Edição 351
A JGP é uma das gestoras nacionais mais envolvidas com a temática ESG, a ponto de ser a única brasileira num grupo de 33 gestoras globais a assinar na COP26, conferência do clima realizada no ano passado em Glasgow, na Escócia, uma carta comprometendo-se a não investir em cadeias produtivas de commodities que gerem desmatamento a partir de 2025. Neste ano, participando da COP27 de forma online, o head para temas ESG da JGP, José Pugas, acompanhou a participação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e analisa as posições expressas pelo futuro primeiro mandatário do País. Veja a seguir os principais da entrevista:
Investidor Institucional – Você está participando da COP27, no Egito?
José Pugas – Estamos participando, de forma híbrida, de toda discussão da COP27. A gente preferiu não ir e focar mais na Cop15, de biodiversidade, que acontecerá em dezembro em Montreal (Canadá), que vai falar mais de biodiversidade. Mas o mundo tem hoje uma necessidade de ter uma aposta contra desmatamento e uma postura forte em restauração.
O que o Brasil, com um novo governo eleito que foi muito bem recebido na conferência, pode esperar dos resultados da conferência do Egito?
Há, desde a COP26, um fortalecimento do papel do mercado financeiro como complementar às políticas climáticas globais, uma vez que o poder público não tem capacidade financeira para isso. Agora, na COP27, os governos foram muito transparentes em admitir que o poder público não tem dinheiro para fazer os investimentos necessários para a transição ecológica e que precisa da iniciativa privada, principalmente do mercado financeiro. O novo governo vai ter que aprender a dialogar com essa nova realidade, que não existia em 2003 a 2008.
Como, na sua opinião, o mercado financeiro pode participar desses novos projetos ambientais/climáticos?
O mercado financeiro entra como ator hiper relevante para gerar o volume necessário de capital de investimentos numa transição ecológica. Por ter uma economia mais complexa, mais competitiva, o Brasil vai ser mais beneficiado por modelos de financiamento mesmo, modelos de blended finance, do que por modelos simplesmente de filantropia.
Como seriam esses modelos de blended finance?
É um modelo de financiamento misto em que entram recursos filantrópicos, recursos a fundo perdido ou a taxas menores vindos de organismos internacionais e também capital comercial. Os recursos dos organismos internacionais entram para reduzir a exposição a risco, como numa dívida estruturada, onde as cotas subordinadas investidas por alguém que topa perder dinheiro reduzem a percepção de risco daqueles que não querem perder. Isso permite que esses últimos entrem com maior voracidade, em busca de um retorno maior. Esse tipo de estrutura pode beneficiar muito o Brasil, porque temos uma economia mais avançada, mais complexa.
Que projetos poderiam ser favorecidos por essas estruturas?
Vamos pegar a transição regenerativa da agricultura, são projetos que demandam um prazo de crédito maior, um volume de recursos maior e tem uma incerteza tecnológica envolvida. O capital de organismos internacionais pode ingressar e ser o capital paciente, que opera como first loss (primeira perda), para que o capital comercial entre nessa transição regenerativa. Tudo que envolve uso de solo é muito bem visto para blended finance. O setor energético também pode ser bastante beneficiado.
Em que segmentos?
Não para energias solar, eólica. A energia renovável já é considerada de grande penetração, comparada a outros países. A gente tem uma matriz mais limpa aqui, tanto que é praticamente impossível registrar projetos para energia renovável junto à entidades de registro de sequestro de carbono, porque já tem uma boa capilaridade dessas energias por aqui. Mas em projetos de risco de novas fronteiras tecnológicas de energia eu consigo ter o blended finance operando muito bem, como em lavoura/pecuária/energia, ou projetos para produção de oleaginosas de macaúba, mamonas, etc para substituição de petroquímica. Também em setores que emitem muito e tem dificuldade de reduzir por eficiência, como em combustíveis sustentáveis para aviação civil e hidrogênio verde para indústria siderúrgica, nós podemos ter blended finance atuando.
Parece ser um novo filão para o mercado financeiro.
O blended finance é adequado para condições que o Brasil tem muito, que é um mercado de capitais maduro, uma economia complexa e que demanda muito capital para ter essa transição ecológica. Isso pode ser grande atrator de capital para o Brasil, muito mais do que esperar capital filantrópico. O Fundo Amazônico é essencial, mas não pode ser o único arranjo.
A ênfase na preservação ambiental está muito centrada nisso. É errado?
O mercado mudou muito desde 2008, quando começou a discussão do Fundo Amazônico. A política ambiental do próximo governo precisa estar muito mais antenada nessas transformações, antenada nessas capacidades de se apoiar no mercado financeiro, no capital privado, para conseguir chegar mais rápido aos objetivos climáticos e ambientais.
Discussões sobre mecanismos de transferência para perdas e danos ocuparam o centro das divergências entre países ricos e pobres na COP27. Como o Brasil se insere nessa discussão?
Nós temos mecanismos que estão previstos desde a COP de Paris, mecanismos de transferência para perdas e danos, onde os países que mais promoveram o aquecimento global devem remunerar os países que mais estão sofrendo com as mudanças climáticas, os que menos contribuíram para o aquecimento, para que eles consigam se adaptar e ter resiliência. Este dispositivo, ainda que previsto, e teve muita promessa de injeção de capital na COP26 em Glasgow, nunca foi de fato executada. O dinheiro nunca foi posto de fato para esta questão. Mas a gente tem que ver que nesse mecanismo de transferência, os países que serão mais favorecidos serão os países de formações insulares do Pacífico, os países africanos, e não o Brasil. O Brasil não está na prioridade.
O presidente eleito Lula defendeu na COP27 a combinação de uma política de preservação ambiental e de superação da fome, colocando o agro-negócio como parceiro estratégico. Qual é a tua visão, como representante de uma empresa financeira, sobre isso?
Nosso papel é gerar valor no longo prazo para todos os stakeholders, inclusive para os acionistas, mas não somente. É impossível ter uma economia saudável sem uma sociedade justa e inclusiva. Quando Lula comentou que a superação dos problemas ambientais passa pela superação da pobreza, foi corretíssimo. Preservar e produzir é o único binômio que consegue andar junto de forma a ser justa, inclusiva e regenerativa. Tanto que o que ele mencionou agrofloresta, não foi nem boi, nem soja, nem milho. O que a gente tem é necessidade de uma economia do agronegócio mais diversa, não podemos ficar só focados nas commodities nas quais nos especializamos. Precisamos pensar além, em produtos florestais não madeireiros, em produtos que dependem da floresta de pé. Eu não tenho como produzir açaí, cacau, macaúba, babaçu, que são produtos com demanda internacional, sem ter a floresta de pé.
Os setores mais tradicionais do agronegócio estão preparados para isso?
Na verdade, teve uma mudança grande recentemente. A nova legislação européia agora proíbe importação de produtos vindos de desmatamento, seja legal ou ilegal. Eu não tenho como produzir nem mesmo as commodities tradicionais como soja, milho, boi, essas sete commodities listadas na União Europeia, se elas forem oriundas de desmatamento. E foi aprovada para valer retroativamente, desde 2019, não é daqui para a frente. Então, o agronegócio depende da preservação e a preservação depende do agronegócio.
Quer dizer, com isso o novo governo pode conseguir o agro como aliado?
Veja, o desmatamento não gerou riqueza para ninguém, só subtraiu. Mas a restauração e a preservação florestal também não podem retirar o potencial de riqueza local, tem que agregar. Quando a gente fala em ajustes agro-florestais, integração da flora-pecuária-floresta, arranjos de extrativismo inclusivo, a gente está falando de geração de riqueza local a partir da restauração e da conservação. Então não pode ter oposição, mas sim sinergia.
Outro ponto que o Lula enfatizou na Cop 27 foi em relação à recuperação de solos degradados. Qual sua visão?
O que ele falou está certo, não precisamos desmatar mais um centímetro sequer para aumentar nossa capacidade de produção. A gente só precisa ser mais eficiente no uso do solo. Temos 25% dos solos brasileiros degradados, que não fornecem nada para ninguém, e outros tantos por cento que são pastagens sub-ocupadas, com um boi e meio para cada 2 hectares. Não faz sentido eu tirar um bocado de floresta para pôr 1 boi e meio, precisamos ser mais eficientes na nossa agro-pecuária, produzir mais com menos. Produzir mais renda, mais alimento, mais receita para a população local e para as cadeiras produtivas e, obviamente, para o Estado.
Através dos blended finance?
O blended finance é um dos caminhos, mas não é o único. Hoje, globalmente, a cadeia do agronegócio e uso de solo tem uma emissão anual de 12,5 gigatons (gigatonelas) de CO2. A gente tem não só como reverter essas emissões mas também como sequestrar outros 10 gigatons através do setor de alimentos. Ou seja, 80% de toda a mudança está no setor alimentício, no qual o Brasil se especializou. Se eu divido entre proteção, restauração e gestão de solo, que é agrofloresta com blended finance, é na gestão do uso de solo que eu tenho mais capacidade de geração de capital e o resultado mais rápido. Então, o blended finance é essencial, mas não só ele, pois setores globais falando que não compram mais commodities oriundas de desmatamento também contribuem.
A fala do presidente eleito Lula criticando a ênfase exagerada do mercado financeiro na questão fiscal gerou turbulências no mercado na semana passada. Como vê isso?
Os projetos de superação da pobreza e combate à fome, assim como combate à fome e superação do desmatamento, precisam de recursos do mercado financeiro. E quem faz os investimentos, por mais protegido que esteja com esses recursos filantrópicos e concessionais (de organismos internacionais), ele também está exposto ao mercado. A gente tem a necessidade de um alinhamento de capital natural, capital cultural, capital social e capital financeiro. Quando eu uno esses 4 capital, com sinergia, eu tenho um projeto sustentável de economia, mas para isso estabilidade fiscal é um aspecto imprescindível.
O governo eleito vai conseguir atrair o apoio do setor agro?
As lideranças do agronegócio de exportação são muito mais vulneráveis às legislações internacionais. Veja por exemplo o setor de proteína animal, carne de boi. As três grandes desse setor (Minerva, Marfrig, JBS) têm 28% do mercado doméstico mas mais de 70% das suas receitas vêm do mercado internacional. Já a quantidade de frigoríficos com CIF, com autorização e selo de inspeção federal, são mais de mil. Então, se essas três grandes começam a aplicar a rastreabilidade na sua cadeia de produtores domésticos para salvar sua capacidade de exportação, a possibilidade desses produtores irem para um desses mil concorrentes é muito grande. Então, uma regulação nacional obrigando a rastreabilidade, obrigando o combate ao desmatamento, seria muito positivo para esses grandes frigoríficos porque eles mantém a competitividade internacional nivelando a concorrência no mercado nacional. Então, eu acredito que o setor agro-exportador é muito beneficiado por essa estrutura de uma regulação mais veemente.
Inclusive essas restrições a desmatamento não vêm apenas da União Europeia, mas também de outras regiões.
Exatamente, temos proibição de importação de produtos oriundos de desmatamento também no Reino Unido, e agora na COP27 tivemos a assinatura de acordo bilateral de combate ao desmatamento assinado por Estados Unidos e China. A China é nosso primeiro mercado, a União Europeia o segundo, então não dá para a gente ficar indiferente a essas regulações.
Além disso, tem um número crescente de grandes assets colocando em suas políticas de investimento que vão sair das cadeias produtivas que geram desmatamento. Qual o peso disso?
Um documento assinado na COP26 por 33 gestoras globais, inclusive a JGP que é a única brasileira, comprometendo-se a não investir em cadeias produtivas de commodities que gerem desmatamento a partir de 2025, representará 8,7 trilhões de dólares a menos no bolso destas empresas. Além disso, o acordo Iniciativa das Asset Manager para Carbono Zero, assinado por 73 instituições, também tira algumas dezenas de trilhões de dólares em investimentos das empresas que desmatam. Essa diminuição de acesso a mercado de capitais e a mercados comerciais é muito ruim para uma economia que depende da exportação de commodities como o Brasil.
Como a JGP pretende se inserir em termos de produtos, financiamentos de setores e também captação de recursos nesse cenário de mudanças de paradigmas ambientais e ecológicos?
A COP26 foi uma situação muito emblemática para a gente, ficamos dois anos na empresa pensando como é que a gente podia sofisticar a nossa cultura e os nossos processos. Temos estruturado cada vez mais operações de dívidas, e também de equity, de empresas com eficiência atestada. Por exemplo, nós fomos investidores âncora nessas últimas três semanas de duas operações super características, o Tobasa foi o primeiro CRA de extrativismo sustentável de produtos não madeireiros, e a gente também foi investidor âncora da Oakberry, de produção sustentável de açaí. Este ano a gente também foi investidor na Fazenda da Toca, de produtos orgânicos, e da empresa Urbem, de madeira engenheirada em substituição ao concreto em construções de edifícios. A gente também criou o FDIC Compas, que é uma operação de transição energética.
Quais são os próximos passos?
A gente vai ter um trabalho de sofisticação ainda maior dos fundos que já existem na casa, como fundos de crédito ESG, fundos ESG de equity, e também vamos entrar em novos níveis de blended finance e outros níveis de investimentos ativistas. A gente teve sempre Stuartship, mas agora a gente está indo para um outro patamar, que é Active Ownership, no qual a gente assume uma postura de propriedade ativa, de fato, das ações. Vamos apoiar as empresas a acelerar suas transições para patamares zero de conversão, de zero desmatamento, de eficiência de baixo carbono. É um ativismo à brasileira.
Você é otimista que o mercado brasileiro vai aderir a essa nova economia climática, essa nova economia verde?
Eu não tenho como ser pessimista. É como perguntar se a Arábia Saudita vai conseguir performar bem numa economia baseada em combustíveis fósseis. Está dentro da vocação deles e é o único destino possível. A vocação e o único destino possível para a economia brasileira é estar de acordo com esses novos padrões de economia verde. Se a gente vê esse acordo firmado entre Brasil, Indonésia e Congo, cujos termos ainda vão ser discutidos, o Brasil tem mais de 50% das florestas tropicais do planeta. Os três países reunidos têm a maior capacidade de geração de crédito de carbono para mercado voluntário, por exemplo. Eu não tenho como discutir um mundo net zero se eu não discutir Brasil, Indonésia e Congo net zero. Então nunca estivemos numa posição tão favorável como estamos agora.