor pela primeira vez ou quando é para um segundo trabalho. Muitos investidores institucionais dos Estados Unidos e da Europa Ocidental só investem se o fundo for administrado por gestor que já administrou uma, duas ou três vezes um fundo. Agora, o nosso papel também é dar apoio aos gestores que estão começando. Mas ele tem que ter um histórico, estar envolvido em negócios que se adequem à estratégia da IFC. O importante é que ele esteja fazendo uma coisa diferente no mercado, algo que o IFC não poderia fazer por conta própria.

IIHá grandes diferenças de rentabilidade entre gestores de private equity?
TCB – Sim, há. Veja, um estudo que fizemos com um grupo de gestores de private equity mostra que os melhores deram uma rentabilidade média de 21,9% ao ano, contra 6,9% do grupo dos piores gestores. Já numa comparação entre gestores de fundos abertos de renda fixa, os melhores conseguiram uma rentabilidade de 12,6% contra 11,5% dos piores. Então, para o investidor seria melhor ficar na segurança dos títulos públicos, mesmo com o pior gestor, que deu 11,5%, do que arriscar-se em fundos de private equity com gestores que não conhece.

IIQual são os setores que o IFC considera prioritários para investimentos?
TCB – Isso depende. Varia de lugar para lugar, mas em geral o que está presente em primeiro lugar é a infra-estrutura, sendo que em alguns lugares o setor financeiro também pode ser considerado parte da infra-estrutura. Além disso, também temos interesse em descobrir formas de dar suporte para empresas de pequeno e médio porte. Essas são as principais prioridades. Mas nós também temos interesse e um conhecimento específico nas áreas de agro-negócios, química, petróleo e gás, tecnologia da informação e indústria e serviços
em geral.

IIQual o papel dos fundos de private equity nas empresas investidas?
TCB – Bom, contribuímos para criar valor de várias formas. A mais comum é a alavancagem, onde um fundo de private equity investe, dá suporte e recupera uma empresa para depois recuperar o investimento. Temos o caso de uma aeroporto no México, que estava perto da falência, então um fundo de private equity entrou, investiu, alavancou, recuperou e depois retirou seu capital com lucro de 100%. Também pode ajudar a empresa a expandir sua operação, via compra de outras empresas, e assim aumentar seu lucro e seu valor, ou pode optar por ajudar na expansão da sua margem de rentabilidade no mesmo negócio.

IIQuais são as situações que mais assustam o investidor de private equity?
TCB – Eu poderia falar bastante sobre isso, tenho inclusive uma pequena lista de horrores nessa área. Mas, para ficar num exemplo local, temos um caso muito ruim no Brasil mesmo. É um fundo pequeno, com proposta de ser socialmente responsável, e que tinha como perspectiva fazer coisas muito positivas em relação ao meio ambiente. Era um investimento que iria ajudar o meio ambiente no Brasil e, por isso, os investidores acabaram não percebendo que tinha alguma coisa de errado com ele, porque estavam muitos interessados em ajudar.

II E o que aconteceu?
TCB – O gestor do fundo era uma pessoa impressionante, falava muito bem, mas não sabia nada do negócio. E a segunda pessoa do fundo também era uma pessoa que impressionava bastante, mas também não sabia nada do negócio. Investiram mais ou menos em 5 empresas e acabaram fazendo coisas consideradas ilegais do ponto de vista da legislação brasileira. Quando as empresas não estavam bem, eles acabaram dando os ativos do fundo em hipoteca e também deixaram de pagar os impostos dos salários. Ao descobrir isso, a IFC foi até o fundo ver o que estava acontecendo, mas alguns investidores disseram que não deveríamos ser tão duros, que deveríamos ser mais bonzinhos com eles. Dissemos que nós não vamos ajudar o desenvolvimento se não formos duros em relação às práticas adotadas no mercado.

II E o que aconteceu com os gestores?
TCB – Nós descobrimos isso em dezembro de 2002, e o contrato do gestor terminava em março de 2003. Então, não renovamos o contrato e colocamos um auditor forense dentro da empresa para descobrir todos os problemas.

IIE o que foi feito com os ativos do fundo?
TCB – O auditor forense foi contratado, provisoriamente, para fazer a gestão de curto prazo dos ativos. Os problemas eram tão graves e tão profundos que o auditor passou a ser o gestor do fundo e continua sendo. As habilidades necessárias para administrar aquele fundo já não eram as habilidades que um gestor tradicional poderia ter.

IIQual era o tamanho desse fundo?
TCB – Menos de US$ 20 milhões. O mais importante, para nós, é a reputação que temos. Nós temos que ter certeza que as empresas que recebem investimentos fazem tudo dentro da legalidade.

IIO projeto das PPPs (Parcerias Público-Privadas), que o Brasil está criando para incentivar investimentos, principalmente em infra-estrutura, pode receber investimentos do IFC?
TCB – Ninguém falou dessa oportunidade ainda ao IFC, portanto não temos resposta para isso. Eu não conheço os detalhes desse projeto, mas adianto que só queremos investir em empresas privadas. Podemos até investir junto com aos investidores governamentais, desde que eles não sejam maioria.

II Qual a sua avaliação sobre a imagem que o Brasil passa hoje aos grandes investidores internacionais?
TCB – Veja, aquele fundo brasileiro que citei, que tinha proposta de ser socialmente responsável e investir em meio ambiente, o fracasso dele não é um problema relevante. Nenhum dos grandes investidores tomou conhecimento disso, foi um erro e não vai influenciar na avaliação da imagem do País.

II A imagem do Brasil é favorável aos investimentos?
TCB – Veja, o que é relevante é que existem fundos muitos grandes, especialmente aqueles baseados nos EUA, que tiveram grandes perdas nos últimos tempos com falências espetaculares de grandes empresas internacionais. Então, esses fundos saíram de uma série de países, inclusive do Brasil. Mas isso em decorrência de problemas próprios.

IIO Brasil continua sendo um Pais atraente, do ponto do vista do investidor internacional?
TCB – Tem um relatório muito importante, da Goldman Sachs, que inclui Brasil, Rússia, Índia e China, os chamados países BRIC, no mundo dos investidores. Esse relatório chama muito atenção ao dizer que esses são os países que irão crescer muito no futuro. Se há países que sejam capazes de atrair investidores estrangeiros, provavelmente, serão esses quatro.

IIVocê vê capitais vindo para o Brasil no curto prazo?
TCB – Não tenho muita certeza, mas a GP Investimentos vai fazer um teste muito interessante, em breve. Eles vão para o mercado internacional com um terceiro fundo, com tracking record muito bom, uma equipe que já trabalha junto há algum tempo, e será bom para medir se realmente os investidores internacionais tem um interesse de investir aqui (procurada por esta revista, a direção da GP Investimentos confirmou a intenção de lançar seu terceiro fundo de private equity, mas disse que o projeto ainda está sendo desenvolvido).