Edição 338
O CIO da gestora Garde Asset Management, Carlos Calabresi, avalia que o Banco Central brasileiro reduziu adequadamente os juros no início da crise da pandemia da Covid-19, seguindo os padrões dos BCs de outras regiões do mundo que à época baixaram os juros para tentar segurar um pouco a crise. Entretanto, não teve a mesma atenção para as pressões inflacionárias que começaram a se formar, perdendo um pouco o timing na hora de reverter essa política de juros baixos, o que só começou a acontecer em março deste ano. “Foi um pouco tarde”, analisa Calabresi. Segundo ele, “a principal consequência desse juro muito negativo foi no câmbio. O câmbio começou a se desvalorizar de uma forma muito forte, com mais volatilidade, e isso explica boa parte do que aconteceu com a inflação”.
Embora crítico da posição do BC na questão da elevação dos juros, ele avalia positivamente o trabalho executado pela área econômica do governo. Enumera conquistas na área de concessões, na privatização da Eletrobras, e na condução da economia que segundo ele cresce neste ano acima do que o mercado esperava assim como caiu no ano passado aquém do que muitos alardeavam. Este ano o crescimento do PIB foi maior do que o esperado e no ano passado a queda foi muito menor do que era previsto. “Os caras são bons, trabalham 11 horas por dia ou mais”, diz.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida por por ele à Investidor Institucional:
Investidor Institucional – De março para cá o Banco Central começou a elevar os juros, ele fez isso no momento certo?
Carlos Calabresi – No ano passado, logo após a eclosão da pandemia da Covid-19, o mercado projetava uma queda muito forte da demanda e isso iria afetar os preços, então a situação sinalizava para uma inflação muito baixa. Aqui na Garde, por exemplo, acreditávamos, logo no início da crise, que a inflação deveria ficar ao redor de 1,5% no ano. O Banco Central tinha esse cenário e os questionamentos e as dúvidas que o mundo todo tinha, então cortou os juros como todo mundo estava fazendo. Só que a situação evoluiu muito rápido, nos piores momentos a combinação do fiscal com o monetário por parte de governos e bancos centrais conseguiu segurar os mercados mas a partir de maio, junho, já começou a ter uma volta muito grande das atividades. O nosso Banco Central, que corretamente tinha baixado os juros rápido, quando as coisas começaram a ficar um pouco mais visíveis se atrapalhou um pouco, começou a contar a história do forward guidance, dizendo que não ia aumentar a taxa, e aí o tempo foi passando, a inflação começou a vir um pouco mais alta e o BC foi ficando um pouco atrás da curva de juros.
Que consequências essa perda de timing teve?
A principal consequência desse juros muito negativo foi no câmbio. O câmbio começou a se desvalorizar de uma forma muito forte, com mais volatilidade, e isso explica boa parte do que aconteceu com a inflação. Você pode falar que o Banco Central estava certo em trabalhar com esse juro negativo, pois a inflação ficou muito próximo da meta, mas na verdade não foi isso. A inflação ficou na meta quando tira a foto, mas no filme o BC perdeu um pouco o controle da inflação com o câmbio desvalorizando 27%, 28%, 30%.
Qual o papel da alta das commodities nesse cenário?
Ai foi a tempestade perfeita. Inflação um pouco acima do que deveria combinada com commodities em alta, os alimentos começaram a subir, criou essa confusão geral que acabou gerando problemas nas cadeias de produção. Começou a faltar chip, você não conseguia terminar carro e aí o preço do carro subia porque tinha uma oferta menor. E prá completar o azar você teve o problema da seca, a maior em 90 anos, que também está batendo nos preços da energia. Então juntou tudo de uma vez só e a inflação realmente escapou do controle, esse mês (julho) vai virar com uma inflação acumulada em torno de 8,5% e acho que vai bater 8,70% o mês que vem (agosto), o que é muito diante de uma meta no ano que é 3,5%.
Tem um ponto de inflexão para baixo, e quando?
Este ano não tem muito o que fazer, a inflação está mesmo muito alta. Estamos com uma projeção de 6,70% no final do ano, ou seja, você vai explorar a banda de cima da meta e faz muito tempo que isso não acontecia, o BC vai ter que fazer a “cartinha” (carta aberta na qual explica o porque da inflação ter ficado acima da meta) e tudo mais. Mas para o ano que vem, apesar de um pouco atrasado, o BC começou a normalização da política monetária. No começo com aquela história de fazer de forma parcial, que acabou atrapalhando um pouco porque deveria ter entrado mais firme, mas depois foi compensando.
Como vai ser esse processo de ajuste?
Na nossa opinião você vai apertando até o 7%, acho que o 7% nos parece o mínimo para você conseguir equilibrar um pouco as coisas, aí no ano que vem por enquanto a gente está com 3,60% de inflação, praticamente na meta. Acho que estamos conseguindo caminhar para isso num bom ritmo, com alta de 0,75 pontos percentuais agora e na próxima do Copom.
De qualquer forma é um juro real ainda baixo, pelos padrões da economia brasileira. Porque os investidores estão buscando os títulos prefixados?
Quando você tem uma taxa prefixada um pouco mais longa, e temos taxas de 7%, 8%, até 9%, parecem ser atrativas mas têm que ser comparadas com a NTN-B. Se você tem o pré-fixado pagando 9% e uma NTN-B pagando inflação mais 4%, a diferença está dando em torno de 4,5%, 4,60%. Como a inflação deve ficar bem acima da meta de 4,5% nos próximos anos, você pode ter um juro real de 3,5% até 4,5% com as prefixadas mais longas. Agora, boa parte dessa ida para a renda fixa são investidores que conseguiram um bom retorno nos mercados de ações e imobiliário nos últimos anos e estão querendo monetizar na renda fixa, com uma taxa um pouco mais alta.
Como a discussão da reforma tributária estão afetando as decisões de investimento?
Temos que esperar prá ver o que vai sair no final. A primeira versão, que impactou mais os fundos imobiliários, estava muito enviesada mas depois essa questão foi resolvida. Veja, nós não temos todas as respostas ainda, mas especificamente prá Bolsa eu acho que se vier no formato que está hoje, que é de taxar o dividendo mas baixar o imposto de renda das empresas numa magnitude grande, pode ser interessante para as empresas. Tem alguns mecanismos que as empresas usam lá fora, ao invés de distribuir uma parte do dividendo ela simplesmente vai ao mercado e faz compra de ações. No final o cara ganha, mas ganha pela alta da valorização do papel.
A evolução da arrecadação do governo federal e a recente elevação das projeções do PIB para 2021 vêm gerando otimismo no mercado. Quais as perspectivas, a seu ver, de uma efetiva retomada do crescimento econômico?
Criamos, aqui na Garde, um indicador chamado de Índice de Adesão à Agenda Liberal, que identifica medidas positivas na agenda econômica do país e deixa de lado, no processo de análise dessas propostas, ruídos causados, entre outros itens, pelas disputas políticas e partidárias. Os avanços, não há como negar, são grandes, especialmente no que diz respeito à redução da presença do Estado na economia. O governo está fazendo progresso tanto no lado da receita quanto no lado da despesa.
Quais progressos você enumeraria?
Você está tendo muita concessão, conseguiu aprovar esse negócio da Eletrobras, o custo é muito alto mas eu acho que é palatável, eu acho que vão tentar emplacar o Correio, teve toda essa agenda de marcos regulatórios, teve o negócio do saneamento que prá mim é uma coisa transformacional. Está tendo uma explosão de IPOs, o mercado está efervescente. Toda essa efervescência, prá mim, é um pouco decorrência do que o governo tem feito, do trabalho da equipe econômica. Os caras são bons, trabalham 11 horas por dia ou mais. Este ano o crescimento do PIB foi maior do que o esperado e no ano passado a queda foi muito menor do que era previsto. Se você pegar o Banco Mundial, os caras estavam projetando queda do PIB de 9% para Brasil, caiu bem menos e vai subir bastante esse ano.
Mas o desemprego é alto. Isso não é uma contradição?
Este é um tema complexo. O desemprego, de fato, é muito elevado, mas há um milhão de vagas não preenchidas em empresas de tecnologia. O desafio do país, portanto, é qualificar a mão de obra, tarefa que demandará esforços de médio e longo prazo. Só assim será possível garantir que o crescimento econômico beneficie de forma mais uniforme toda a sociedade.
Que setores têm mais potencial para gerar empregos?
O ramo de serviços é o destaque, em particular os negócios ligados à tecnologia. O agronegócio, que vem investindo muito em tecnologia, emprega pouca mão de obra. Mas, em compensação, paga muito imposto e cumpre papel crucial na geração de divisas para o país.
Que oportunidades de investimentos estão no radar da Garde?
Consideramos que o mercado acionário doméstico ficou um pouco para trás em relação aos do exterior. A B3 fechou o ano passado ao redor de 119.500 pontos e está atualmente em 126.000 pontos – subiu, portanto, menos do que as bolsas internacionais, apesar do retorno dos investidores estrangeiros, que andavam afastados. Em razão disso, acreditamos que ainda há boas oportunidades no pregão pelo menos até o fim do ano, em função do ambiente atual, de maior rigor econômico.
E de dezembro em diante?
O nosso trabalho de análise será muito dificultado, em 2022, pela corrida eleitoral. É sempre assim: os mercados apresentam volatilidades bem acima da média em anos com eleições. Mas, considerando os três grandes grupos de ativos do mercado brasileiro – câmbio, juros e bolsa –, creio que as ações oferecem uma maior proteção em relação a perspectivas mais preocupantes em relação às agendas econômicas dos principais concorrentes na disputa pela Presidência da República.
Que propostas dos pré-candidatos mais incomodam ao mercado?
Apesar do déficit fiscal e da elevada dívida pública em relação ao PIB, a esquerda fala em aumentar despesas e em acabar com o teto constitucional de gastos, caso do Lula, e até em renegociação da dívida pública, caso do Ciro Gomes Não sei se eles têm noção de quem carrega essa dívida da União não são os bancos, e sim a população que investe em fundos de renda fixa, de previdência e outros. As incertezas geradas por essas propostas poderão se traduzir em muitos percalços no mercado no próximo ano.
Quais seriam os principais riscos?
A renda fixa poderá sofrer mais. Embora a taxa Selic já esteja em curva ascendente, as curvas de juros deverão abrir bastante em razão de perspectivas de que o próximo governo tenha propostas mais à esquerda, que não são do agrado do mercado.
O Brasil vem sofrendo restrições crescentes de mercados, empresas e investidores estrangeiros por conta de questões ambientais. Como lidar com esse problema?
A questão ambiental, de fato, é hoje muito relevante em todas as discussões sobre investimentos na comunidade internacional. Estamos com uma imagem muito ruim – em razão de episódios como a proposta de “passar a boiada” – e teremos de tomar providências a respeito para garantir a atração de investimentos estrangeiros. Embora não seja especialista na área, creio que a percepção externa sobre a situação do Brasil nessa área não condiz com a nossa legislação ambiental, que é muito rígida. Acho que o novo chanceler brasileiro, Carlos Alberto França, tem condições de melhorar a imagem do país no exterior em relação à temática ambiental.