Capital x Trabalhadores | Especialista da mais importante federaç...

Edição 109

Joel Solomon, da AFL-CIO

Crescem no País os debates sobre a importância de envolver mais os trabalhadores nas questões que dizem respeito ao sistema de fundos de previdência complementar. Para falar sobre a relação entre capital e trabalho e como os fundos de pensão nos Estados Unidos desenvolvem suas políticas de investimento, Investidor Institucional ouviu Joel Solomon, diretor adjunto do Center for Working Capital, da AFL-CIO, uma organização independente e sem fins lucrativos que promove a disseminação e o intercâmbio de informação e materiais sobre a relação entre investimento de fundos de pensão e trabalhadores, famílias, comunidade e economias. “No que diz respeito à criação de fundos patrocinados por sindicatos de trabalhadores é imprescindível que os interesses das patrocinadoras e dos trabalhadores sejam coincidentes, talvez com a necessidade de se criar políticas para viabilizar esse encontro de interesses”, diz.

Investidor InstitucionalQual o papel dos fundos de instituidores, ou patrocinados por sindicatos, nos Estados Unidos?
Joel Solomon – Os chamados ‘labor management’, ou fundos de sindicatos, começaram a ser criados em 1940, quando se permitiu que os empregadores participassem em conjunto desses fundos. As negociações desses institutos acontecem por meio de acordos coletivos, sendo que um deles prevê que 50% dos dirigentes devem vir de sindicatos e 50% devem ser indicados pelas empresas.
Esse tipo de fundo reúne, hoje, cerca de US$ 400 bilhões. Mas, em um contexto geral, é o que menos participantes tem nos Estados Unidos. Se comparado aos fundos dos funcionários públicos, que detêm US$ 2,5 trilhões, ou ainda aos planos corporativos, com um montante de US$ 3,4 trilhões, percebe-se a grande diferença. Mas, vistos como um complemento à previdência do governo, esses planos desempenham um papel importantíssimo nos EUA.

IIA AFL-CIO tem participação direta em todos os fundos de pensão privados?
JS – A AFL-CIO é uma federação de sindicatos e não traça política para nenhum tipo de fundo de pensão. Mas eu trabalho para o Center for Working Capital, de Washington, e lá, sim, lá nós criamos diretrizes para esses fundos. Trabalhamos diretamente com os dirigentes das entidades, oferecendo-lhes programas de educação e capacitação profissional. É importante que esses dirigentes entendam o poder que têm, a sua importância, ao desenvolver o dever fiduciário. Eles, então, podem pensar as políticas adotadas pelos fundos.
Apesar de não exercer um papel de maior influência sobre os fundos, a AFL-CIO tem muito interesse nas questões de pensões, seguridade social e especificamente em como a administração e as decisões financeiras desses fundos podem afetar as vidas de trabalhadores, que têm o seu capital lá investido. Nesse sentido, nossa federação assume um papel de liderança.

IIComo funcionam, nos EUA, os fundos patrocinados por sindicatos?
JS – Existe, nos Estados Unidos, um arcabouço jurídico muito bem definido, que regulamenta a gestão dos fundos de pensão privados. Para os fundos de sindicatos, criados por uma negociação coletiva, não foram tecidas tantas regras. Tanto que é normal alguém participar da negociação de um acordo coletivo e também fazer parte do conselho de dirigentes. Apesar de permitir esse acúmulo de funções, a estrutura jurídica dos fundos de instituidores define muito claramente os papéis dessa pessoa, tanto na função de negociadora dos sindicatos quanto na de dirigente. São papéis totalmente diferentes, e totalmente definidos.

IIQue regras se mostraram impróprias, inadequadas, e com o tempo vêm sendo ajustadas?
JS – Eu diria que hoje temos uma melhor compreensão, no contexto jurídico, do dever legal do dirigente de servir aos interesses dos participantes. Isso inclui todas as funções relacionadas a encontrar os melhores investimentos, mas não exclui questões sociais e aquilo que denominamos ‘investimentos com fins econômicos’. O conceito desse investimento é que, dependendo do risco, com a mesma taxa de retorno de outros investimentos de mercado eles trazem ‘efeitos colaterais benéficos’. Não temos lá essa definição que vocês têm no Brasil, de ‘investimento socialmente responsável’.
Além dessa prática, já foram constatados os benefícios do proxy voting, ou voto por procuração. O Ministério do Trabalho dos Estados Unidos, órgão que analisa todas as práticas dos fundos de pensão, publicou recentemente diversas análises que mostraram que esse voto, que permite aos dirigentes se pronunciarem nas assembléias, pode ser considerado como um dos ativos do fundo, um patrimônio.

II Como a tragédia do dia 11 de setembro afetou a vida dos fundos de pensão nos Estados Unidos?
JS – Os ataques terroristas causaram um profundo impacto nos fundos locais. Trabalhadores participantes de planos previdenciários perderam seus empregos e a economia norte-americana foi seriamente abalada. Depois daquele dia, os fundos de pensão norte-americanos se reuniram para investir na reconstrução de Nova York – primeiro porque queriam ter boas oportunidades de investimento, com bons retornos, mas também pelo intuito de beneficiar a sociedade como um todo. Há, ainda, outras iniciativas no mesmo sentido e que não estão vinculadas às decorrentes do dia 11 de setembro, como, por exemplo, a preocupação com a questão da habitação a um preço acessível à maioria, vinda de um grupo de dirigentes de Nova York.

IIComo os fundos de instituidores são fiscalizados nos Estados Unidos?
JS – Não existe nenhuma fiscalização direta sobre esses fundos. Porém, há sistemas de fiscalização indireta, por meio da eleição dos representantes que passam a fazer parte desses fundos.

IIComo o sr. vê a questão da migração de planos de Benefício Definido para planos de Contribuição Definida nos EUA?
JS – Na verdade, o percentual de fundos norte-americanos que se utilizam do sistema de Contribuição Definida em relação aos planos de Benefício Definido aumentou bastante nos últimos anos. Mas o número dos planos BD continua relativamente estável. O que acontece é que as empresas têm criado planos suplementares, de complementação, no formato de CD, e é por isso que se verificou um aumento relativo em comparação aos de BD. Mas não se pode dizer que não houve migrações.
É importante enfatizar, também, que aconteceram mudanças importantes mesmo dentro dos planos BD. E é aí que entra a criação dos planos cash balance, no qual o empregado tem um teto máximo e mínimo de aposentadoria. Se a contribuição que pagou ao fundo foi bem investida, teve uma boa rentabilidade e ultrapassou o teto, então o excedente vai para a patrocinadora. Mas, caso não tenha rendido muito, e as contribuições não ficaram aquém da meta, então a patrocinadora banca o montante que falta. Nesse caso, o cálculo não é feito com base no tempo de serviço, e já existe até mesmo uma taxa de juros predefinida.

IIOs fundos norte-americanos foram os grandes responsáveis por limitar os salários dos altos executivos, que além de um fixo recebiam bônus, participações em ações etc. Como o sr. vê isso?
JS – Nossos fundos de pensão estão preocupados com a remuneração dos altos executivos e já há muito desvincularam o desempenho das empresas da remuneração mensal desses dirigentes. E essa tem sido uma das questões básicas que os fundos de pensão analisam na hora de abordar uma empresa. E, por ter uma visão de investimentos de longo prazo, as fundações procuram companhias que compartilhem dessa mesma visão de longo prazo. A desvinculação do salário dos executivos do desempenho empresarial já é uma forma de fazer isso.

IINo final do ano passado, US$ 791 bilhões de poupança de aposentadoria dos trabalhadores norte-americanos estavam investidos fora dos Estados Unidos. O que os fundos de pensão locais levam em conta na hora de alocarem investimento aos países emergentes?
JS – Instituições financeiras internacionais vêm trabalhando cada vez mais no sentido de promover a observância das leis, concentrando atenções no fortalecimento das regras contábeis e na divulgação das informações, componente importante para a transparência do negócio nos países em desenvolvimento. Embora haja um consenso sobre um conjunto de padrões trabalhistas fundamentais, os tomadores de decisão de investimentos raramente incluíam em suas pautas a promoção aos direitos trabalhistas. Isso está mudando. Fundos de pensão do mundo inteiro começam a adotar diretrizes que incluem critérios não tradicionais para os investimentos.

II Poderia citar alguns exemplos?
JS – Já há vários. O maior fundo de pensão dos Estados Unidos, o CalPERS (dos funcionários públicos da Califórnia), com US$ 160 bilhões em ativos, inovou em novembro de 2000 ao adotar critérios para investir que incluem estabilidade política do país, transparência e respeito pelas normas trabalhistas fundamentais, identificadas pela Organização Internacional do Trabalho, OIT. Em junho último, o Nycers (Fundo de pensão New York City Employee’s Retirement System), com US$ 38 bilhões em ativos, decidiu realizar um investimento inicial sob a condição de que o país seguisse algumas diretrizes. E, entre essas, incluiu transparência, proteções ao investidor, conduta corporativa, estado de direito e independência do judiciário, além da existência e aplicação de proteções de saúde e segurança ao trabalhador, bem como estatutos trabalhistas e ambientais. Esses dois fundos decidiram que, em vez de restringir ou retirar seus investimentos de países que estão fora desses princípios, buscarão melhorar o desempenho das empresas nas quais investem através da ação dos seus gestores de investimentos.

II Quer dizer, essa política em relação aos países emergentes não os penaliza?
JS – Longe de representarem uma ameaça a fluxos de investimentos privados aos países emergentes essas políticas podem até estimular um aumento no fluxo de investimentos, pois com elas os investidores contam com novos métodos para melhorar a sua exposição aos riscos. Tanto que a política da Nycers permitirá que novos recursos, superiores a US$ 1 bilhão, sejam investidos em países emergentes. Na Holanda e Suécia, os fundos de pensão também têm adotado diretrizes de investimentos não tradicionais.

II Quais são os principais desafios que os fundos patrocinados por sindicatos de trabalhadores devem enfrentar daqui para frente?
JS – É imprescindível que os interesses das patrocinadoras e dos trabalhadores sejam coincidentes. Talvez seja necessária a criação de políticas para viabilizar esse encontro de interesses e também garantir que as mudanças da estrutura geral dos sistemas de aposentadoria não causem um impacto negativo na aposentadoria dos trabalhadores.

IIO sr. falou sobre a necessidade de intensificação do diálogo, do intercâmbio entre os fundos de pensão norte-americanos e brasileiros. Como poderia se dar essa conversação?
JS – Hoje está muito claro que os fundos de pensão privados têm os mesmos desafios, independentemente dos países em que se encontram. Acredito que os fundos dos Estados Unidos têm muito o que aprender com os fundos do Brasil, e espero igualmente que nossos fundos também tenham algo a acrescentar para o desenvolvimento de um sistema brasileiro de previdência complementar mais saudável e mais equilibrado.