Crescimento à espreita | O novo presidente do ICSS fala do que po...

Edição 111

Flávio Martins Rodrigues, do ICSS

Estagnado, o setor dos fundos de pensão brasileiro só aguarda a aprovação do PLC 9, que cria os fundos de previdência complementar do setor público, para experimentar um dos maiores crescimentos de sua história. “A expectativa é de que, em seis anos, mais de R$ 5 bilhões ingressem no setor por conta da contribuição de servidores em grandes capitais brasileiras. A exemplo do que acontece em países de Primeiro Mundo, os fundos têm tudo para assumir a liderança do segmento de previdência complementar no Brasil. Nesta entrevista, o recém-eleito presidente do Instituto de Seguridade Social (ICSS), Flávio Martins Rodrigues, especialista em previdência pública, fala de déficit da previdência oficial, o que se pode esperar diante de novas regras e como pretende fazer do ICSS o grande repositório de cultura em previdência, seja ela voltada para os servidores públicos ou para trabalhadores do setor privado.

Investidor InstitucionalPorque o sr., como executivo da previdência pública, quis concorrer à presidência do ICSS, que embora englobe hoje também institutos de previdência pública sempre foi ligado aos fundos de pensão de empresas?
Flávio Martins Rodrigues – Eu já era, na gestão anterior, diretor do ICSS. Fui eleito em 2000 para um cargo criado para acolher um representante da previdência dos servidores públicos. Verifiquei, no ICSS, um ambiente muito propício a que as entidades de previdência do setor público pudessem apreender, há uma cultura, um expertise, um arsenal de informações dos fundos de pensão privados. De outro lado, é o setor da previdência do servidor público a grande vertente de possível crescimento das entidades fechadas; verifica-se no Brasil e no mundo um crescimento menor no âmbito das empresas privadas na criação de fundos fechados de previdência complementar. Ao contrário, os maiores fundos fechados de previdência complementar no mundo são os vinculados aos servidores públicos, como o Calper’s, em Nova York, o de professores e servidores públicos nos EUA e na Europa, e outros tantos. Isso nos mostra que o grande retorno de crescimento possível da previdência capitalizada no nosso País é voltado para os servidores públicos. Daí a nossa aproximação e a nossa participação nesse processo junto do sistema Abrapp/Sindapp/ICSS.

IINosso sistema pode ter um Calper´s à moda brasileira? Temos potencial?
FMR – Não tenho dúvida. Não há nenhum maior empregador no Estado de São Paulo do que o próprio governo local, não existe maior empregador no município do Rio de Janeiro do que a prefeitura desse município. Se somarmos todas as arrecadações apenas de quem ganha acima de R$ 1.400,00 nos principais Estados da Federação, temos R$ 555 milhões por ano; são pessoas que obrigatoriamente têm de contar com previdência complementar se quiserem manter esse patamar na inatividade. Teríamos, em seis anos, R$ 5 bilhões só em arrecadação do servidor, fora a contribuição patronal.

IIQuais seus planos à frente do ICSS?
FMR – O ICSS já tem prestado relevantes serviços à comunidade previdenciária em nosso País, já tem uma rotina de tarefas executadas, como organização de seminários internacionais, Prêmio Nacional de Seguridade etc. Como diretor, ajudei a criar o núcleo de previdência do servidor público, que é o grande contingente de crescimento, e já congrega vários Estados e municípios; há uma comissão técnica de gestão de ativos econômicos já em funcionamento; a partir de março entra em funcionamento a comissão técnica de gestão de benefícios; e vamos promover uma aproximação e articulação maior com a Abrapp e o Sindapp. Tudo para fazer com que o ICSS seja o grande repositório de cultura em previdência, seja ela voltada para os servidores públicos ou para trabalhadores do setor privado. O que se pretende é a acumulação de valores e gestão de capitais com finalidades previdenciárias.

IIOs institutos públicos participarão mais do ICSS?
FMR – Exato. A grande massa de fundos fechados de previdência privada já é sócia do ICSS e continuará sendo uma vertente importante de sua expansão.

IIPor que os institutos públicos estão demorando a decolar?
FMR – Previdência não se faz de uma hora para a outra. Prova disso é a Argentina que fez uma reforma na previdência de forma atabalhoada e hoje o déficit previdenciário do país é idêntico ao déficit público do país por conta do custo de transição. As transições muito rápidas são arriscadas e têm custo muito elevado. A modificação na previdência do servidor público no Brasil poderia ter sido mais rápida. O próprio FHC, no balanço de fim de ano da sua gestão, disse que avançou pouco na previdência do servidor público, mas que avançaria em 2002. Os fundos estão decolando. Já temos montantes superiores a R$ 13 bilhões acumulados em sistemas de previdência de servidores públicos, a partir da emenda constitucional nº 20, de 1998. Com a capacidade de crescimento e a possibilidade de aporte, para fins previdenciários, de empresas ainda a privatizar – como a Copel –, esse montante crescerá muito mais. Então, entrarão não apenas os aportes do empregado e do empregador público, mas também aportes suplementares por conta de recebíveis e privatizações. O grande vetor de crescimento da previdência capitalizada no nosso País nos próximos três a quatro anos será a previdência do setor público.

II Quais suas expectativas com relação à aprovação do PLC 9?
FMR – FHC afirmou que a questão previdenciária era uma das prioridades deste início de ano legislativo, antes do início do processo eleitoral. O PLC nº 9 está em fase final de votação na Câmara, uma votação que promete ser difícil, com muitos destaques, muitas discussões. Imagino que essas discussões esgotem a questão política e que no Senado essa tramitação seja efetivamente bem mais rápida. Acho que no início deste ano teremos a aprovação do PLC 9. Não acho que serão criados grandes fundos ou fundos estaduais no ano de 2002 porque é um ano eleitoral e a questão previdenciária é tema difícil sob o ponto de vista político, mas o processo de criação de fundos previdenciários na base do PLC9 já terá início, sobretudo nos municípios maiores.

IIO PLC 9 pode ajudar a controlar o déficit da previdência?
FMR – Não tenho dúvidas. Os regimes próprios de previdência tentam se capitalizar, mas na verdade não deixam de enxugar o gelo, ou seja, por mais que se capitalizem, a questão previdenciária não está bem resolvida ou bem encaminhada nesses regimes atuais por conta do serviço passado que se traz, ou da regra da paridade para a inatividade, que não guarda relação financeira e atuarial com as contribuições. Temos enfrentado a questão da maneira que se pode, mas o encaminhamento para uma solução, para um avanço, passa pela aprovação do PLC nº 9.

II Em quanto tempo o sistema previdenciário alcançaria o equilíbrio?
FMR – O Ministério da Previdência não desenvolveu ainda um trabalho efetivo de levantamento de dados sobre isso, mas previdência é continuidade. Temos que trilhar o caminho da aprovação do PLC nº 9 e, num prazo de uma geração pelo menos de 20 anos a gente vai ter, se não resolvido, um sistema bem equacionado. Isso porque, a partir da criação dos novos fundos pelo PLC nº 9, o déficit pára de crescer e passa a ser administrado pelos regimes próprios de previdência, e em 20 anos essa administração estará equilibrada. São números, assim, prospectivos, sem nenhuma base científica.

IIMas temos fôlego para chegar lá?
FMR – Acho que sim. Serão momentos difíceis porque cada vez mais a previdência recolhe recursos tributários dos entes federados, por situações criadas que não podem ser rompidas. Os trabalhadores públicos pautaram suas vidas dentro de premissas da Constituição Federal, pelos governos federados, que não podem desonrar. Estamos no pico ou quase no pico dos gastos. Por outro lado, não temos tido crescimento da massa de servidores ativos a gerar muitos inativos a somar-se com os inativos atuais. Não se tem contratado muito servidor público nos últimos dez anos, apenas se tem reposto alguns contingentes em áreas da saúde, segurança pública e educação. Então, a situação crítica de hoje tende a melhorar. Volto a dizer, se não com uma posição mais prospectiva, que em 20 anos temos condições de saldar essas obrigações.

II De que forma o ICSS, ao lado da Abrapp, pretende interferir para a aprovação do PLC 9? Há alguma articulação nesse sentido?
FMR – A Abrapp e o ICSS acompanham de perto a tramitação do PLC 9, mas ele é uma iniciativa do governo. Nosso empenho está em demonstrar que sistemas fechados como o propugnado pelo PLC 9 não significam ameaça. Toda a nossa base de apoio se dá em cima da cultura alocada no sistema de previdência complementar, sobretudo junto ao ICSS.

IIA Lei de Responsabilidade Fiscal será suficiente para impedir que o dinheiro da previdência pública financie campanhas políticas?
FMR – Sou advogado e, portanto, tenho sempre uma posição muito conservadora. A Lei de Responsabilidade Fiscal, uma lei complementar, é bastante incisiva nesta proteção, mas essa proteção deveria ter base constitucional. Acho nossa Constituição bastante longa, detalhista e este seria um detalhe a mais, mas, a meu ver, muito importante porque, de um lado, trata da garantia da inatividade do trabalhador e, do outro, cuida do déficit público, que diz respeito a toda a sociedade. Temos aí dois bens muito importantes – um de interesse social e outro de interesse coletivo. A gente já evoluiu, porque não havia blindagem nenhuma e hoje há alguma blindagem em lei complementar, na Lei de Responsabilidade Fiscal, mas acho que poderíamos avançar mais no que diz respeito a uma blindagem desses recursos no nível constitucional.

IIAlgum outro instrumento é vital para impedir o uso do dinheiro da previdência pública?
FMR – A conscientização dos trabalhadores públicos para a questão previdenciária é muito importante. O trabalhador tem que saber que previdência é um patrimônio seu e deve cuidar para que esses recursos não sejam carreados para fins diversos. Nesse sentido, a lei federal que determina a participação obrigatória de segurados nos conselhos que tratam da previdência dos seus Estados e municípios é também um avanço muito grande. Não adianta construirmos dezenas de leis se essa defesa não está na cabeça dos destinatários desta proteção: os próprios trabalhadores públicos. A disseminação da questão previdenciária, o entendimento da questão previdenciária, o que é, para que servem esses recursos são questionamentos tão importantes quanto bloqueios de ordem jurídica.

IIComo o sr. está vendo a tributação do IR para os fundos?
FMR – Não temos no Brasil uma diretriz tributária de longo prazo para fundos de pensão. Já tivemos de 1977 para cá todas as posições possíveis, desde o entendimento pela imunidade plena e, agora, o Regime Especial de Tributação, criado por MP. Não há definição de rumos, de médio e longo prazos, e isso é muito ruim. O que se fez e o que se faz em matéria tributária ainda é muito pouco como diretriz de longo prazo. Acredito e sirvo como exemplos todos os países desenvolvidos de que a previdência tem que ter um sistema de incentivo mais expressivo do que a MP 2.222. Ainda vejo como tímida essa medida de incentivo fiscal e acho que a gente tem que discutir e apresentar razões de natureza estrutural para o País no sentido de ter o mesmo tratamento tributário dispensado na Inglaterra, nos Estados Unidos, enfim, nos tantos países em que se dedica incentivos tributários para a previdência capitalizada.

IIOs fundos de Estados e Municípios podem receber tratamento especial da Receita?
FMR – Não creio. Existem dois tipos de fundos previdenciários: os dos regimes próprios atuais, como Rio Previdência, Funprev (BA), em que a imunidade ocorre, não por serem fundos previdenciários, mas porque ou são autarquias ou são fundos financeiros do próprio Estado, do próprio ente federado e, portanto, por razões constitucionais, destinatários da imunidade intragovernamental; e os fundos novos a serem criados pelo PLC nº 9. Para estes, não vislumbro, a princípio, tratamento diferente dos fundos de pensão atuais, o que eu acho que é um incentivo parcial. Esse vetor de crescimento da previdência do servidor público a partir do PLC 9 colocará mais pessoas, mais entidades ao lado dos atuais fundos de pensão, propugnando por um tratamento mais benéfico para o setor.

IIQue tratamento tributário eles receberão?
FMR – Os fundos criados a partir do PLC 9 são fundos idênticos aos dos trabalhadores da iniciativa privada. Então, o fundo de pensão a ser criado com base no PLC 9 do Estado de SP será idêntico ao fundo de pensão de Furnas (Real Grandeza), será um fundo de natureza privada. Quanto a isso não tem dúvida e, portanto, com o mesmo tratamento tributário.

IIO crescimento da previdência complementar dependeria de mais profissionais formados? Como fazer isso?
FMR – Esta é uma das grandes tarefas do ICSS: despertar e traduzir todas as discussões importantes que levem ao conhecimento da questão previdenciária. Se olharmos a história, a previdência é muito recente no mundo. Os planos de previdência complementar datam do fim do século XIX, portanto, os fundos de pensão como a gente conhece no mundo inteiro tem pouco mais de cem anos e cem anos de conhecimento é muito pouco. Quando vamos para o exterior nos treinamentos do ICSS, lidamos com as pessoas que mais conhecem previdência e ainda assim estão estudando, discutindo, trabalhando a questão previdenciária. E o Brasil está mais atrás ainda, porque o marco legal é 1977, portanto, menos de trinta anos de previdência capitalizada no País. Então, há uma carência muito grande da discussão e da cultura previdenciária no nosso País. Há evidentemente profissionais de qualidade internacional, na área de gestão de risco, de gestão de recursos, na área jurídica, mas ainda temos muito o que caminhar. E essa trajetória é uma trajetória de desafio, sobretudo do ICSS.