Edição 256
Quem conhece um pouco do perfil de José Ribeiro Pena Neto, novo presidente da Abrapp, logo percebe que, como bom mineiro, é um sujeito que mais escuta do que fala. Diretor de um dos maiores fundos de pensão do país, a Forluz, de Minas Gerais, ele desempenhou papel central para evitar uma divisão no sistema associativo dos fundos de pensão. Ele e seus pares mais próximos conseguiram não apenas evitar a saída das grandes fundações, Previ, Petros e Funcef, que ameaçavam deixar a Abrapp, como também ajudaram a levar para o sistema os novos fundos de pensão dos servidores.
José Ribeiro foi figura chave nas negociações com as grandes fundações que culminaram na formação de uma composição mais representativa para a diretoria e conselhos da entidade. Na primeira reunião do conselho da Abrapp, realizada no final de janeiro em São Paulo, estavam presentes figuras de peso como Ricardo Pena, atual presidente do Funpresp-Exe, e Carlos Flory, presidente do SP-Prevcom (ler matéria na pág. 24).
Confira entrevista exclusiva concedida à Investidor Institucional em que fala dos planos e desafios para a nova gestão:
Investidor Institucional – Quais as prioridades na próxima gestão e linhas de atuação que vocês vão defender para o sistema complementar fechado?
José Ribeiro Pena Neto – O primeiro ponto é a questão da sobrevivência do sistema. Temos falado muito nos últimos tempos sobre fomento, de crescer o sistema. Isso é importante, também está no nosso radar, mas precisamos cuidar de manter o que já está aí. Há algumas ameaças à previdência complementar, e precisamos cuidar disso para dar o segundo passo, que é o fomento.
II – Quais são as principais ameaças ou desafios nesse momento, ou para esse próximo período, para o sistema de fundos de pensão?
JN – A primeira é o ambiente econômico que estamos vivendo. Fatos recentes são muito interessantes. Nos sentimos desafiado por um cenário de queda de juros. Tivemos que começar a conviver com um sistema o qual não estávamos acostumados. Os fundos de pensão e a economia brasileira conviveram nos últimos tempos sempre com juros altos. Então tínhamos “facilidade” de ter altas rentabilidades com risco relativamente baixo. A queda sistemática nos juros “forçou” os fundos de pensão a buscarem alternativas de investimento, que tinham um pouco mais de risco, para poder alcançar nossas metas. E na hora que estávamos nos acostumando a isso, começando a ser desafiados, tivemos esse ano de 2013, que é um ano que todos nós queremos esquecer.
II – Como você avalia os resultados de 2013?
JN – O ano foi péssimo. Do lado renda variável, a bolsa se comportou mal. Acredito que as entidades que conseguiram, na sua carteira de renda variável, uma rentabilidade negativa, mas superior ao Ibovespa, estão se dando por satisfeitas. E na parte de renda fixa, houve uma volatilidade que nunca tivemos. Começamos o ano com as NTN-Bs de longo prazo com taxas reais menores que 4% ao ano. Mas, no final do ano, nós tivemos NTN-Bs pagando mais que 6,5%. Então isso é uma coisa que o nosso participante começou a questionar, a rentabilidade negativa em renda fixa.
II – Como os participantes estão reagindo?
JN – É uma coisa difícil de explicar. Temos certeza que os fundos de pensão, na sua grande maioria, têm uma situação de longo prazo equilibrada, mas no curto prazo tem sido complicado. Isso se soma à regulação. Temos essa regra, que acima de 10% de déficit você deve tomar medidas imediatas para equacionar.
II – Com relação a essa regulação, existe uma proposta da Abrapp para aumentar esse nível de déficit para 15%. Esse será um dos focos já no início da nova gestão?
JN – Há um pleito da Abrapp hoje, que nós continuaremos fazendo. Estamos tendo uma receptividade boa, mas o tema ainda não foi debatido, discutido e deliberado no CNPC [Conselho Nacional de Previdência Complementar]. É importante deixar claro que a Abrapp nunca defendeu a existência de planos desequilibrados. O que defendemos na época em que havia superávits significativos nos planos, e continuamos defendendo no momento em que apareceram alguns déficits, é que não se tomem medidas de curto prazo para resolver problemas de longo prazo.
II – Mas e a ampliação do prazo para equacionamento dos déficits, que o CNPC decidiu ampliar para mais 12 meses? Isso não resolve?
JN – Deu um refresco, mas não resolveu. Achamos que é necessário, além disso, pelo menos como uma medida temporária, que se amplie essa faixa para o déficit. É isso que pleiteamos, que seja aumentado de 10% para 15%.
II – Existe alguma outra ameaça, algum desafio no início da sua gestão?
JN – Há outro ponto que teremos que monitorar com cuidado. Foi feito um escalonamento para as taxas de desconto do passivo, chamadas metas atuariais, que caem até 4,5% ao ano em 2018. Isso foi feito em 2012 em um cenário nítido de queda de taxa de juros, que foi completamente revertido em 2013. Não sabemos o que vai acontecer em 2014. Esperamos que se retome essa tendência de queda, mas os sinais recentes na economia não são esses. Teremos que monitorar isso de perto, ou corremos o risco de ter que avaliar o nosso passivo com taxas absolutamente irreais.
II – Vocês devem rever essa questão das taxas atuariais?
JN – Com certeza. A expectativa dos agentes da economia é que isso não se reverta em 2014. Esperamos que não seja tão difícil quanto 2013, mas não há uma expectativa de uma reversão no quadro. Então teremos que cuidar disso, com certeza.
II – O que você acha que pode mudar na Abrapp com a sua gestão? Adotará uma linha mais conciliadora ou um estilo mais de ação e de pressão sobre os órgãos reguladores ou governo?
JN – O nosso compromisso é com as associadas, que achamos que não é muito diferente do compromisso que o [José de Sousa] Mendonça tinha, de ouvi-las e entender que o nosso sistema é muito diverso. Ele é heterogêneo, não dá para tratar uma entidade de grande porte, como Previ, Funcef ou Petros, da mesma maneira que tratamos uma pequena entidade. É preciso entender também as diferenças entre um patrocínio estatal e um patrocínio privado, entre o multipatrocinado e o monopatrocinado. Estaremos sempre atentos a isso.
II – A conciliação e a unidade foi uma das prioridades ainda no momento de formação da chapa para a eleição no final do ano passado?
JN – Sim, nossa proposta é de conciliação, tanto é que foi assim que formamos a chapa única. A maior ameaça que o sistema de previdência complementar fechado pode ter é uma quebra, uma desunião, um racha entre entidades. Foi isso que tentamos evitar quando montamos a nossa chapa, e é esse o nosso compromisso durante o mandato.
II – Como foi possível evitar que as grandes fundações deixassem a Abrapp? Como elas ameaçaram a saída?
JN – O processo foi simples, de conversar e ouvir as demandas. De um modo geral, o apelo que nos foi feito é que essas grandes entidades e mais um grupo de entidades que está ligado a elas fossem sempre ouvidas nos processos da Abrapp. Não eram queixas em relação à ação da Abrapp. Há um reconhecimento da importância da associação no passado e em vários momentos importantes e difíceis do sistema de previdência complementar. Mas havia uma queixa de falta de participação dessas grandes fundações em determinados momentos. Nosso compromisso com elas foi de, primeiro, sinalizar que estávamos abertos. Então, houve o pleito para que indicassem um vice-presidente, que acabou sendo o [Carlos Alberto] Caser, que é um grande nome do sistema, e ligado a uma grande entidade [Funcef].
II – Como foram as conversas que chegaram a essa chapa? O que significa a figura do Caser na vice-presidência?
JN – Nos foi pedido que a vice-presidência ficasse com uma das três entidades. E elas optaram por indicar o Caser, que foi muito bem recebido por nós. É uma pessoa conhecida, competente, que está no sistema há muito tempo, e um batalhador pelo sistema. Em paralelo a isso, foram apresentados alguns pontos que eles pediam que fossem considerados e incluídos no nosso programa de trabalho. Todos eles foram aceitos, acho que a grande maioria já era compromisso nosso, e o que não era, nós incluímos.
II – Essa conversa envolveu o papel do conselho deliberativo?
JN – Sim, nos comprometemos também a fazer com que o conselho deliberativo exerça, efetivamente, o papel de órgão máximo da Abrapp. Todas as correntes diversas que temos na Abrapp devem ser representadas nesse conselho. Temos um compromisso de envolvimento do conselho deliberativo na gestão da Abrapp, para que ele cumpra o papel estatutário que tem. O ponto que talvez tenha sido crucial na insatisfação das três grandes fundações em determinado momento foi o da representatividade das entidades no conselho da Abrapp.
II – E de que forma seria isso? O papel do conselho será revisto, priorizado como órgão deliberativo? Como enxerga a relação entre conselho e diretoria?
JN – Do ponto de vista normativo e estatutário, não se pretende fazer nenhuma mudança no estatuto da Abrapp em relação a atuação do conselho. Quer dizer, o conselho, pelo estatuto da Abrapp, é o órgão máximo e tem as atribuições que garantem a ele esse status. O que a gente propôs, e o que nos foi pedido, é que exista um debate maior com o conselho, talvez com a criação de comissões temáticas. Obviamente não cabe a nós, diretoria, indicar a melhor maneira, mas estaremos empenhados a fazer com que o conselho participe e dê um feedback para a diretoria nas grandes questões.
II – Um ponto de conflito no ano passado foi os investimentos em infraestrutura. As grandes fundações reivindicavam que a Abrapp tivesse uma postura mais ativa. Isso também vai mudar?
JN – Essa questão não surgiu nas conversas de formação da chapa. Acredito que, nesse ponto específico, não cabe à Abrapp interferir na gestão das entidades associadas. O que a Abrapp sempre fez, e continuará fazendo, é ser o fórum técnico para discussão. Criamos os canais, seja através da comissão técnica ou através de fóruns e seminários específicos, para que se discuta investimentos no exterior. Infraestrutura também já foi e certamente continuará sendo tema de eventos na Abrapp, da comissão técnica de investimento e outros fóruns que temos.
II – Mas há algum exemplo?
JN – Há um ponto fundamental, que já estava no nosso radar e depois dessas conversas com certeza voltou a discussão, que é o fato de 2014 ser um ano de eleição. Faremos uma aproximação da Abrapp com os possíveis candidatos para motivá-los, sensibilizá-los a priorizar realmente a previdência complementar. Em 2002, conseguimos isso, o candidato eleito foi o Lula e ele tinha entre as suas prioridades a previdência complementar. Tanto é que houve uma reviravolta grande na estrutura de governo na previdência complementar, que foi a época que chegou Adacir Reis na secretaria dessa área, e esperamos que os candidatos de 2014 também dêem essa prioridade para a previdência complementar.
II – Qual será o posicionamento da Abrapp em relação à Previc?
JN – A Abrapp sempre procurou manter um diálogo com os órgãos de governo. Hoje, eu diria que esse relacionamento é excelente, tanto com a Previc quanto com a SPPC e com o próprio ministério. O que pleiteamos para a Previc, especificamente, é a questão da burocracia. Ainda precisamos desburocratizar um pouco o trâmite das questões regulares dos fundos de pensão, seja na questão de alterações de regulamento, seja criação de planos, seja criação de entidades. Isso precisa ser agilizado lá dentro para tirar algumas amarras que emperram o crescimento do sistema.
II – A Previc deveria mudar algum aspecto de sua organização?
JN – Há outro ponto relativo à Previc, não com o órgão exatamente, mas com o governo. Defendemos que a Previc precisa realmente se transformar em um órgão de estado e não de governo. Quando surgiu o projeto da Previc, a ideia era que os dirigentes tivessem um mandato. Infelizmente, quando houve a aprovação, isso foi tirado do projeto.
II – Mas seria no molde de uma agência reguladora, ou não necessariamente?
JN – Não necessariamente. Na forma como a Previc está estruturada, mudou-se o ministro, mudou-se o governo, e ninguém pode chegar lá e falar “vou tirar o fulano e colocar o sicrano”, ou se “fulano” tomar uma decisão que não agrade ao governo, troca-se essa pessoa. Pode continuar como uma superintendência vinculada ao Ministério da Previdência, mas as pessoas que estão lá precisam ter mandato.