Edição 251
Por mais que o governo queime as reservas internacionais, a alta do dólar continua pressionando. Chega agora ao Planalto a conta por ter, em épocas de abundância de liquidez, “maltratado” o capital estrangeiro. Essa é a opinião do economista Alexandre Schwartsman, conhecido por suas fortes crenças e críticas.
Schwartsman foi diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC) e membro votante do Copom, de novembro de 2003 a abril de 2006, e economista-chefe para o Brasil do Banco Santander de maio de 2008 até março de 2011, após passagem como economista-chefe para América Latina do Banco Real ABN AMRO. Doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), e sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica, o economista ainda é professor do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa.
O erro de prognóstico em relação ao problema econômico brasileiro realizado pelas autoridades competentes em um passado recente, que tem gerado uma série de medidas de controle de preços, que soam com ares de improviso aos ouvidos dos agentes de mercado, é um dos pontos abordados por Schwartsman nessa entrevista exclusiva à Investidor Institucional. Confira a seguir a entrevista na íntegra:
Investidor Institucional – Além da redução dos estímulos por parte do Federal Reserve (Fed), quais outras razões para a alta do dólar em 2013?
Alexandre Schwartsman – A alta do dólar tem sido mais intensa no Brasil do que em outros lugares por duas razões. Uma é que a economia do país não está bem como um todo. O crescimento é baixo, e isso reduz a atratividade do país como destino de investimentos. A outra razão é que acredito que o país tem maltratado o capital internacional. No período de abundância, o Brasil deixou claro, por meio das suas políticas, que o capital estrangeiro não era bem-vindo. Agora estão fazendo regras para incentivar o ingresso, mas no primeiro sinal que mudar o ambiente internacional vão fazer regras para dificultar o ingresso de novo. O Brasil tem apresentado um histórico ruim no tratamento destinado ao capital estrangeiro.
II – Não devemos voltar a ter o real mais forte no curto e médio prazo?
AS – Tenho a impressão que não, principalmente porque os sinais são de uma recuperação mais firme da economia americana. Olhando para o conjunto de informações que temos disponíveis, mesmo com cenário do ajuste fiscal compulsório que tiveram de fazer, a economia se manteve crescendo, mesmo remando contra a maré. Parece estar se consolidando o cenário que o Fed estava projetando, no qual a economia recupera, e a autoridade pode tirar o pé do acelerador monetário, o que significa alguns movimentos de fortalecimento do dólar. Percebemos os mercados reagindo em antecipação. Ninguém vai esperar para o momento em que o Federal Reserve anunciar o fim dos estímulos. Todos vão tentar antecipar isso. É um cenário no qual o dólar tende a se fortalecer globalmente.
II – Qual sua projeção para o dólar ao final de 2013?
AS – Alguma coisa perto de R$ 2,40.
II – Até por conta da antecipação que o mercado costuma fazer, quando o Fed realmente começar a tirar os estímulos, o impacto pode ser suavizado?
AS – Acredito que sim, porque em alguma medida já está no preço. Sempre tem o primeiro momento de algum ajuste quando as coisas vão ficar mais claras, mas já está de maneira geral trabalhando no sentido de fortalecer o dólar.
II – Qual o ponto de equilíbrio para o dólar de maneira que não prejudique nem importadores nem exportadores?
AS – O equilíbrio da taxa de câmbio é o balanço de pagamentos. Esse é o papel da taxa de câmbio, não é fazer outra coisa, não é resolver nossas ineficiências. O câmbio de equilíbrio não é uma variável gravada em pedra com letras de fogo. Se o preço das commodities subiu, o câmbio de equilíbrio é mais forte. Se o dólar está globalmente mais forte, então o câmbio de equilíbrio é mais fraco e vice-versa. São essas as variáveis que determinam.
II – Dentro do mercado de capitais, temos como traçar uma linha clara de quem ganha e quem perde com esse movimento?
AS – Não. Setores ligados à exportação seriam ganhadores, mas isso é muito geral. Vai depender se a empresa já fez o hedge, se não fez o hedge, se fez em excesso. Não dá para adotar o lema ‘one size fits all’. Obviamente setores exportadores tendem a ganhar mais, mas não vai poupar o analista do trabalho de ter que olhar o balanço de cada uma das empresas e ver como elas estão. Elas ganham mais na exportação, mas precisa ver como está o endividamento delas, se é em reais, em dólares, se está ou não hedgeada, se já vendeu em um câmbio mais baixo ou deixou para vender agora. Tem todas essas considerações que tem que ser feitas, não há como conseguir uma resposta geral para todas essas questões olhando só para a taxa de câmbio no momento.
II – O governo dispõe de instrumentos para combater a alta do dólar?
AS – Não, porque o grosso disso acontece lá fora. Tem o caminhão de reservas, mas não vai resolver, e seria um mau uso das reservas. A beleza do câmbio flutuante é que ele flutua. Ao tentar impedir a flutuação dele, em geral você vai perder. Veja o exemplo de todos os países que tentaram sustentar a taxa de câmbio e basicamente queimaram reserva. Primeiro reclamavam que o câmbio estava muito forte, agora vão reclamar que está fraco demais. Tem que respeitar o que o mercado está dizendo.
II – E o que o mercado está dizendo?
AS – Está dizendo que estamos em um mundo onde os Estados Unidos crescem mais, em que a taxa de juros da região em algum momento vai voltar à normalidade e esse caminhão de liquidez será menor. Então é um cenário no qual vamos ter um dólar mais caro. Essa é a mensagem que estamos recebendo, agora por que não queremos entender essa mensagem? Porque deixamos a inflação escapar, e como ela está muito perto da meta, podemos ficar tentados a segurar o câmbio, mas podemos estar fazendo isso pelos motivos errados.
II – A alta do dólar não é prejudicial para o crescimento da economia?
AS – Não, ela é o que ela é. Não tem que ser feito nenhum julgamento moral. E quando estava apreciando? Também não. Em ambos os casos eram reações aos fenômenos de mercado. Tínhamos um mundo no qual os Estados Unidos cresciam pouco, as taxas de juros americanas ficaram lá embaixo, então se tinha uma configuração de taxa de câmbio. Se tem um mundo que é diferente, vai ter outra configuração de taxa de câmbio. Em outras circunstâncias até poderia prejudicar, se estivéssemos muito endividados em moeda estrangeira, poderia colocar um peso sobre as empresas e sobre o governo, mas não é o caso.
II – E o movimento do câmbio não pode prejudicar as empresas?
AS – As empresas, de maneira geral, em que pese ter dívida externa, estão capitalizadas. O grosso do passivo externo brasileiro está em investimentos, portanto devido em reais, não em dólares. Esse tipo de coisa não gera os mesmos efeitos nocivos do ponto de vista de balanço que gerava há dez ou 15 anos.
II – Então por que o governo fica atuando para evitar a desvalorização do real?
AS – A economia está mais preparada para aguentar uma desvalorização cambial. De fato, não tem motivo para ficar combatendo a desvalorização cambial que não seja a preocupação com a inflação, porque o Banco Central (BC) não tem condições de combater a inflação com o instrumento que ele deveria usar, então ficam fazendo esse controle com a taxa de câmbio.
II – Com a alta do dólar, a tendência é que o ciclo de aperto monetário tenha de ser maior do que o inicialmente projetado pelo BC?
AS – Deveria, agora se vai ser, é um outro problema. Tem um certo consenso de que o BC não vai conseguir colocar a taxa de juros em dois dígitos, porque politicamente é inviável.
II – A inflação mais alta prejudica a entrada de investimentos estrangeiros?
AS – Nem tanto. Para o investidor estrangeiro, a inflação não é necessariamente uma coisa ruim. Inflação em reais não afeta o poder de compra dele. O que interessa para ele é a taxa de juros nominal. Inflação mais alta, taxa de juros mais alta, para ele tudo bem, não tem nenhum problema com isso.
II – Uma troca no comando do Ministério da Fazenda poderia trazer algum alívio ao câmbio?
AS – Nenhum. O Mantega não é o formulador de politica econômica. Vejo o ministro Guido Mantega como atavicamente incapaz de formular qualquer coisa. A formulação de política econômica vem da Presidência da República. O Mantega é um mero executor de políticas que são formuladas em outro lugar, mau executor diga-se de passagem. A ruindade da política econômica não vem dele, ela passa por ele, ocasionamente é ampliada por ele, mas os erros têm origem na Presidência da República mesmo, não em outro lugar.
II – Podemos atribuir ao papel político da Dilma parte da desaceleração econômica na qual estamos?
AS – Por mais que me agradasse dar uma resposta positiva para isso – e certamente a política não está ajudando, acho que tem um erro de diagnóstico – a questão é a seguinte: o crescimento que ocorreu anteriormente, veio da conjugação de fatores que eram razoavelmente independentes da política econômica. Foram essencialmente dois fatores. Lá fora as condições eram extremamente favoráveis para produtores de commodities, basta ver o crescimento extraordinário da China. A outra parte é que esse ciclo mundial pegou o Brasil em uma situação em que o mercado de trabalho era muito frouxo, com uma taxa de desemprego alta. Isso permitiu que o país crescesse basicamente colocando mais gente para trabalhar, tinha uma disponibilidade de mão-de-obra que permitiu que quando se tinha impulso para crescer, tinha condições de responder a esse impulso.
II – E quais os maiores erros do governo atual?
AS – O que tem no caso do governo Dilma é uma incompreensão acerca desse fenômeno anterior. Os generais sempre lutam a última guerra. A reação do governo sempre foi reagir à última crise. O governo viu a desaceleração do crescimento e inferiu que a demanda é insuficiente, e tratou de colocar mais demanda na economia. Só que se faz isso num cenário de desemprego baixo o resultado não é crescimento, é inflação. Interpretaram a desaceleração econômica como resultado de uma demanda fraca, e na verdade era resultado de limitações no lado da oferta.
II – Esse foi o principal erro do diagnóstico por parte do Planalto?
AS – Esse foi o principal erro, que tem levado a uma série de consequências ruins. Errou o diagnóstico e a inflação subiu. Para lidar com a inflação, passou a lidar com uma política supostamente nova para controlar os preços. Segura o preço da gasolina, quebra a Petrobras e também o setor de etanol, que investiu acreditando no governo e está colhendo agora sua crença. Fez a redução forçosa das tarifas de energia elétrica, e descapitalizou o setor. A sensação de improviso que vemos na política econômica é essencialmente resultado desse erro de diagnóstico.
II – Como fazer para, em um cenário com a taxa de desemprego perto do zero, fazer a oferta crescer?
AS – Não faz mais, já perdemos a chance de fazer. Isso deveria ter sido feito há três ou quatro anos. Agora é pisar no freio, trazer a inflação para baixo, e dar tempo para criar um tanto de ociosidade na economia e voltar com uma política mais amigável ao investimento. Tem o programa de concessões, que pode ajudar, mas tenho sérias dúvidas sobre o sucesso da política de concessões, porque é feito por um grupo que não acredita no setor privado, e tem uma obsessão quase doentia por regular o retorno.
II – Os fundos de pensão começam a olhar para o exterior como nova forma de investimento. Este é um bom momento para isso?
AS – Não existe uma resposta geral para isso, depende do perfil de passivo de cada investidor. O passivo atuarial é IGP ou IPCA, e tem um descasamento importante nessa história, de IGP ou IPCA tendo ativos em dólar. Os fundos estão fazendo de fato uma aposta direcional na taxa de câmbio, não tem uma resposta definitiva.