Edição 360
Durante quatro dias, entre 3 e 6 de outubro, a Previ realizou no Rio de Janeiro um megaevento de previdência complementar que incluiu, entre os temas debatidos, desde questões mais técnicas como a segurança jurídica dos investimentos dos fundos de pensão até outras mais gerais relativas ao enfrentamento do racismo estrutural e ao impacto da inteligência artificial no mundo dos negócios. Batizado de Siga, acrônimo para Seminário de Investimentos, Governança e Aspectos Jurídicos da Previdência Complementar, o evento contou com a participação de cerca de 2 mil pessoas, incluindo público presencial e on-line.
Embora encabeçado pela Previ, o maior fundo de pensão do País, o Siga contou em sua organização com o apoio de outros cinco fundos de pensão —Petros, Funcef, Valia, Postalis e Fachesf, além da Previc e da Anapar. Segundo o diretor de participações da Previ, Fernando Melgarejo, o Siga representa uma ampliação de evento de governança que a fundação organiza há duas décadas, e que estaria em sua 23ª edição. “Resolvemos ampliar o evento de governança e incluir outros temas além de investimentos, mas sempre de interesse dos nossos conselheiros e de nossos parceiros de investimentos. E conjugamos tudo num único evento, que a gente chamou de Siga”, explica. Veja, a seguir os principais tópicos de entrevista que Melgarejo deu à Investidor Institucional no último dia do Siga, fazendo um balanço do evento:
Investidor Institucional – Qual foi o objetivo do Siga?
Fernando Melgarejo – Inicialmente a idéia era que nossos conselheiros estivessem com a gente no nosso tradicional evento de governança, mas a questão da governança está se desenvolvendo de tal forma que a gente entendeu que seria melhor abrir prá todo mundo, inclusive incluindo novos temas para que são discutidos pela sociedade como um todo. Pensamos num seminário que abrangesse investimentos, governança e aspectos jurídicos dos fundos de pensão e vimos que as primeiras letras dessas iniciativas davam Siga, um acrônimo que adotamos por expressar bem o que a gente tinha como objetivo. Reunir representantes qualificados de todos os ambientes de investimento, de governança e também jurídicos dos fundos de pensão para discutir aspectos estratégicos do sistema.
No fim, deixou de ser um evento da Previ para virar um evento de vários fundos de pensão. Quais os apoios que vocês tiveram?
A gente contou com o apoio da Funcef, Petros, Valia Postalis e Fachesf, além da Previc e da Anapar. Todos esses que estiveram com a gente na organização do evento também fizeram parte das mesas, das palestras, assim como todos que nos deram apoio financeiro, que são basicamente as nossas maiores empresas investidas, também participaram das mesas. No passado a gente tinha uma visão mais fechada, mas vimos que faz todo o sentido a gente estar com todos esses porque eles fazem parte do ecossistema de previdência.
Fazendo um balanço do evento, o que você destacaria como pontos fortes do evento?
Eu acho que o evento trouxe debates importantes, um deles sobre a atuação da Previc no aprimoramento da regulação da previdência complementar. É algo que vem sendo discutido bastante, então a gente teve essa mesa com a Previc que tocou em pontos importantes como a marcação a mercado, as classes de ativos nas quais as entidades podem investir, a revisão dos critérios de equacionamento de déficit, o novo ambiente econômico que está surgindo e o aprimoramento da legislação do setor. Essa mesa também contou com a presença da Abrapp e da Anapar. Um outro debate importante foi sobre as energias renováveis e a vantagem competitiva e comparativa que o Brasil tem.
Quem participou desse painel sobre energias renováveis?
Eu fui moderador do painel, que contou com a participação do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira de Oliveira, além de representantes da Vale, da Néo Energia e da Vinci Partners. Nesse momento, as energias renováveis são uma janela de desenvolvimento econômico pujante. Não é só desenvolvimento econômico, mas um desenvolvimento econômico sustentável em que a energia limpa que o Brasil tem é um diferencial em relação ao resto do mundo. E atrás disso vêm os investimentos. É nessa área, na transformação energética, que o Brasil pode ter um grande diferencial geopolítico.
Fazendo o papel de advogado do diabo, uma parte do mercado acha que o que importa são investimentos rentáveis e não se eles são sustentáveis. O que vc acha sobre isso?
Aqui na Previ a gente tem a visão de pagar benefício ao associado, essa é a nossa principal missão. Então, eu não posso entrar num investimento que não seja economicamente viável e que não traga os retornos mínimos de acordo com nossa taxa atuarial, que hoje é INPC mais 4,75% no Plano 1 e de 4,62% no Previ Futuro. Nada, nenhum tipo de investimento, é escolhido se não houver no mínimo esse piso de rentabilidade. Por outro lado, eu acho que dentro de um ecossistema social, distributivo, com preocupações ambientais e também de governança, existem projetos que são sustentáveis e viáveis financeiramente. Então, quando há a conjunção de ser viável financeiramente e ser sustentável, então a gente encontra um ponto em que esse investimento faz sentido para a Previ.
Quer dizer, sem isso o projeto não entra na carteira da Previ?
Fora disso não tem como, né? Porque aí eu corro o risco de não cumprir a minha função, que é pagar benefícios previdenciários para os nossos quase duzentos mil associados. Hoje, incluindo o Plano 1 e o Plano Futuro, são cerca de 110.000 recebendo benefícios e oitenta e poucos mil em período de acumulação. No Plano 1 temos 108 mil participantes, dos quais 105 mil estão em gozo de benefício e 3 mil ainda são ativos. Nós pagamos cerca de R$ 1,2 bilhão por mês, o que dá R$ 15 bilhões por ano. Então, não tem como correr risco, e nós não corremos, no sentido de fazer investimentos em que a gente não espere obter pelo menos a taxa atuarial mais um alfa. Se não tiver isso a gente não entra.
Na gestão anterior se falou muito da imunização das carteiras de investimentos, o que significava comprar NTN-Bs longas para casar com o passivo do plano. Isso se mantém na atual gestão da Previ?
A lógica de imunização nunca saiu da nossa cabeça, do contrário eu estaria trazendo um risco inadequado para a gestão do plano de previdência. A gente tem hoje 68% da nossa carteira em NTN-Bs com vencimentos em 2040, 2050 e 2060. Obvio que existem riscos aí dentro, do reinvestimento por exemplo, mas ela está muito bem calculada e muito bem resguardada nesse sentido. A carteira de títulos públicos tem, inclusive, um gap de duration zero, o que significa que está bastante robusta do ponto de vista de imunização.
E o resto da carteira, qual o perfil?
A gente tem 25% da carteira em renda variável, cerca de 5% em imóveis e um pedaço pequeno em operações estruturadas e em investimentos no exterior. O que estamos discutindo agora é rever esse portfólio de renda variável e imóveis. A gente está verificando se os ativos que temos dentro dessas carteiras pode ser redirecionado, ou vendido em parte, numa visão oportunista de rentabilização.
Quer dizer, vender para investir em ativos mais rentáveis?
É uma readequação, uma revisão do nosso portfólio atual, e não estamos falando aqui de renda fixa. Só pra ficar claro, como a gente tem R$ 220 bilhões no Plano 1 e R$ 30 bilhões no Previ Futuro, nós estamos falando de quase 70 bi que a gente pode fazer essas realocações dentro das classes de renda variável e até imóveis. Por exemplo, sair de imóveis e ir para renda variável ou vice-versa, vendendo alguma coisa para comprar outra.
Isso é definido na política de investimentos, certo?
Nossa política de investimentos é de 7 anos, revisados anualmente. Cada plano tem sua política de investimento, o Plano 1 tem uma e o Plano Previ Futuro tem outra, e são distintas porque são planos distintos, com maturidades distintas. Um está em total acumulação e outro já está em fase de pagamento, por isso eles têm que ter políticas de investimentos adequadas. Este ano faremos algum tipo de revisão olhando oportunidades que possam existir, mas sempre resguardando o nosso objetivo que é manter os pagamentos de benefícios sem qualquer tipo de déficit. O déficit não é algo esperado na Previ.
Se falou muito durante o evento sobre investimentos em infraestrutura, até porque o governo está relançando o PAC. Como que você vê essa discussão?
Fundo de pensão é um investidor com uma visão de longo prazo, e voltamos ao que a gente acabou de falar sobre a segurança de rentabilidade para pagamento de benefícios. Ou seja, nada aqui vai ser feito esperando retorno abaixo do atuarial. É óbvio que nessas discussões a gente está buscando oportunidades, quais são as oportunidades que podem contribuir para o pagamento de benefícios e também para o desenvolvimento do país. Quando essas duas questões estiverem conjugadas, e se tiver sustentabilidade melhor ainda, é algo que a gente tem que estudar sim.
Você destacou os pontos fortes do evento. E os pontos fracos?
Eu não consigo ver algum ponto negativo no sentido de dizer, isso eu não faria mais. A gente pode ter aprimoramentos, trazer painéis aderentes com aquilo que a gente está preocupado, sempre ter painelistas que consigam trazer discussões, é sempre importante trazer gente que levante opiniões diferentes. A gente tem que ouvir de um lado e do outro pra tirar uma conclusão, pra ver o que é melhor pro nosso associado. No mais são ajustes em questão de tempo, de formato, de logística, mas nada assim que eu possa dizer, olha, algo não foi bom.
Já estão pensando no próximo evento?
Sim, já estamos pensando na edição seguinte, pois prá gente esse evento foi muito bom. Tivemos uma representatividade enorme, não só dos nossos associados mas também dos investidores e da própria sociedade. É o nosso primeiro evento desse tipo, conjugando os 3 temas, investimento, governança e aspectos jurídicos, mas já foi um grande sucesso. O público foi muito participativo, enviando perguntas de toda ordem.
Os próximos devem manter o foco em aspectos mais abrangentes ou serão aspectos mais técnicos?
O foco são investimento de previdência fechada. Os fundos de pensão, por serem investidores de longo prazo, abrangem todo o desenvolvimento da sociedade. Tudo o que está em discussão em relação a investimentos, ao desenvolvimento econômico, quer seja pelo lado do governo quer seja pelo lado da iniciativa privada, e que faça sentido à um investidor institucional estar presente a gente vai trazer para nossos eventos.
Inclusive as discussões sobre novos formatos de planos previdenciários?
Cada fundo de previdência tem suas características próprias, seus planos próprios, uns são mais maduros, outros menos maduros. A Previ tem dois grandes planos, já outros fundos de previdência têm 40 planos. A Previ lançou o Previ Família, porque a gente entende que é algo bastante importante e esse plano abrange os parentes dos associados até quarto grau. E essa cultura previdenciária é bastante importante.
Como você vê a missão de trazer os jovens para a cultura previdenciária?
Isso é algo que a gente vem discutindo aqui. Hoje são as pessoas de mais idade que vêm valor na previdência complementar, então tem que trazer os mais jovens para a cultura previdenciária. Essa é uma discussão que a gente sempre tem debatido aqui, como trazer mais jovens, pessoas entrantes no mercado de trabalho, para dentro da previdência. No caso do Banco do Brasil, antigamente 100% dos funcionários do banco eram associados e hoje tem uns 10% de pessoas que entram e não aderem ao plano de previdência, ou por desconhecimento ou por não aceitar os descontos como algo positivo. Mas estamos tentando levar a cultura previdenciária para todos os funcionários do Banco do Brasil.
A imagem dos fundos de pensão foi muito prejudicada nos últimos anos por operações como a Lavajato e a Greenfield, a ponto da regulação do setor ter se tornado muito detalhista e burocrática, o que hoje a Previc está mostrando ser um excesso. Como um evento desse tipo pode ajudar a melhorar a imagem dos fundos de pensão junto à sociedade?
Bom, eu posso falar pela Previ. A gente tem uma governança bastante sofisticada, a legislação exige que a gente tenha Conselho Deliberativo, Diretoria e Conselho Fiscal, e a gente foi além e temos também auditoria interna, auditoria externa, paridade com três indicados pelo patrocinador e três eleitos pelos associados, e ainda dois conselhos consultivos, um pra cada plano. Então, do ponto de vista da legislação, a gente vai muito além. E, em relação à sua pergunta, a Previ não percebe essa visão negativa sobre ela.