Edição 358
Eleita no final de junho para a presidência da Abvcap, a associação que reúne os gestores de fundos de private equity e venture capital, Priscila Pereira Rodrigues é a primeira mulher a dirigir essa entidade. Sócia da Crescera Capital, gestora com cerca de R$ 6 bilhões em ativos, ela atua há mais de vinte anos no segmento de capital de risco, com passagem por casas como Merrill Lynch, Pacific Investments, Bank of America e Banco Genial. Segundo Rodrigues, a fórmula para o Brasil atrair capital internacional de investimentos passa por um arcabouço fiscal simples e regras de tributação estáveis. Veja, a seguir, os principais pontos abordados por ela na entrevista à Investidor Institucional:
Investidor Institucional: Porque você resolveu se candidatar à presidência da Abvcap?
Priscila Pereira Rodrigues: Eu já estou no segundo mandato no Conselho da Abvcap e acompanho há alguns anos os desafios de crescimento da indústria de private equity e venture capital como um todo, assim como a importância de gestores dedicarem um pedaço do seu tempo para ajudar a fomentar essa classe de ativos. No último mandato fui conselheira, uma das conselheiras eleitas pela Abvcap, e desde então assumi o desafio de ter um pouco mais de protagonismo, mostrando para um grupo de mulheres que é possível ter lideranças que representem não apenas qualidades do ponto de vista de execução mas também que possam ser referência do ponto de vista da diversidade.
Como foi sua indicação para comandar esse segmento, sendo a primeira mulher na presidência da entidade?
A eleição do presidente da Abvcap é feita pelo Conselho Deliberativo e nos dois últimos mandatos a presidência tinha ficado com o Piero (Minardi), que é de uma gestora internacional. A gente viu que fazia sentido um processo de rodízio, voltar a ter um representante de gestora nacional à frente da Abvcap. E também fazia sentido, do ponto de vista dos desafios de diversidade colocados para a associação e da minha vontade de colaborar, ser eu essa pessoa.
Qual a participação das mulheres hoje na Abvcap?
Hoje são três mulheres no Conselho, de 12 conselheiros. Mas a participação tem crescido, pouco a pouco. Existem hoje mais mulheres no mercado financeiro do que aparenta, mas elas acabam não aparecendo tanto. Então a gente tem impulsionado bastante essa questão junto às gestoras, junto às empresas investidas, para buscar um pouco mais de diversidade de gênero para todas as companhias.
Falando um pouco de cenários de investimento, o mercado já precificou que o Copom deve reduzir a taxa de juros em sua próxima reunião. Como isso vai impactar o setor de private equity?
A classe de ativos de private equity, e quando falo de private equity me refiro também a venture capital e outros alternativos, tem crescido em importância no Brasil nos últimos anos. É inegável o impacto dos fundos de private equity nas diversas companhias investidas, gerando desenvolvimento dessas companhias, construção de governança e crescimento econômico como um todo. Mas o cenário de juros altos, mais do que qualquer outra coisa, compromete a capacidade de fund raising da indústria de private equity, a capacidade de crescimento das investidas, a gestão de risco dos negócios, as discussões de valuation, o plano de negócios das empresas. Então, para a indústria de private equity a expectativa da queda da taxa de juros é muito boa por todas essas questões que apontei, e não só para a indústria de private equity mas para o país como um todo.
A reforma tributária, que está sendo discutida no Congresso, ajudará na atração de investimentos estrangeiros no País?
O Brasil sempre teve o desafio de explicar o nosso arcabouço fiscal, que é complexo comparado a outros países do mundo. Na hora de alocar capital o investidor internacional faz comparações e nosso arcabouço fiscal sempre foi um desafio desse ponto de vista. Então, qualquer iniciativa para simplificar eu vejo com muito bons olhos. A simplificação tributária elevará o apetite dos investidores e com mais investidores cresce o número de gestores. Isso significa mais capital disponível e, também, mais companhias que se beneficiam desses recursos.
Abvcap pretende aproveitar essa discussão da reforma tributária para tentar resolver a pendência em relação à tributação de cotistas estrangeiros?
A resposta é sim, mas a principal questão é ter uma real transparência, uma real clareza em relação a como funciona essa tributação de ganho de capital para os investidores estrangeiros. A regra precisa ser muito bem definida e transparente, para que o cotista estrangeiro saiba que ao alocar capital no Brasil, por 7 ou 8 anos, no desinvestimento a tributação sobre o ganho de capital esteja bem definida. Achamos que o investidor estrangeiro tem que ser isento na tributação sobre ganho de capital, qualquer que seja sua participação no fundo, porque ele recolhe na sua jurisprudência. Não pode ter cobrança dupla.
Parece que só é isento cotista com, no máximo, 40% de participação? Qual sua posição?
A indústria sempre solicitou que não tivesse nenhum tipo de restrição em relação à participação, porque já existe tributação de ganho de capital na jurisdição de cada um desses investidores. O que tem sido discutido bastante nos projetos de lei e nas discussões de CARF é em relação à segurança jurídica, para realmente conseguir ter a assertividade de que a regra que está hoje descrita é a que será aplicada no processo de desinvestimento.
Como os investidores estrangeiros estão vendo a economia brasileira, as reformas? Os estrangeiros estão interessados em investir no País?
A gente tem visto até um certo apetite, mas não diretamente na indústria de private equity, é mais dos investidores em Bolsa. Na indústria de private equity e venture capital acho que o mais importante ainda é a questão da regulação e da segurança jurídica. A gente precisa, como sociedade, mostrar mais avanços para que esse volume todo de capitais globais volte a investir no Brasil de uma forma mais duradoura e a longo prazo.
Que setores da economia brasileira atraem mais o interesse dos gestores globais de private equity?
A indústria de private equity e venture capital investe em diversos setores, alguns gestores são focados em setores específicos e outros são mais generalistas. Nossa indústria agro é muito relevante, mas o setor de energias limpas tem atraído cada vez mais o interesse dos investidores internacionais. A gente tem visto, por exemplo, aspectos de renovação de matriz energética que atingem diversos setores, como a indústria de varejo, a indústria farmacêutica, a indústria de educação até a parte da indústria mais pesada de fábricas etc. Então, o mote de energias limpas é transversal a vários setores e o agro vai exatamente na mesma linha. Mas esses são os dois mais em evidência, há vários outros também.
As investigações da Polícia Federal sobre os fundos Sete Brasil e FIP Florestal marcaram muito o setor de private equity junto aos fundos de pensão, a ponto de várias entidades colocarem vetos a investimentos nesse setor em suas políticas de investimento. Como mudar essa imagem junto aos fundos de pensão?
Tem um trabalho importante que a Abvcap deve fazer junto aos comitês de investimento dos institucionais brasileiros para mostrar que a correta seleção de gestores, gente que consegue entregar um resultado bastante importante do ponto de vista de construção de portfólio e de retorno, é o mais importante. Na Abvcap tem muitos gestores cujos processos de investimentos são o que a gente chama de estado da arte em qualidade e compliance. Gente que não tem nada a ver com os exemplos que você acabou de citar, que acabaram se servindo de uma estrutura de FIPs para fazer práticas talvez não corretas.
Você se refere à que esses fundos que eu citei eram fundos com um único ativo e que, talvez, nem pudessem ser citados como verdadeiros FIPs?
Não, não. Eles fizeram investimentos como FIPs. Na estrutura regulatória é o mesmo tipo de veículo, mas adotaram práticas não corretas. Não temos nenhuma restrição a FIPs de ativo único, cada gestor tem a sua filosofia de investimento. Tem gestor que tem FIPs de construção de portfólio mais amplo e outros individuais.
Na sua opinião o FIP de ativo único não é um problema?
Eu acho que são coisas diferentes. Na Abvcap a gente trabalha com a indústria de gestão. O mais importante é ter uma gestão profissional. Se você tem um gestor que é contratado por um grupo de investidores para seguir uma regra que foi definida no regulamento do investimento, então a quantidade de ativos é irrelevante.
O que pensa da prática que vigorou nos últimos anos de fundos de pensão exigirem ter um membro no comitê de investimentos do fundo?
Os FIPs, ou os veículos que fazem investimento na estrutura dos FIPs, são compostos por uma série de investidores que alocam capital e dão ao gestor a decisão discricionária de decidir sobre esses investimentos. Quando você tem uma estrutura híbrida, onde um grupo ou um desses investidores participa do processo decisório no comitê de investimentos, na minha leitura isso pode afastar o interesse de outros investidores que estão acostumados com práticas onde seleção e processo de investimento acontece com o gestor. É o caso dos investidores internacionais. Eles não aceitam colocar capital para que outros investidores do fundo tomem a decisão por eles. Quanto mais internacional for a indústria, do ponto de vista de melhores práticas, mais mal recebida é a participação de investidores nas decisões.
Qual sua posição em relação a aportes mínimos por parte do gestor, para mostrar alinhamento de interesses?
O alinhamento de interesses do gestor com o investidor é sempre positivo. Vai desde um acordo de remuneração por performance dos investimentos, para ter todo mundo olhando e nadando na mesma direção, até aportes do gestor no fundo. Mas isso pode ser feito de diversas formas, uma é também ter capital do gestor mas não é a única. Quanto mais alinhamento tiver, melhor. Mas um desafio em relação a essa alocação são os entraves aos first time funds managers, ou seja, gestores que estão lançando seus primeiros fundos. Eles podem não ter capital necessário para lançar o fundo. Acho que isso depende, claro, do volume sendo captado e do pré-requisito mínimo e máximo de capital a ser disponibilizado.
O ativo private equity é um ativo importante na carteira dos fundos de pensão globais. No Brasil ainda estamos longe disso. O fundo de pensão brasileiro vai caminhar na direção de uma participação maior de private equity no portfólio?
Alocadores de recursos de longo prazo,como os fundos de pensão, normalmente buscam retornos de 20, 25, 30 anos. Eles possuem um passivo que tem bastante tempo para buscar os resultados. Nos EUA, ou em outros países fora do Brasil, essas alocações de longo prazo acabam buscando retornos superiores aos oferecidos pelos investimentos de curto prazo. Por isso é que tem tanta alocação de fundo de pensão, seguradoras, endowments, investidores com um horizonte de tempo de investimento bastante longo. Os fundos de pensão brasileiros poderiam ter um percentual muito maior nessa classe de ativos, só que esse processo é evolutivo. Você não consegue mudar significativamente essas alocações do dia prá noite. Você tem que participar de diferentes programas, anos versus anos, a cada ano vai alocando um pouco mais até chegar no que talvez seria um alvo de construção de portfólio. Tem que fazer alocações contínuas por vários anos, é o que a gente chama de diversos vintages de gestores.
O surgimento no Brasil de algumas gestoras atuando no mercado secundário de private equity, o que eleva a liquidez desses ativos, pode contribuir para sua difusão junto aos institucionais?
Ajuda bastante, uma vez que um dos limitadores da indústria de private equity e venture capital é sua baixa liquidez. Você aloca capital num fundo que fica fechado por anos até ter desinvestimento. Globalmente, há players muito grandes atuando no mercado secundário de private equity e de alguns anos para cá vem crescendo no Brasil o número de gestores de fundos dedicados ao mercado secundário, que operam fundo de fundos e dão liquidez aos investidores antes do desinvestimento. Isso tende a fomentar o apetite de investidores em alocação de private equity e venture capital. Quando a gente olha o mercado brasileiro, com o aumento de pessoas físicas, de multi family offices, single family offices participando dessa classe de ativos, é importante oferecer a eles uma alternativa de liquidez intermediária.
O mundo, após a Covid 19 e com a guerra na Ucrânia, vem reorganizando suas cadeias produtivas em novas bases e novas regiões. O Brasil pode ter um protagonismo nisso? Qual a importância dessa reorganização para a indústria de private equity?
Podemos ter maior protagonismo nesse processo de mudança das cadeias produtivas mundo afora, desde que a gente dê transparência de quais são as regras (de tributação), que tenha um arcabouço fiscal mais clarificado, a questão regulatória mais definida, sem impacto de aumento de tributação total. A gente se posicionando corretamente nisso, isso trará mais investimento para o Brasil. E quanto maior for a nossa economia, mais apetite haverá por parte de gestores para alocação de private equity no Brasil.