A versão do Opportunity

Edição 96

Maria Amália Coutrim, do Opportunity

A diretora do Opportunity, Maria Amália Coutrim, explica em entrevista exclusiva à Investidor Institucional as origens dos desentendimentos do banco com os fundos de pensão. Esses desentendimentos, que desde o ano passado se tornaram públicos e ganharam as manchetes das revistas e jornais, tem como base a forma de administrar as empresas compradas pelos dois fundos de private equity do Opportunity nos leilões de privatização. “Somos gestores de fundos de private equity que têm 10 anos e, em todo fundo de investimento, sendo de private equity ou não, o gestor é quem manda”, exclarece Maria Amália. Veja, a seguir, os principais trechos da sua entrevista:

Investidor InstitucionalAs desavenças entre o Opportunity e os fundos de pensão são hoje públicas. Como o Opportunity analisa o relacionamento com os fundos de pensão?
Maria Amália Coutrim – Não dá para conversar se não for compreendido o que o Opportuniy faz, o que nós somos e a origem das nossas desavenças. Somos gestores de fundos, com 2 fundos sob nossa administração: o CVC Opportunity, nacional, do qual a Previ é uma das maiores cotistas; e o CVC internacional, que tem o Citibank Adventures Capital como único cotista. Esses fundos investem de uma maneira paralela, nos mesmos negócios, começaram e vão acabar no mesmo período. Em conseqüência de uma prática norte-americana, que exige que o gestor entre também com investimentos, o Opportunity tem 0,36% desses fundos de longo prazo. Essa exigência é para amarrar o gestor ao fundo até o final da operação. Daí vem essa história de que o Opportunity tem 0,36% e manda. O Opportunity não manda porque tem 0,36%, ele detém essa participação porque é como se amarram, nos EUA, os gestores. O Opportunity manda porque foi contratado para isso.

IIQuer dizer, o controle dos negócios do fundo não depende da participação acionária?
MAC – Isso mesmo. Essa história de que nós mandamos com o dinheiro alheio demonstra falta de conhecimento. Mandamos com o dinheiro alheio porque fomos contratados para isso. Somos gestores de fundos de private equity que têm 10 anos e, em todo fundo de investimento, sendo de private equity ou não, o gestor é quem manda.

II Para o investidor americano, ter o controle sobre as decisões do fundo não importa?
MAC – Não, isso é função do gestor. O que o investidor americano quer é que o gestor fique à frente do fundo até o final. Por isso ele exige que o gestor também coloque dinheiro. Dizendo de uma maneira bem vulgar, é uma maneira de ter o dinheiro do gestor “ardendo” lá, junto com o dinheiro do investidor.

II Em que investem esses dois fundos?
MAC – O desenho dos nossos fundos previa investimentos em empresas de monopólio natural ou monopólio, porque são mais rentáveis, que estivessem no segmento de infra-estrutura porque a demanda reprimida no Brasil é muito grande, e finalmente que permitissem participação no controle, o que obriga o gestor a contratar o executivo, indicar pessoas para o conselho de administração, indicar pessoas para o conselho fiscal.

IIHá acusações de que o Opportunity só indica pessoas ligadas ao próprio banco para essas empresas.
MAC – Vamos pegar um exemplo. Nós indicamos o Henrique Neves para presidente da Brasil Telecom. O Henrique Neves fez a carreira dele toda na Shell, com 20 anos na empresa. Nós o convidamos porque preferíamos profissionais de multinacionais, que são mais preparados para reportar à matriz e, portanto, são pessoas preparadas para se reportarem também aos sócios – e nós somos sócios. Contratamos o Henrique Neves e depois de um ano os fundos falam: “é gente do Opportunity”. Vamos pegar outro exemplo. Contratamos a Carla Ticco, com passagem por diversas empresas, inclusive na Telecom Itália, e que trabalhou até na China. Ela tem uma bagagem enorme em telefonia e também vai trabalhar na Brasil Telecom. Aí as fundações dizem: a Carla Ticco é gente do Opportunity. Eu pergunto: o Henrique Neves e a Carla Ticco são do Opportunity? Não, são profissionais com uma carreira brilhante, que trabalham um mês no Opportunity e já levam um carimbo do Opportunity.

II Isso atrapalha a gestão?
MAC – Isso torna as coisas muito complicadas! Pelos fundos de private, quem nomeia nas empresas nas quais participamos do controle somos nós. Nomeamos o diretor-presidente, que faz a equipe dele, porque não gostamos de equipe segmentada. Mas, além dos investimentos dos fundos do Opportunity, as empresas também recebem investimentos diretos das fundações. Isso está no nosso regulamento, o investidor de fundação pode ter cotas do fundo e também pode botar mais dinheiro e investir diretamente na companhia, como co-investidor. E é nessa parte, onde eles detêm participações diretamente, que eles indicam os membros do conselho de administração e do conselho fiscal. O Opportunity não tem nada a ver com isso, nessa parte os fundos de pensão são nossos sócios e não cotistas.

IIQuer dizer, vocês indicam os membros executivos e as fundações os membros dos conselhos?
MAC – Nós detemos o controle das companhias com base em um acordo de acionistas, que não permite divergências, e controlamos as companhias em função desse acordo. O que vem acontecendo é que nossos sócios não respeitam o acordo e aí fazem o controle da companhia na hora da reunião, com base nas participações de co-investidores. Então, o controle da companhia muda de mãos na hora da reunião. A nossa preocupação é fazer com que o acordo seja respeitado.

IIEsse modelo de investimento, uma parte pelo fundo e a outra diretamente, vale para todas as empresas?
MAC – Sim, para todas. Falam que o Opportunity tem várias cascas, que comanda as empresas com várias cascas. Desde o nosso primeiro investimento, que é a Santos Brasil, o modelo é o mesmo. Os fundos de private equity são a primeira linha do nosso investimento. Então, para cada empresa colocada no fundo foi feita uma reunião de comitê técnico, um comitê dos fundos de pensão e outro do investidor estrangeiro, e outra reunião no comitê de investimento, com participação dos investidores. Todas as empresas no portfólio foram aprovadas em comitê técnico, com deliberação posterior em comitê de investimento, com a presença dos fundos de pensão e dos investidores estrangeiros. Para controlar o investimento a gente cria uma empresa em que esses dois fundos e o gestor vão ter participação, mas quando chega a hora da privatização dizemos ao investidor institucional: você quer botar mais um dinheiro? Se ele quer, ele entra em uma outra empresa, juntamente com os fundos e com algum investidor estrangeiro.

IITodos os negócios dos fundos tem esses co-investidores, institucionais e estrangeiros?
MAC – Sim, todos os nossos negócios têm, o único que não tem investidor direto estrangeiro é a Santos Brasil, que é o porto de contêineres. No metrô, o nosso co-investidor é o fundo de pensão Valia e o nosso investidor estrangeiro é a Cometrans, eles são argentinos; na Sanepar o nosso co-investidor é a Funcef e o nosso investidor estrangeiro é a francesa Vivendi; na Brasil Telecom, os co-investidores são Previ, Sistel, Telos e Petros e nosso investidor estrangeiro é a Telecom Itália; e na celular os nossos co-investidores são os quatro que já valei e o nosso investidor estrangeiro é a canadense TIW.

IIVocês controlam a partir do acordo de acionistas?
MAC – Sim, e não existe essa história de que há um monte de empresa casca e que tudo foi feito para termos o controle com apenas 0,36%! Temos várias etapas societárias, de maneira que se possa ter, numa empresa, a composição acionária dos fundos, do co-investidor, e do sócio estrangeiro. E é essa empresa que compra a empresa que você deliberou no comitê de investimento. Isso tudo foi amplamente divulgado nas reuniões de comitê de investimento.

IIMas, no final das contas, vocês mandam com 0,36%.
MAC – A realidade é que somos gestores de recursos e as fundações são cotistas nos nossos fundos e são também sócias nas empresas em que temos participação no controle. Nós indicamos a parte que os fundos de private têm obrigação de indicar, porque está no nosso regulamento, e os fundos de pensão indicam proporcionalmente na parte em que eles são sócios. Quando eles entraram no fundo assinaram uma promessa de subscrição e, ao deliberarmos o investimento, eles sabiam da composição acionária. Enfim, tudo isso é plenamente comprovável. Não estou fazendo nenhuma acusação e nenhuma defesa, estou me baseando em documentos, em contratos.

II Essa polêmica toda azedou a relação do Opportunity com os fundos de pensão. O Opportunity poderia rever o contrato desses dois private equity para não atrapalhar seus negócios com os fundos de pensão em outras áreas?
MAC – Eu não poderia fazer isso. Preciso pensar no investidor estrangeiro que colocou mais de US$ 500 milhões conosco, tomando como base todo esse desenho que estou relatando.

IIQual é o montante total dos investimentos desses dois fundos?
MAC – US$ 1,1 bilhão, dos quais a participação do fundo estrangeiro é um pouco maior. Eu assinei um partnership agreement, assinei um TPM, assinei vários documentos com meu fundo estrangeiro, que eu investiria e desinvestiria junto, dentro desse modelo. Eu tenho cotistas que não são só a Previ, tenho outras fundações e investidores estrangeiros que exigem de mim o seguinte: o que eu comprei eu quero que seja respeitado. Portanto, não posso no meio do processo, ao bem do meu negócio, mudar porque algum fundo de pensão não está contente.

IIMas a briga com a Previ não é muito dura?
MAC – Mas eu não posso chegar para o investidor estrangeiro e dizer: olha, você tem que entender que o Opportunity é um gestor de recursos, que os fundos de pensão são parceiros importantíssimos e eles não gostaram deste modelo. Na época, eles assinaram uma promessa de subscrição, concordaram com o estatuto do fundo, rubricaram todas as páginas, sabiam que era um fundo de oito anos, que o gestor tinha todos os poderes, mas agora mudaram de posição e querem rever! Eu não posso falar isso, porque o meu investidor estrangeiro vai dizer: ‘eu não me importo com a continuidade do seu negócio, eu me importo é com o meu investimento. O que você me vendeu é que eu compraria esse investimento, eu participaria no controle e no fim de 8 anos eu teria um “x” de retorno por isso, então estou na expectativa desse retorno. Foi isso o que você me vendeu’.

IIA insatisfação é só da Previ?
MAC – A insatisfação é só de quem tem investimento direto: Previ, Telos e Petros, sendo que essa última nem é cotista, tem apenas uma pequena parcela de investimento direto. Pode querer exigir?

IIE qual a posição das fundações menores, que são cotistas?
MAC – Elas estão do nosso lado, sempre. Tem o fundo estrangeiro que está do nosso lado, sempre, e inclusive ele nos elogia. Então, nós resistimos bravamente, porque você há de convir que enfrentar uma briga com a Previ não é fácil, não tem sido fácil, principalmente uma briga pela imprensa.

IIE como está o relacionamento com a Itália Telecom?
MAC – Era tudo muito perfeito, mas mu-
dou quando eles quiseram pagar mais pela CRT e quando impediram a Brasil Telecom de participar do leilão do SND. Depois de pareceres de desembargadores e de advogados famosos, a Brasil Telecom vai propor em assembléia a responsabilidade dos dois conselheiros da Brasil Telecom pelo caso da CRT e pelo impedimento em participarmos do leilão do SND. Então, a Itália Telecom vai se ter a sua responsabilidade apurada.

II Essas várias brigas não contaminam o relacionamento?
MAC – O relacionamento é uma coisa que nós vamos ter que conviver, o que não pode é atrapalhar o desempenho das companhias, porque, depois que tudo isso passar, o que ficará é o quanto nós demos de rentabilidade aos nossos investidores.

IIComo está a rentabilidade dos fundos de private equity?
MAC – A rentabilidade ainda não é demonstrada, porque os private equity não têm uma legislação específica. Por isso, tudo o que compramos fica à custo. Mas a legislação lá fora é diferente, ela admite que se faça um fluxo de caixa descontado com uma projeção de 20 anos para valor presente, considerando o risco do negócio e o risco Brasil. Aí se usa um múltiplo de saída comparando com empresas num nível internacional e dando-se um ágio em relação a participação de controle. Nós contratamos a Deloitte para fazer essa avaliação e o resultado foi muito positivo. Ainda não a tornamos pública porque não foi colocada no balanço do fundo internacional, mas vamos propor isso.

IIPode falar desses resultados apurados pela Deloitte?
MAC – Faremos uma reunião no dia 19 ou 20 com todos os cotistas e com todos os presidentes das companhias, onde apresentarei, pela primeira vez, essa avaliação do Deloitte.

IIOs resultados da avaliação superam as projeções dos business plans das companhias, na época da avaliação de compra?
MAC – A maioria sim. A única que não supera é a Santos Brasil, mas eu diria que no terceiro ano ela vai chegar lá. A Brasil Telecom comprou a CRT, a Telemig acrescenta 100% na planta todo ano. Essas empresas não são nem o dobro do que a gente comprou, já são quatro vezes o que a gente comprou. É maravilhoso!

IIMudando um pouco de assunto, o Opportunity é acusado de oportunismo por ter cobrado numa carteira de ações da Petros, três anos atrás, taxa de performance a partir de um benchmark de renda fixa.
MAC – O que cobramos naquela carteira é o que a gente cobra até hoje, uma pequena taxa fixa e uma performance em cima do IGP mais 6%. O trabalho que fizemos naquela fundação envolvia mais do que simples administração de carteira, envolvia também orientação. Foi um trato: como o montante da carteira era muito grande, tivemos que contratar analistas para a fundação, treinar analistas, dar cursos tanto acadêmicos quanto cursos com aulas práticas. Na época nós fizemos 111 reuniões na empresa, com produção de relatórios em conjunto, e com aquela orientação que a gente dava a Petros administrava o restante da carteira dela, que era muito maior do que a parte que terceirizava.

IIQual o resultado dessa carteira?
MAC – Se ela continuasse conosco teria ganho mais. Comparando com o desempenho do nosso fundo Lógico, que tinha basicamente a mesma composição que a carteira da Petros, eles deixaram de ganhar mais de R$ 1 bilhão entre janeiro/99 e novembro/2000. Em dezembro/98 a carteira da Petros era de R$ 800 milhões, chegou a R$ 2 bilhões em dezembro/99 e caiu para R$ 1,9 bilhão em novembro/2000. Já uma aplicação de R$ 800 milhões no Lógico teria resultado em R$ 3,1 bilhões em dezembro/99 e em R$ 3,3 bilhões em novembro/2000.

IIA administração da carteira da Petros seguia a mesma política desse fundo Lógico?
MAC – Sim, e tinha inclusive a mesma taxa líquida de administração.

II Hoje a SPC proíbe o uso de IGP numa carteira de renda variável. O que acha disso?
MAC – Pessoalmente, eu acho isso uma besteira. O que a fundação devia se preocupar é em não descasar ativo e passivo, e o passivo da fundação é ou INPC ou IGP mais 6%. Qual deveria ser o objetivo do administrador? Ganhar desse índice, está certo? Eu falei para a dra. Solange, da SPC, que se você tivesse uma carteira de ações indexadas ao Ibovespa, que no ano passado caiu 18% em dólares, você teria que pagar performance com uma queda de 15% em dólares no seu portfólio. Por quê? Porque o seu investimento rendeu mais do que o indexador, e além de tudo você estaria descasado com o seu passivo. Então, nos nossos prospectos não temos performance em Ibovespa, a gente usa, até hoje, performance em IGP.