AAIs crescem e reivindicam mais independência | Agentes autônomos...

O crescimento do mercado de Agentes Autônomos de Investimento (AAI), escritórios que atuam como distribuidores de produtos de investimentos ligados a plataformas eletrônicas, tem sido uma das grandes novidades do mercado. Muitas gestoras de recursos independentes, que anteriormente teriam que fazer acordos com grandes investidores para montar seus primeiros fundos, hoje conseguem se sustentar graças às plataformas cujos braços operacionais são os agentes autônomos. O crescimento, no entanto, traz também alguns questionamentos e definições. Nesta entrevista com o vice-presidente da Abaai (Associação Brasileira dos Agentes Autônomos de Investimento), Diego Ramiro, e com o superintendente da entidade, Francisco Amarante, mostramos quem são e o que querem hoje os agentes autônomos de investimento.

Investidor InstitucionalPercebe-se um crescimento muito grande no número de agentes autônomos. Quantos são hoje?
Francisco Amarante – As informações oficiais da CVM dão conta de 7.700 agentes autônomos credenciados, mas nem todos estão em atividade. Levantamento que fizemos aponta que há cerca de 4.600 agentes de fato atuando no mercado. Nos últimos três anos, nota-se uma evolução do número de agentes credenciados, e a própria CVM estima que esse número pode crescer até três vezes nos próximos anos.

II A que se deve esse crescimento?
FA – O próprio mercado empurrou os profissionais para essa atividade. Hoje temos uma concentração muito grande das instituições financeiras, são basicamente cinco grandes instituições que comandam cerca de 85% da atividade financeira no País. Isso, juntamente com o fechamento de outras instituições, criou um exército de bons profissionais que ficou disponível no mercado e acabou indo para atividades independentes. Outro fator preponderante foi a criação das plataformas de investimento, que ajudaram bastante a atividade do agente autônomo de investimento, facilitando muito a atividade de distribuição de títulos.
Diego Ramiro – Eu acrescentaria um outro aspecto, que é a atual situação financeira do País. Nesses dez anos em que trabalhamos como agentes autônomos, percebemos que num país onde a taxa de juros era de 14% ao ano o cliente não tinha uma necessidade de assessoria financeira, já que o investimento tradicional de bancos atendia perfeitamente. No entanto, nos últimos dois anos, com a taxa de juros e a rentabilidade muito baixas, o investidor começou a perceber que, sem uma assessoria, esse mesmo investimento rendia muito pouco. Então, o investidor começou a valorizar a assessoria de investimentos.

IIMas o investidor estava acostumado com o investimentos nos bancos. Como foi quebrado essa relação?
DR – Quando o Itaú comprou a XP, as assessorias de investimentos ganharam espaço. A seguir a chinesa Fosun comprou a plataforma Guide do Indusval, a Brasil Plural comprou a Geração Futuro e criou a plataforma Genial e o BTG também lançou sua plataforma. Isso popularizou a assessoria de investimento. Várias outras corretoras estão criando plataformas, o que incentivou o desenvolvimento do agente autônomo e sua capilaridade de atuação. O agente autônomo, nos últimos 10, 15 anos, se reinventou, apesar da legislação retrógrada. O agente autônomo não trabalha mais só com um produto, hoje ele dá assessoria na área de bolsa [de valores], de renda fixa, de fundos. O agente se tornou muito mais um advisor, como acontece nos Estados Unidos.

IIQuanto dos investimentos dos brasileiros estão nas plataformas?
DR – Ainda é pouco. Enquanto no Brasil 92% dos investimentos estão em bancos tradicionais e 8% em plataformas, nos Estados Unidos essa proporção é inversa. Ou seja, temos um potencial de crescimento exponencial.

IINão existe uma superposição de categorias? Temos os planejadores financeiros, os agentes autônomos, as consultorias de investimento. São atividades muito similares, aparentemente, e com limites de atuação meio indefinidos.
FA – De fato, temos diversas figuras com a responsabilidade de atendimento ao cliente na ponta final. E o agente autônomo, muito embora o termo autônomo se vincule a independência, é o único que não tem independência. Hoje, o consultor de investimentos tem total independência na análise de produtos, o CFP tem essa independência de aconselhamento mas o agente autônomo não.

IIMas a forma de remuneração do agente autônomo é diferente, ele recebe rebate de taxas do gestor enquanto nas outras atividades é o cliente que paga.
FA – Se a CVM tem essa preocupação com o cliente, o melhor seria limitar por certificação. Se o agente autônomo recebeu uma certificação, ótimo, ele é um distribuidor credenciado. E poderia vir a ser um consultor e um planejador, gradativamente, através de outras certificações que buscasse. Essas figuras deveriam estar interligadas. Quanto mais certificações o profissional tiver, melhor será o atendimento e melhor para o mercado.
DR – Para a CVM é muito claro o que faz um consultor, um gestor e um distribuidor. O distribuidor é o preposto da corretora, ele é remunerado pela distribuição de produtos de investimento. Na Abaai, queremos que continue assim. Não queremos ser gestor, nem consultor. No entanto, o que a gente busca é um melhor entendimento do regulador do que é essa distribuição. Quando o cliente busca a assessoria de investimento do agente autônomo, ele não está buscando só um distribuidor, como se fosse um garçom, que sirva a ele produtos financeiros de varejo. Muito pelo contrário. Ele quer que eu sirva produtos financeiros com qualidade. Não oferecemos consultoria, mas podemos fazer a distribuição com qualidade, explicando o que é um ativo, o que é uma debênture, quais são os riscos.

II Isso não é consultoria?
DR – Não, é distribuição com qualidade. Por exemplo, o corretor de seguros pode indicar o melhor seguro para um cliente baseado na análise que ele faz dos pontos positivos e negativos de cada produto de uma seguradora. O agente autônomo não pode fazer isso. É isso que estamos tentando mostrar para o regulador. Queremos continuar sendo distribuidores de produtos, mas que eu possa contratar ou emitir uma opinião de forma mais clara e transparente.

IIE a remuneração continuaria a ser paga pelo gestor?
DR – Poderia ser de duas formas. Como é hoje, se eu sou um distribuidor eu recebo rebate dos produtos que eu vendo. Mas eu poderia receber do cliente por montar uma cesta de produtos para ele, sem receber rebates dos produtos. Então, poderia ser de uma forma ou de outra. É interessante que se possa ter as duas formas. Essa segunda forma, atualmente, é um mundo hipotético.

IIO mesmo profissional, então, poderia fazer as duas coisas?
FA – Vou dar um exemplo. O consultor recebe a remuneração diretamente do cliente, mas após a análise do perfil da carteira que ele vai sugerir ao cliente, ele não pode executar as ordens e nem indicar um escritório de agente autônomo. Então o cliente vai em busca de um agente autônomo para executar a operação e será cobrado novamente, porque esse agente vai receber o rebate do investimento. Se, de fato, a preocupação da CVM é que o cliente seja tratado com transparência e não seja prejudicado, isso precisa ser discutido.

IIComo estão as conversas com a CVM?
DR – No ano passado, a convite da CVM, estivemos reunidos para emitir um parecer sobre custo de observância e aproveitamos a oportunidade para sugerir algumas mudanças na resolução 497, sob a qual atuamos, e mostrar essa diferença entre, gestor, consultor e distribuidor, e pleitear uma modernização no sentido de que o distribuidor possa emitir sua opinião desde que os produtos estejam vinculados à corretora. A CVM deve abrir uma audiência pública para discutir mudanças na 497 ainda neste ano.
FA – A maior diferença entre essas três atividades talvez seja a falta de independência do assessor de investimentos em relação ao consultor e ao planejador. Na nossa avaliação, as diferenciações poderiam vir por certificações ou credenciamento – o que for melhor. Não tem porque, dentro de um escritório de distribuição, não se possa ter um planejador ou um consultor atuando. Atualmente, isso não pode. É vedado pela 497.

IIAcha que as distribuidoras devem atuar também na educação financeira do cliente?
FA – Cada vez mais, na prática, isso já vem ocorrendo. Muitos escritórios já possuem, em paralelo, empresas de educação financeira, realizando encontros para debater com clientes essa questão. As próprias plataformas, hoje, disponibilizam seus profissionais para palestrar para os clientes dos escritórios de agente autônomo.

IIHá uma discussão sobre a exclusividade de atuação do agente autônomo, se ele poderia atuar para várias plataformas ou apenas uma. Como analisa essa questão?
DR – Esse é o assunto mais polêmico da atualidade no nosso setor. A CVM instituiu um grupo de trabalho, no ano passado, para avaliar quais são os possíveis impactos que o fim da exclusividade poderia causar no mercado. Na Abaai, essa discussão do fim da exclusividade é uma das mais importantes. Acreditamos que deva existir livre negociação entre as partes para decidir pela exclusividade ou não. O mercado é bastante eclético, tem grandes escritórios com mais de R$ 1 bilhão de patrimônio e outros que estão começando a formação de uma carteira de investimentos, então tem que ter liberdade de decisão.

IIQuais as vantagens e desvantagens de cada opção?
DR – É uma questão de ônus e bônus. O bônus é o lado que mais aparece, você tem livre concorrência, tem liberdade de negociação com A, com B ou com C. Por outro lado, o bônus é ter que assumir uma responsabilidade que hoje é das instituições de distribuição de valores mobiliários. Até que ponto o universo de agentes autônomos tem estrutura para assumir essa responsabilidade? Hoje a corretora é solidária com o agente em eventuais riscos ou falhas e acaba resolvendo o problema do cliente, mas acabando a exclusividade as corretoras poderão deixar de ter essa responsabilidade solidária. Por isso, o caminho da flexibilização de escolha é um avanço. Outra discussão importante, ligada a isso, é se o regulador terá estrutura de fiscalizar e supervisionar 1.200 escritórios de agentes autônomos.

IIQual a opinião de vocês sobre o grande número de plataformas de distribuição que estão surgindo? Acha que tem espaço para todas?
FA – No início dos anos 2000, quando começou a chegar no Brasil essa tendência de arquitetura aberta dos mercados europeus e norte-americano, os grandes bancos que detinham o controle das corretoras, de certa forma, relutaram ao máximo. Mas o fato de estarmos em um momento em que as plataformas estão se multiplicando confirma que a arquitetura aberta veio para ficar. Mas, como todos os setores da economia brasileira, há uma tendência ao monopólio. O mercado de instituições financeiras está concentrado em cinco bancos. No mercado de gestoras, dividido em quartis, a maior gestora tem R$ 1 trilhão sob gestão e as outras 150 do ranking têm R$ 1,5 bilhão. Cerca de 60% do volume sob gestão estão concentrado nas cinco maiores gestoras. Talvez estejamos repassando esse modelo para as plataformas.

IIEntão devemos caminhar para uma concentração em poucas?
DR – Acho que o mercado, e principalmente a ponta final, que é o cliente, tende a ganhar com a maior concorrência e a maior oferta não só de produtos mas também de serviços. Mas tenho minhas dúvidas. Sem dúvida nenhuma, o espaço para mais ou menos plataformas vai depender do crescimento da economia e da formação de poupança interna. Infelizmente, o crescimento da poupança interna, nas últimas décadas, tem sido bastante limitado. Então, temos um rouba-monte, uma plataforma brigando com a outra ou oferecendo condições mais favoráveis aos agente autônomos para que eles troquem de plataforma.

IIParte desse rouba-monte não vem da poupança?
DR – Hoje, você ainda tem uma forte concentração dos recursos investidos dentro das instituições financeiras, cerca de 90% a 95% dos investimentos estão vinculados aos bancos, incluindo a poupança. Pode ser que o aumento de plataformas gere uma migração de parte desses recursos e possamos equiparar o mercado brasileiro ao norte-americano, onde a proporção é inversa.

II A Abaai tem defendido a portabilidade dos investimentos. Como isso funcionaria?
FA – Nossa demanda em relação à portabilidade é que se equipare ao que existe hoje com a previdência. Os recursos de previdência que estão em uma instituição são transferidos para outra se o cliente quiser. No que tange ao investimento, isso não é possível. Quando falamos em portabilidade de investimento, falamos em dar a liberdade ao cliente de optar, seja por questão comercial, seja por prestação de serviços ou por qualquer outra razão, de sair de uma instituição financeira ou de uma plataforma e ir para outra, sem que isso gere nenhum ônus. O que acontece hoje em dia é o investidor ter de resgatar uma cota de um fundo, pagar imposto de renda, e reaplicar em outra instituição, no mesmo fundo. É uma contradição.
DR – A questão da portabilidade dos investimentos é uma, entre as 11 pautas prioritárias que nós elencamos como fundamentais para trabalharmos neste ano.

II Quais seriam as outras?
DR – Uma é a questão das taxas de fiscalização cobradas pela CVM dos agentes autônomos. Essa taxa, cobrada trimestralmente, está discrepante em relação ao crescimento do número de agentes autônomos nos últimos anos. No caso de pessoa física, está em torno de R$ 635, e para a pessoa jurídica é de R$ 1.270. Se pegar, por exemplo, um escritório com 20 sócios e multiplicar pela taxa de pessoa física, mais a taxa jurídica, esse escritório vai recolher para CVM como o Bradesco, Itaú, como instituição financeira, ou como uma gestora com R$ 100 milhões sob gestão. Então, essa taxa está descasada da realidade do negócio do agente autônomo de investimentos. Pleiteamos na CVM a revisão desses valores.

IIOutra questão que vocês estão discutindo é o enquadramento no Simples Nacional. Os grandes escritórios não ficariam fora desse enquadramento?
FA – Dos 1.200 escritórios em atividade, tem 30 a 50 no topo da pirâmide que já atingiram um patamar de faturamento que os colocaria fora do Simples Nacional, mas a grande massa são escritórios em formação, no máximo médios, e a carga tributária desses escritórios é muito elevada, impactado pelo imposto de renda e pela obrigatoriedade de ter que enquadrar o agente autônomo como sócio da empresa.