A crise atual pode durar até seis anos | Para o consultor Walter ...

Edição 125

Walter Mundell, da W. Mundell Consultores

O consultor Walter Mundell, da W. Mundell Consultores, está pessimista sobre as perspectivas de curto prazo do Brasil. Segundo ele, “a economia mundial ainda vai mais para o fundo e, enquanto a economia mundial estiver indo para o fundo, o volume de comércio internacional vai estar caindo e o Brasil não vai poder crescer”. Após um período de quase um ano fora do mercado, desde que deixou a Lloyds Asset Management, quando ela foi vendida ao Itaú, Mundell resolveu montar sua própria consultoria, especializada na gestão de investimentos para o mercado institucional. “Nós não administramos dinheiro de cliente, só vendemos a nossa opinião”, ressalva. Veja, a seguir, os principais pontos de uma entrevista que deu à Investidor Institucional:

Investidor InstitucionalO que deu errado no modelo econômico brasileiro?
Walter Mundell – O que deu errado é que nós nos atrasamos nas reformas estruturais, tanto nas constitucionais como é o caso do regime de previdência do setor público quanto nas infra-constitucionais, como são os casos dos arranjos referentes à reforma fiscal, tributária e política, para citar algumas.

IIPorque o mercado se tornou, de repente, tão negativo?
WM – Durante o primeiro governo Fernando Henrique nós não fizemos praticamente nada, a não ser comemorar uma inflação baixa, derivada principalmente de uma taxa de câmbio artificial. Também fizemos a privatização da telefonia, que foi uma privatização muito bem sucedida, mas as outras privatizações não andaram, notadamente a do setor elétrico. Outro aspecto positivo foi uma manutenção saudável do sistema financeiro na transição do regime de inflação alta para inflação baixa. Mas o primeiro governo precisava ter feito muito mais.

IIEm que aspectos?
WM – A era de fartura de capital de risco para países emergentes já estava acabando no primeiro governo do Fernando Henrique. Esta explosão de capital de risco para os países emergentes começou na década de 80, por volta de 1985 a 1986, e foi até 1995/1996, praticamente 10 anos. Logo ao tomar posse, o presidente Fernando Henrique teria que ter feito rapidamente as reformas para enfrentar uma conjuntura mundial de dificuldade de financiamento para países emergentes.

IIQuais as conseqüências dessa omissão?
WM – O resultado foi que o País foi levado pelo mercado a fazer uma desvalorização cambial em 1999. Embora hoje o governo diga que foi ele que mudou o regime cambial, o que aconteceu foi que o governo fracassou na manutenção do regime cambial anterior.

IIComo avalia o segundo governo Fernando Henrique?
WM – Esse foi um governo muito bom. O modelo que nós adotamos, de uma taxa de câmbio flutuante junto com um regime de metas de inflação e superávit fiscal, foi muito bom. Mas o problema é que o incêndio já havia começado, a escassez de capital já era muito grande, começou em 1997 com a crise da Ásia, depois em 1998 houve a crise da Rússia e a crise do LTCM, depois a Argentina começou a quebrar, junto com a Turquia, e nós mergulhamos nesta crise que estamos hoje.

II Qual a gravidade da crise atual?
WM – É uma crise extremamente grave, mais grave até do que as pessoas normalmente admitem. Na minha opinião pode durar todo o governo Bush, até três, quatro, cinco ou seis anos. É um período de desconfiança muito grande com relação à qualidade institucional do governo norte-americano, com a Europa crescendo muito pouco e o Japão estagnado e podendo até decrescer.

IIQuais os reflexos disso para o Brasil?
WM – Todos os países emergentes que não têm balanças comerciais saudáveis, ou que não conseguem aumentar o PIB sem aumentar muito a importação, que é tipicamente o caso do Brasil, estão condenados a crescer muito pouco nos próximos anos e a ter políticas fiscais cada vez mais apertadas, para restaurar a confiança do investidor na sua capacidade de pagamento. É um quadro muito ruim para o Brasil.

IIO próximo governo poderá mudar esse quadro?
WM – Eu acho que o Brasil não, vai haver uma grande decepção com a capacidade do próximo presidente fazer algo, seja quem for. Não dá para fazer praticamente nada, a não ser que a gente faça uma verdadeira mudança histórica no sentido de quebrar contratos, fechar a economia de novo, coisa que eu não acredito que aconteça, seria um retrocesso histórico fabuloso…

IIO que dá para fazer?
WM – O que o próximo governo vai ser obrigado a fazer será aumentar o superávit fiscal, preferencialmente sem aumentar impostos e cortando gastos, ou seja, o contrário do que todos esperam. O próximo governo vai tentar baixar as taxas de juros na marra, mas o juro longo só vai baixar quando a gente fizer uma reforma fiscal e aumentar o superávit fiscal, enquanto isso não for feito a economia não cresce. O que faz a economia crescer ou parar de crescer não é o governante, é o juro longo, não é a taxa do Banco Central, é a taxa de juros de 6 meses, 1 ano, de financiamento para empresas.

IIOnde está a saída?
WM – Esses dois candidatos não são fanáticos por privatização, mas uma saída seria fazer uma privatização agressiva dos bancos que faltam privatizar, das empresas de saneamento.

IIMas, no momento, haveria investidores dispostos a comprar?
WM – Eu acho que sim, inclusive investidores nacionais, num modelo mais coreano do que argentino. Acho que existe capital brasileiro que poderia comprar essas empresas, inclusive o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, a Sabesp e todas as empresas de saneamento.

IIVocê acha que isso pode acontecer?
WM – Acho que não, porque os dois candidatos são, digamos, de centro-esquerda.

IIDe onde virá a próxima onda de investimentos?
WM – Nós não vamos ter, tão cedo, uma onda de investimentos no Brasil. Os investimentos estrangeiros cessaram praticamente no mundo inteiro, por causa da recessão mundial, por causa dos riscos do governo norte-americano, por causa dos riscos da América Latina. O estado brasileiro não tem mais a capacidade de investir, porque nós não fizemos a reforma fiscal, nós não fizemos a reforma tributária, não fizemos reformas constitucionais. O empresariado nacional não tem como investir, porque não tem financiamento e não temos mercado de capitais para alavancar investimentos. Então, nós estamos mal, muito mal… O país, praticamente, não tem opções a não ser esperar a tempestade mundial passar, da melhor maneira possível, ou então partir para a ruptura.

IIVocê acha que há chance de se partir para uma ruptura?
WM – Eu acho o seguinte, nenhum dos dois quer partir para a ruptura, mas talvez eles sejam forçados a isso se a taxa de câmbio for para 5 reais ou 6 reais.

II Isso poderia ser feito nesse governo ainda?
WM – Esse governo não vai fazer isso! Por quê? Porque o Armínio nunca faria isso, é um cara pró Wall Street. Mas o próximo presidente que assumir poderá ser forçado a centralizar o câmbio, mesmo que não queira.

II Na sua opinião, seria uma medida legítima?
WM – Totalmente legítima. Ela é legítima porque a situação internacional não permite que, através do fluxo normal de capitais, a taxa de câmbio encontre algum equilíbrio. O que estou falando não é que é legítimo fazer moratória, isso não concordo. Agora, o que eu acho é que talvez ocorra centralização cambial muito mais como uma imposição dos estados do que como um desejo de política econômica.

IIComo você avalia os problemas causados pela marcação a mercado?
WM – Acho que o gestor deve cumprir a política de investimentos do fundo. Todo fundo tem uma política de investimentos clara e, se essa política de investimentos diz uma coisa, essa coisa deve ser cumprida. Se o sujeito falou que o fundo vai fazer uma alavancagem de, no máximo, 20% e o fundo faz, de repente, uma alavancagem de 40%, o gestor não está cumprindo a política de investimentos e tem que ser punido. A segunda coisa é que, em qualquer mercado decente, o fundo de investimentos é um instrumento de médio e longo prazo, sujeito a oscilações de cotas, e deve ser marcado a mercado, exceto os fundos de money market. No Brasil, por falta de fundos de money market, as pessoas usavam esses fundos de investimento DI para o curto prazo. Então, na minha opinião, a falha foi o BC não haver regulamentado os fundo de curto prazo da maneira tecnicamente correta.