Edição 60
Os investidores financeiros acreditavam, há três meses, que o Brasil seguia as pegadas da Rússia, mas hoje vêem que de fato seguem os passos da Coréia
O professor Edmar Bacha é um dos pais do Plano Real, juntamente com Pérsio Arida e Gustavo Franco. Na verdade, o professor Bacha tem participado ativamente da elaboração de todos os planos econômicos de governos nos últimos quinze anos, desde o primeiro deles, o Cruzado, lançado pelo presidente José Sarney. Chegou a ocupar cargos na máquina governamental, entre os quais o de presidente do IBGE (1985/86) e do BNDES (1995). Sócio do Banco BBA Creditanstalt, hoje ele mora em Nova York onde exerce a função de economista chefe do banco. Foi de Nova York que ele deu uma entrevista telefônica à Investidor Institucional, de cerca de meia hora, na qual fala, entre outras coisas, sobre juros, inflação, câmbio, política monetária e investimentos internacionais. Um cardápio variado, como é do seu gosto. Veja, abaixo, sua opiniões sobre esses temas:
Investidor Institucional – Quais são suas expectativas com relação ao câmbio? Edmar Bacha – Em primeiro lugar, acho que precisamos nos acostumar com a idéia de que o câmbio é flutuante, e é flutuante para flutuar. A idéia é que o câmbio seja um absorvedor de choques externos, tanto positivos quanto negativos, substituindo com vantagem o absorvedor que tínhamos antes, quando o câmbio era rígido, que era a taxa de juros.
Antes, quando tínhamos um choque externo adverso o juro subia, quando tínhamos um choque externo favorável o juro baixava, mas o câmbio ficava onde estava. Agora mudou a regra, quem absorve o efeito dos choques externos, tanto positivo quanto negativo, é o câmbio e os juros ficam voltados para conseguir uma taxa de inflação baixa. Então, a lógica da política econômica agora implica em que o câmbio flutue ao sabor dos choques externos.
II – Então, não dá para fazer projeções sobre o câmbio? EB – Prever câmbio é prever a intensidade dos choques externos, e se alguém fosse capaz de prever choques seria visionário. Portanto, como não tem economista visionário, o interesse aí é apenas acadêmico. Mas, como se supõe que os economistas têm que prever o futuro, mesmo errando continuamente a respeito, a minha previsão básica é que o câmbio ficará onde está, porque esta é a previsão mais segura que se pode ter.
II – O senhor mencionou choques externos. Podemos esperar uma manutenção da taxa básica norte-americana na questão dos juros ou há a possibilidade de uma nova alta? EB – A minha leitura da decisão do Fed (Banco Central norte-americano) é que eles adotaram o inflation targeting sem dizer, ou seja, eles não vão mais adotar a política de juros por causa de pressão de demanda, e nem porque a economia estaria crescendo acima do potencial. No fundo, eles estão indicando que não se sabe qual é o potencial de crescimento da economia, mas não se acredita que seja de 2,5%, como há 3 anos se acreditava, e que portanto se a economia crescer 4% mas sem inflação, tudo bem, os juros não vão subir por causa disso.
II – O termômetro da questão dos juros, então, mudou para a inflação? EB – Acho que o Fed está dizendo que irá observar a taxa de inflação e, como indicador avançado da taxa de inflação, vai olhar o custo unitário da mão-de-obra, ou seja, ver se o salário está subindo mais ou menos que a produtividade. Até agora, não tem sido o caso de o salário estar subindo mais que a produtividade. Além disso, o nível de preços, o chamado núcleo da inflação, está muito comportado, tanto nos índices de preços tradicionais como no indicador mais geral de preços que é o chamado deflator implícito na taxa de consumo, que está conforme os padrões internacionais. Então, eu acho que visto nesse momento, não há motivo para temer taxas de juros crescentes ao longo dos próximos meses, embora eu ache que, se houver algum movimento, é mais provável que seja para cima e não para baixo.
II – Isso reduziria o fluxo de capitais para o Brasil. Como o senhor está percebendo a posição do investidor internacional com relação ao Brasil? EB – Os investidores financeiros estão agradavelmente surpreendidos com a reação da economia brasileira à flutuação cambial. Até três meses atrás as expectativas eram de que o Brasil estava indo pelo mesmo caminho da Rússia, e hoje acho que há uma visão de que, provavelmente, o caminho brasileiro é igual ao da Coréia. Nesse sentido, a avaliação é positiva, mas continua havendo uma preocupação latente com o desequilíbrio das contas públicas.
II – O senhor vê a possibilidade de algum descontrole nesse item? EB – Possibilidades sempre há! Nós só fomos capazes de produzir superávit primário sob intensa pressão externa, e essa questão de produzir superávits primários precisaria estar internalizada como uma característica permanente. Há sinais positivos nessa direção, mas isso ainda é algo que vamos ter que ver, fazer a prova dos 9. A pergunta que se coloca é se, em condições normais, o Brasil vai produzir superávits primários nas contas públicas. E precisamos dar uma resposta muito clara a isso, porque o Brasil é um dos últimos países onde ainda há descontrole fiscal. Estamos mais ou menos no fim da linha nesse aspecto, e acho que no momento esse é o calcanhar de Aquiles da economia brasileira.
II – O Banco Central inaugurou o sistema de inflation targeting propondo uma meta de 8% para 1999, 6% e 4% para os dois anos seguintes. O que o senhor acha dessas metas? Há quem diga que estão muito altas.
EB – Eu até ia sugerir ao governo que, ao invés de dizer metas de inflação, dissesse que eram metas de desinflação, mas os economistas não iriam gostar. Eu acho que essas metas são muito úteis. Do ponto de vista externo, uma das grandes preocupações com o Brasil é a questão de continuidade de política econômica. Acho que é a primeira vez que o Brasil se compromete abertamente com a continuidade de uma política de desinflação. Ainda que internamente os níveis propostos possam parecer altos, para os investidores externos acostumados com taxas de inflação altas em países que estão mais bem cotados que o Brasil, como por exemplo, México, Colômbia, Chile, as metas de inflação anunciadas pelo governo brasileiro não assustam.
II – Algumas interpretações sugerem que o sistema de metas de inflação poderia se transformar em um tipo de indexador. Isso poderia ocorrer? EB – Na verdade, há um claro comprometimento do governo de trazer a inflação sistematicamente para baixo, o que dá aos investidores externos uma idéia de seriedade e de continuidade na política de controle da inflação. É um compromisso que o governo brasileiro está assumindo, e ele sabe que terá um custo muito grande se romper com esse compromisso. Ou seja, o governo está tratando de ter um compromisso com regras, com enfoque discricionário que sempre foi uma característica da política econômica brasileira.
II – Em algum momento já houve alguma tentativa de se estabelecer metas monetárias, ou algo parecido? EB – Lá na origem do Plano Real houve, mas não foi nada muito amarrado.
II – E com relação à queda das taxas de juros, que desceram de 49% no início do ano para 21% e já se fala em 20%, quem ganha e quem perde? EB – Quem ganhava dinheiro com arbitragem, obviamente, está triste.
Agora, esse é o tipo de dinheiro que, podendo, devemos dispensar. Nesse sentido, acho muito razoável que a taxa de juros não seja mais usada para regular o fluxo de capital externo, mas sim para regular a inflação.
Quem agora regula o fluxo de capital externo é a taxa de câmbio. Assim, a continuidade da queda da taxa de juros está condicionada a que os próximos números da inflação venham da banda de baixo da projeção que o governo fez.
II – O último número de IPCA parece indicar bem abaixo dessa meta de 8%, ou mesmo de 6%.
EB – O IPCA acumulado dos últimos seis meses foi de 3,7%. Isso, elevando ao quadrado, dá perto dos 8% que a equipe do governo usou.
II – Então, temos pouco a temer pelo lado da inflação? EB – Nesse momento vamos ter uma engripada na inflação, por causa do aumento de tarifas que foi necessário para completar o ajuste fiscal. O governo usou um espaço da queda de inflação para aumentar o preços das tarifas e melhorar as contas públicas, e isso trará uma consequência inflacionária temporária que, provavelmente, implicará que a queda dos juros dos próximos dois meses vai ser mais lenta.
II – O senhor tem alguma projeção para a taxa básica nos próximos dois meses? EB – Podemos chegar a 18%, 17% até o final do ano, nominal.
II – O Banco Central desmontou alguns compulsórios, principalmente sobre investimentos à prazo, e permitiu a volta do overnight. O senhor diria que o Banco Central está fazendo uma política mais moderna, mais arejada? EB – O Banco Central está usando o espaço que essa quadra de tranquilidade está lhe dando para ter uma política monetária menos restritiva de uma maneira geral, não só na questão de juros, mas na eliminação de compulsórios, de prazos mínimos, todo esse esquema regulatório que estávamos desmontando mas que foi remontado na crise.
II – E quais as perspectivas quanto ao crescimento da economia, a perspectiva de recessão ficou prá trás? EB – Acho que sim, definitivamente. Talvez por causa de problemas de natureza estatística o primeiro trimestre registrou um crescimento muito forte da agricultura, na agropecuária, já que ele concentrou o efeito da colheita deste ano, e então é possível que esses setores venham a ser negativos no segundo trimestre em relação ao primeiro, ou pelo menos venham sem crescimento. Mas acho que a partir daí vamos ter uma recuperação razoável. Seguramente, nós vamos chegar ao final do ano com um PIB pelo menos 1% mais alto do que o PIB do final do ano passado. E não estou falando de média contra média, mas de ponto contra ponto.
II – Em termos de balança comercial, as exportações não têm mostrado o vigor que era esperado. De um saldo projetado de R$ 11 a 12 bilhões, se não me engano, já recuamos para R$ 4 bilhões e até isso parece que está difícil. Lá fora, os investidores vêem isso como um problema? EB – Eu diria que não, porque há fatores externos que explicam essa redução. Especificamente, temos uma queda dos preços dos commodities, que continua muito forte, e por outro lado temos a recessão dos países da América Latina, para os quais o Brasil exporta o grosso das suas manufaturas. Então, no que se refere aos produtos primários há um efeito preço negativo, e no que se refere aos produtos manufaturados há um efeito quantidade pela recessão na América Latina. Mas creio que, ao longo do segundo semestre, esses problemas irão se resolvendo à medida que o impacto da desvalorização sobre as decisões de produzir bens substitutos de importação e de novos produtos de exportação vá se materializando, induzidas por um câmbio muito mais favorecido do que existia. Então, estou pouco preocupado com a balança comercial. E acho que no ano 2000 vamos ter, certamente, uma balança comercial muito favorável.