A aposta em Serra | Mesmo com o crescimento da candidatura de Cir...

Edição 120

Bolívar Lamounier, da Augurim Consultoria e Empreendimentos

O cientista político Bolívar Lamounier, que também é diretor da Augurim Consultoria e Empreendimentos, acha que se o Partido dos Trabalhadores (PT) tivesse divulgado antes suas diretrizes econômicas, de forma detalhada e uniforme, o mercado financeiro não teria vivido momentos de fortes oscilações sofridas neste ano. Mas essa medida, no entanto, não seria suficiente para garantir a vitória da oposição na disputa pela Presidência da República. “Eu quero ser bem cauteloso nisso para não parecer chutômetro, mas diria que o Serra ganha a eleição”, diz em entrevista à Investidor Institucional o analista, que foi o organizador do livro de textos jornalísticos e acadêmicos “A Era FHC – Um balanço”, lançado neste ano. As fortes ferramentas que Serra têm como aliadas são o maior horário político eleitoral na TV e a ampla coligação partidária nos estados. Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista:

Investidor InstitucionalQual a situação dos candidatos à Presidência da República?
Bolívar Lamounier – A minha leitura é que há um quadro de polarização entre Serra e Lula, já em processo de consolidação, e que vai apresentar uma diferença no início do segundo turno de algo entre 6 a 8 pontos percentuais a favor do Lula. O que não é uma diferença grande, pois no segundo turno essa diferença tem que ser dividida ao meio, já que o que um ganha o outro perde. Com isso, haverá um equilíbrio no segundo turno entre Serra e Lula. Não quero com isto subestimar os demais candidatos, até porque o Ciro Gomes cresceu bem nas últimas pesquisas, mas como Lula e o Serra têm bases partidárias muito maiores, coligações mais amplas e mais tempo no horário gratuito de televisão, eu acho que o mais provável é um quadro de polarização entre eles no segundo turno.

IIMas as pesquisas já mostraram empate técnico entre Ciro e Serra …
BL – Como há uma margem de erro entre 2% a 2,5%, é possível que em alguma pesquisa possa haver um empate técnico. Mas isso é porque o Ciro teve uma exposição muito intensa por meio da propaganda partidária, em junho. Além disso, tanto ele quanto o Garotinho usaram a tática de atacar o Lula, posicionando-se mais à esquerda, quando o PT caminhou mais para o centro com um discurso moderado sobre a questão do superávit primário. Com isso eles conseguiram, possivelmente, capitalizar algum descontentamento dos eleitores de Lula.

IIQuer dizer, na sua opinião esse empate técnico não se sustenta …
BL – É perfeitamente concebível que haja, talvez durante umas duas semanas, uma proximidade entre Ciro e Serra. Mas, a médio prazo, a margem de apoio do Serra é muito mais ampla. Ele detém o dobro do tempo do Lula na televisão e mais do que o dobro do que terá o Ciro; tem a aliança do PSDB/PMDB, dois dos maiores partidos do Brasil, o apoio declarado de 13 dos 27 diretórios estaduais do PFL e de parte do PPP, além do aval do presidente Fernando Henrique Cardoso.

IIO sr. citou o discurso do Lula, que tornou-se mais moderado em resposta a esta turbulência do mercado financeiro. Na sua opinião, a disparada do câmbio, queda da bolsa e alta do risco-país tem justificativa?
BL – Eu acho muito exagerado. O mercado financeiro começou a encarar como definitiva uma situação que é de início de campanha. Qualquer observador, por mais desavisado que seja, sabe que no Brasil a campanha eleitoral efetiva começa em agosto, com o horário gratuito da campanha na televisão e no rádio. Esses meses de março até junho são o que eu chamaria de uma fase política, antes do período propriamente eleitoral. Até lá, acontecem negociações e a composição das coligações em cada estado. Então, nesta fase, as pesquisas retratam um quadro ainda muito mutável. Não estou dizendo que todo eleitor possa mudar de idéia, mas no mínimo um terço seguramente admite mudar de idéia. No entanto, o mercado tomou a dianteira do Lula, com 40% contra 20% do Serra, como definitiva e começou a deduzir que o Lula já tinha ganho a eleição, quem sabe até no primeiro turno.

IISe a divulgação dos programas econômicos dos candidatos tivesse ocorrido mais cedo, essa crise dos mercados poderia ter sido evitada?
BL – Sem nenhuma dúvida. Eu acho que se o PT tivesse feito isso no segundo semestre do ano passado, com pompa e circunstância, pela voz do próprio Lula e não de um economista ou outro, acho que o País não teria passado por esta turbulência.

IIA desconfiança do mercado teria sido dissipada?
BL – Não, certamente não teria dissipado 100% da desconfiança que os investidores têm em relação ao PT. Isto vai levar mais tempo, até porque o PT é um partido de esquerda, que tem origem num discurso de ruptura. Mesmo na Europa, os partidos revolucionários que passaram a ser social-democratas também demoraram muito tempo para conquistar a confiança plena dos agentes econômicos. Mas o discurso do PT, do final do ano passado e dos primeiros quatro meses deste ano, foi um discurso difícil de interpretar. O investidor, principalmente o estrangeiro, não tem obrigação de ser antropólogo, não tem que ficar adivinhando o que o sujeito está realmente querendo dizer.

IIQuais os fatores econômicos que mais preocupam os investidores?
BL – O que mais preocupa os investidores é o endividamento interno e a taxa de juro elevada, mediante a qual essa dívida é rolada. É isto que gera preocupação no mercado financeiro. Claro que o setor real da economia não está em uma situação brilhante, a taxa de crescimento é baixa, a pressão de preços, principalmente sobre a cesta básica, está aumentando. Entretanto, esses indicadores não afetam muito intensamente o processo eleitoral, haja visto que o presidente Fernando Henrique Cardoso tem um nível bom de popularidade, levando-se em conta que já está no oitavo ano de governo.

IIÉ o medo do calote?
BL – É, por causa da conexão que o mercado faz entre o endividamento e uma leitura equivocada dos números eleitorais. Além disso, há alguns fatores externos preocupantes, como os rumos da economia argentina, os rumos da economia norte-americana e problemas de regulação econômica nos EUA, como foi o caso de fraude na WorldCom. Mas a grande preocupação mesmo é com a dívida brasileira, e é equivocada, porque supõe que a eleição já está praticamente decidida e que o candidato vitorioso não terá a mesma disposição para honrar compromissos.

IIÉ unânime entre os candidatos a defesa da queda da taxa de juro. Quem ganhar vai colocar realmente isso em prática?
BL – A taxa de juro não se reduz da noite para o dia, só porque a gente quer, e qualquer candidato que for eleito terá que examinar as condições econômicas de curto prazo antes de decidir qualquer coisa. Todos os brasileiros com algum conhecimento do assunto, sem exceção, sabem que a taxa de juro é alta demais e dificulta a retomada do crescimento econômico. Mas todos também sabem que reduzir a taxa de juros como uma variável isolada, sem levar em conta o conjunto da engrenagem econômica, apenas geraria mais complicação.

IIUma redução compulsória das taxas poderia causar dificuldades ao País?
BL – Acho que a redução dos juros é uma questão que deve ser deixada ao arbítrio do Banco Central. O BC tem que continuar com o mesmo grau de autonomia que teve nesta administração, para avaliar quando e quanto baixar a taxa de juros.

IIFala-se sobre a permanência de Armínio Fraga à frente do BC. Isso seria viável?
BL –Acho que todos os candidatos deveriam estar empenhados, neste momento, em sinalizar com ênfase para o mercado a sua disposição de não promover rupturas, não frustrar expectativas, independente de suas estratégias de governo. Neste sentido, a garantia de que o BC será dirigido de maneira autônoma por seus diretores, sejam eles quem forem, é um passo muito importante. E, como Armínio Fraga virou uma espécie de símbolo dessa autonomia e competência do BC, essa medida seria muito bem-vinda.

IIO medo que muitos têm de um eventual governo Lula é justificável?
BL – Eu acho que as instituições brasileiras são robustas, o Brasil não é um vazio institucional, nós não estamos num ringue onde qualquer coisa pode acontecer. Então, eu acho que caminhamos a passos largos para uma situação mais estável, com uma alternância democrática entre partidos. Eu apenas constato, porque eu sou realista, que os investidores fazem uma diferença. Na cabeça deles há um candidato, que é o José Serra, que oferece mais segurança, mais previsibilidade do que os outros três. Na cabeça dos investidores a diferença é muito acentuada, então é claro que o risco do país sobe quando as pessoas supõem que o Serra não vai ser o eleito!

IIA instabilidade no mercado financeiro deve continuar até as eleições?
BL – Eu trabalho com uma hipótese um pouco mais otimista. Acho que em duas ou três semanas vai ficar mais clara a polarização entre Serra e Lula, com o Ciro e Garotinho para trás. Na hora que isto for percebido com clareza, acho que o mercado vai se acalmar um pouco. Veja bem, se nós voltarmos a fevereiro, quando a candidatura Serra foi claramente indicada, de lá para cá o Serra cresceu aproximadamente 3 pontos percentuais por mês, de 7% em fevereiro para 20% a 21% hoje. Como hipótese, podemos imaginar numa projeção simples, aritmética, que ele chegue ao início do horário eleitoral gratuito (na última semana de agosto) na casa dos 27%, 28% das preferências dos eleitores. A esta altura, ele terá colocado uma diferença significativa em relação ao Garotinho e ao Ciro.

IIO sr. acha que ele pode ganhar a eleição?
BL – Eu quero ser bem cauteloso nisso para não parecer chutômetro, mas eu diria que sim, acho que o Serra ganha a eleição. Por quê? Porque ele tem uma estrutura de campanha forte e muito bem armada e o dobro do tempo do Lula na televisão. Talvez a principal característica desta eleição de 2002 seja ter uma pauta muito difusa. É muito difícil alguém apontar qual é a questão dominante nesta eleição. Em 1994 era facílima, era a inflação. Desta vez, o que os candidatos discutem quando vão ao FMI, quando vão às entidades, é a necessidade de exportar mais, o que reduzirá a vulnerabilidade e permitirá reduzir a taxa de juro. Mas aí o eleitor já se perdeu, é complicado demais discutir isso com 108 milhões de eleitores, o que aumenta a importância das atividades partidárias na esfera estadual e municipal.

IIPorque aumenta a importância das atividades partidárias?
BL – Porque isso significa ter um número muito maior de candidatos a governador, deputado federal, deputado estadual trabalhando nos estados para ganhar votos para o candidato. Então, o candidato que tenha uma coligação de partidos muito mais ampla, como o Serra, leva vantagem.

IIA atual onda de críticas ao governo Fernando Henrique Cardoso, uma das quais aponta para um aumento da dívida pública de 30% para 56% do PIB desde 1995, afeta a credibilidade do seu candidato junto aos investidores?
BL – Acho que não, até porque o governo Fernando Henrique é muito mais reconhecido lá fora do que aqui dentro. Se você vai ao exterior, para qualquer país, há um nível de prestígio do Brasil muito maior do que em qualquer outro período da história do Brasil, exatamente em função da consistência da política econômica. O aumento da dívida pública se deve a muitos fatores, um deles ao fato de que as dívidas ocultas, os chamados esqueletos, passaram a ser contabilizados.

IIQuer dizer, as dívidas já existiam mas não eram contabilizadas?
BL – Sim, e o governo passou a admitir explicitamente como dívida esses passivos que antes eram escondidos. O governo privatizou bancos estaduais que eram máquinas de fazer endividamento e de clientelismo, o que contribuiu muito para a credibilidade da política econômica interna do Brasil. O próprio PROER, o programa de saneamento dos bancos – que no Brasil muita gente criticou porque não entendeu direito do que se tratava – no exterior é um ativo deste governo. Teve seu preço obviamente, mas o preço de não fazer seria infinitamente maior. Então, a dívida interna é alta porque reflete uma parte que é dívida real e outra parte que é reconhecimento de esqueletos.

IIEla é administrável?
BL – Acho que a soma desses dois fatores, dívida real e reconhecimento de esqueletos, é administrável desde que haja consistência e a mesma responsabilidade em relação aos compromissos que o governo assume.