Edição 103
Edmar Bacha, da Anbid
O presidente da Anbid, Edmar Bacha, possui posição bastante heterodoxa com relação à postura que o Brasil deve assumir no caso de um novo plano de ajuda à Argentina, que já foi batizado como Plano O’Neill. Para ele, o Brasil só tem a perder se embarcar na mesma canoa desse plano. No passado fizemos coisa parecida quando o México quebrou, embarcamos no Plano Brady e ficamos quase 10 anos sem conseguir acessar os mercados de investimentos. Naquela ocasião, o Chile e a Colômbia, que não seguiram os parâmetros do Plano Brady e buscaram acordos diretamente com os banqueiros, se deram bem melhor e em poucos anos ambos eram países de investment grade.
“O mais importante para nós é nos caracterizarmos como um país não-Plano O’Neill, assim como o Chile e a Colômbia se caracterizaram no início dos anos 80 como países não-Plano Brady”, ensina Bacha. Em entrevista exclusiva à Investidor Institucional, ele fala sobre a situação da Argentina e sobre outros temas. Veja, a seguir, os principais tópicos da sua entrevista:
Investidor Institucional – Em que medida o pacote de ajuda do FMI à Argentina, que foi recebido com otimismo num primeiro momento, pode ajudar a restabelecer a confiança na economia daquele país?
Edmar Bacha – Acho que a Argentina ganhou algum fôlego daqui até as eleições de outubro, mas passadas as eleições e com o novo Congresso tomando posse, o que deve acontecer no começo de dezembro, novas opções têm que ser consideradas. De qualquer maneira, acho que o mercado reagiu razoavelmente bem ao pacote porque já não esperava nenhum pacote.
II – A ajuda do FMI garante a renegociação da dívida? Como será esse processo?
EB – A dívida da Argentina é de US$ 125 bilhões, e o que foi anunciado até agora foi uma ajuda de US$ 3 bilhões. É como se um mágico tivesse tirado um camundongo da cartola e colocado-o em campo para comer um elefante. Comido o elefante, o camundongo se transforma num coelho que é colocado de novo na cartola da qual o mágico irá tirar a solução em dezembro, como eu disse antes. Não sei se me faço entender, o camundongo são os US$ 3 bilhões, o elefante são os US$ 125 bilhões, então em primeiro lugar é preciso haver um processo de reacomodação dos US$ 3 bilhões aos US$ 125 bilhões, ou vice-versa, dos US$ 125 bilhões aos US$ 3 bilhões, para que num segundo momento você tenha algum mecanismo financeiramente viável de redução negociada, voluntária, baseada no mercado, da dívida argentina.
II – E quando será esse segundo momento?
EB – Como eu disse, acho que isso só acontecerá depois da posse do novo Congresso, no início de dezembro.
II – Como deve ser esse processo de redução negociada da dívida argentina?
EB – Eu gostaria muito de saber! Para voltar à imagem que usei antes, por enquanto nós só vimos o camundongo e o elefante, o coelho ainda está por vir. O coelho, lépido e fagueiro, que deverá ser a nova dívida reestruturada da Argentina e permitir a retomada do crescimento, ainda está por vir.
II – O Brasil continua vulnerável ao problema da Argentina ou a recente ajuda que obtivemos do FMI funciona como anti-corpos?
EB – Acho que, por enquanto, permanece essa situação de espera e de expectativa, até sabermos o que dezembro nos reserva. O próximo evento relevante na Argentina são as eleições de outubro, depois disso é um mundo novo!
II – O sr. acha que o pacote do FMI à Argentina cobre os custos da dívida deles até outubro? Há muitas dúvidas no mercado quanto a isso!
EB – A questão de custos ou não-custos é irrelevante, porque o que se trata é de manter os depósitos dos argentinos nos bancos argentinos. Não tem nada para ser financiado em termos de déficit fiscal daqui até outubro, ou mesmo até o final do ano, está tudo coberto pelos swaps que foram feitos anteriormente. A questão que se coloca é se os US$ 5 bilhões que foram avançados para repor as reservas argentinas, se isso dará aos argentinos suficiente confiança para pararem de sacar seus depósitos até outubro. O jogo por enquanto é esse, convencer os argentinos a não retirarem os seus depósitos dos bancos.
II – Qual deveria ser a posição do Brasil no caso de uma renegociação da dívida Argentina?
EB – Com a implantação bem sucedida do Plano O’Neill, que nós ainda não sabemos muito bem qual é, a situação para o Brasil seria muito tranqüila. Nós ficaríamos mais ou menos nas mesmas condições que o Chile e a Colômbia ficaram entre 1982 a 1985, quando o Mexico quebrou. Naquela ocasião, o Brasil e a Argentina seguiram juntos com o México no caminho do Plano Brady, ficando por conta disso sem acesso ao mercado internacional por 10 anos, enquanto o Chile e a Colômbia fizeram acordos diretos com os banqueiros e, em poucos anos, ambos eram países de investment grade. Então, acho que se o Plano O’Neill tiver sucesso na Argentina, com boa repercussão nos mercados, o mais importante para nós é nos caracterizarmos como um país não-Plano O’Neill, assim como o Chile e a Colômbia se caracterizaram no início dos anos 80 como países não-Plano Brady.
II – A reestruturação da dívida pode levar a um fechamento ainda maior dos países ricos para os mercados emergentes, inclusive para o Brasil?
EB – O exemplo de 1982 não indica isso. Eles se fecharam apenas para quem entrou na canoa furada do Plano Brady, mas para aqueles que não entraram e fizeram o dever de casa adequadamente, além de uma negociação direta com os credores – como o caso do Chile e Colômbia –, eles se mantiveram abertos. Acho que o Brasil tem uma boa chance de se diferenciar, não se caracterizando como um candidato potencial ao Plano O’Neill, seja lá qual ele for.
II – Mudando um pouco de assunto, como o sr. vê a questão da crise do setor elétrico? Ela é um problema em vias de ser solucionado ou ainda pode provocar sobressaltos?
EB – Acho que a questão da crise está bem encaminhada, mas ainda dependemos das chuvas de novembro para frente. O governo está fazendo um trabalho razoável e, até agora, o nível dos reservatórios na região Centro-Sul está tendo uma trajetória melhor do que o governo estimava. Pelos nossos próprios cálculos, estimamos que os reservatórios do Centro-Sul devam chegar próximos a 20% em novembro. Agora, para que nível eles irão em abril-maio vai depender da intensidade das chuvas.
II – Quer dizer, o sr. está otimista?
EB – Veja, o que eu digo é que não há mais o quadro negro que tínhamos 2 meses atrás, mas o ambiente ainda está cinza, a questão ainda não está superada.
II – Essa combinação de crise energética e a crise cambial também, gostaria de uma avaliação do sr. sobre a questão dos juros, como o sr. vê a decisão, dessa semana, de manutenção das taxas sem viés. O que podemos esperar nos próximos dias e nos próximos meses em relação a juros?
EB – Nós estamos muito dependentes da questão da Argentina. Se a Argentina voltar à normalidade, os juros vêm para baixo no Brasil. Se a Argentina piorar, os juros vão subir. Ambos os movimentos, para cima e para baixo, funcionam acompanhando a direção do dólar.
II – Com relação à entrada de capital externo, qual o balanço dos últimos meses deste ano?
EB – Acho que está dando para o gasto. Os números que o Banco Central publicou para julho foram surpreendentemente bons, e embora agosto possa não ser tão bom quanto foi julho, pelo que dizem, está tudo mais ou menos dentro da normalidade. Acho que, com o Banco Central alimentando o mercado com US$ 5 milhões por dia, dará para o gasto até o final do ano.
II – Qual seu cenário para o País quando a situação político-econômica da Argentina se estabilizar e a crise de energia doméstica for superada?
EB – Acho que ainda é muito cedo para se falar sobre isso, mas devemos traçar um cenário central e o mais provável é que a crise energética se resolva e que a Argentina encontre algum tipo de solução negociada. Então, neste cenário para o ano que vem, a situação para o Brasil é muito favorável. Obviamente há a questão eleitoral!
II – O que o sr. pensa das idéias que se discutem hoje sobre a independência, ou autonomia, do Banco Central. Qual seria o modelo ideal para o Brasil?
EB – Acho que o modelo que está sendo discutido no Congresso, de autonomia operacional, é muito bom. Quem determina a meta da inflação é o Ministério da Fazenda, através da lei orçamentária, e o Banco Central tem um mandato para persegui-la e a obrigação de responder por ela ao Congresso Nacional, no estilo dos depoimentos que o banco de reserva federal americano tem que fazer a cada semestre na Câmara e no Senado. Mas eu preferia que, ao invés do Congresso, isso fosse feito num comitê econômico conjunto da Câmara e do Senado, com o presidente do Banco Central reportando a cada seis meses aos deputados e senadores desse comitê sobre o cumprimento das metas inflacionárias especificadas na lei orçamentária.
II – Seria mantido o sistema de meta inflacionária?
EB – Acho que até o PT já concordou com isso, está lá no documento do Instituto da Cidadania, que eles vão manter o sistema. No documento feito por via do Instituto da Cidadania, que é presidido pelo Lula, eles explicitamente dizem que vão manter o sistema de metas inflacionárias.
II – Sobre os critérios para eleição e mandato do novo presidente do Banco Central, como seria?
EB – A idéia é que ele tivesse um mandato e não fosse demissível pela vontade do presidente da República, como é atualmente. Com relação à duração desse mandato, acho que poderia ser como é no Chile, por exemplo, onde o presidente do Banco Central tem um mandato de 5 anos não coincidentes com o mandato do presidente da República. Assim, o final do mandato do presidente do Banco Central coincide com o primeiro ano do novo presidente, o que eu acho uma idéia muito boa. Isso, por exemplo, implicaria estender o Armínio na presidência até 2003. Mas esse é um tema com o qual o PT, por exemplo, não concorda.
II – O que o sr. pensa da discussão a respeito da discussão da super-agência de fiscalização da área de investimentos, que reuniria num só órgão a CVM, a Susep e a SPC?
EB – Aparentemente o governo está preterindo o modelo americano, de agências múltiplas, a favor de um novo modelo, o modelo inglês, de uma agência unificada de regulação bancária e financeira, a “super agência”. Essa “super agência” reuniria a parte de fiscalização do Banco Central, da CVM, da Susep e do sistema de previdência.
II – E essa idéia está evoluindo?
EB – Há uma idéia ainda meio tênue sobre esse assunto, que eventualmente ainda depende de aprovação, permitindo regular através de múltiplas leis complementares o capítulo da Constituição sobre sistema financeiro. Mas não creio que esse assunto vá render muito caldo daqui para a frente, acho que esse é um assunto para 2003.