A grande incógnita é a taxa de inflação

Edição 52

Para o vice-presidente do Itaú, Alfredo Egydio Setúbal, a cotação do dólar vai depender da taxa de inflação

Investidor Institucional – Qual é o balanço que você faz da crise do câmbio? Alfredo Setúbal – Bom, a crise não terminou ainda. Nossa expectativa é que a estabilização da moeda vai se dar ao longo dos próximos dois a três meses. Nesse momento, o Brasil passa por uma crise de credibilidade muito grande. Internamente, as pessoas se sentem um pouco traídas pela mudança de política cambial, que era uma coisa sempre negada pelo governo, e no mercado internacional os investidores e os bancos têm dúvidas de como o Brasil vai conseguir controlar essa crise.

II – Essa situação vai se reverter? AS – Eu acredito que sim, que nas próximas semanas o Brasil comece a recuperar devagarzinho a credibilidade. A indicação do Ermírio Fraga e a sua posse nos próximos dias na presidência do Banco Central ajudará nisso. Ele vem com uma equipe boa, vai dar um pouco mais de clareza de como o governo vai conduzir a política monetária, fiscal e cambial.

II – Qual a principal incógnita, hoje? AS – O grande indicador que nós temos que acompanhar nos próximos meses é a evolução da inflação. Ela dará o tom da taxa de juros e da taxa de câmbio. Na medida em que corresponda à expectativa da maior parte das pessoas, que está em torno de uns 3% a 3,5% nos próximos dois meses, isso trará tranquilidade e fará com que a taxa de câmbio não suba além dos R$ 1,90 a R$ 2,00 atuais. Mas se a percepção for de que a inflação subirá, as pressões salariais e os aumentos de preços nas empresas podem criar uma certa reindexação da economia e complicar o cenário, levando a aumentos de juros e do câmbio.

II – A atual cotação do dólar (R$ 2,03 em 25 de fevereiro) deve-se manter ou baixar? AS – Ela é claramente exagerada. Mas as projeções do dólar dependem de como irá se comportar a inflação. Hoje nós recebemos research de bancos americanos, de bancos brasileiros, dos nossos consultores, de nosso grupo macroeconômico interno, e as variações de projeção de inflação vão de 11 a 12% até 30 a 40% no ano. Com a inflação em torno de 10 a 15%, o dólar a R$ 2,00 estaria, evidentemente, muito valorizado.
Agora, num cenário de uma inflação 20 ou 30%, quem sabe o preço de R$ 1,90 a R$ 2,00 não seja tão alto assim.

II – Em qual dos cenários o Itaú aposta? AS – A princípio, eu acredito que o governo conseguirá controlar a situação, equilibrar seu déficit cambial e fazer um ajuste fiscal mais forte, então eu suponho que o dólar está um pouco exagerado. Eu acho que o nível correto dele seria em torno de de R$ 1,70 a R$ 1,80. Acho que ele vai cair, mas a estabilidade da moeda vai demorar ainda dois ou três meses, como demorou no México, como demorou na Tailândia, como demorou na Coréia.

II – Vamos repetir esses países? AS – Acho que sim! Na Tailândia e na Coréia a desvalorização chegou a mais de 100%, depois voltou. Hoje, se pegar o câmbio na Coréia a desvalorização é 40%. No México a desvalorização também chegou a mais de 100% e depois voltou. No México voltou pouco, porque lá a inflação acabou sendo muito alta, em torno de 50% no primeiro ano, mas na Coréia a inflação foi muito baixa, então a desvalorização chegou a 100% e hoje está em torno de 35 a 40%. No caso brasileiro, eu acho que nós vamos passar por um processo semelhante.

II – Qual o papel das áreas de controle de risco, nessa crise? AS – As áreas de controle de risco tendem a ser cada vez mais exigidas dentro das instituições. São áreas que exigem investimentos muito grandes em pessoas, treinamento, capacitação técnica e desenvolvimento de modelos próprios, uma vez que nem todos os modelos usados no exterior são adaptáveis imediatamente para o mercado brasileiro. Assim como a importação de automóveis exige uma certa tropicalização, mudando o amortecedor, ajustando a suspensão, a utilização desses modelos também exige uma grande adaptação para a realidade brasileira.

II – Que tipo de adaptação? AS – Os mercados brasileiros têm um histórico muito recente, quer dizer, os mercados futuros existem há pouco tempo, a inflação baixa também existe há pouco tempo, nossos bancos de dados têm um histórico muito curto, diferente de um banco de dados do mercado internacional. Aqui, na medida em que esses históricos são muito curtos e nem todas as situações foram vivenciadas pelo mercado brasileiro, exige-se um monitoramento muito de perto dos modelos, uma definição dos cenários, principalmente do cenário de stress. E no Brasil é difícil se prever os cenário de stress. Acho que nenhum banco imaginou que a desvalorização cambial, quando viesse, seria de 60%. Todo mundo trabalhava em faixa de 30 a 40%, mas nunca de 60 a 70%. Porque? Porque a gente não tem esse histórico.

II – Como são testados esses cenários de stress? AS –No Itaú, nós desenvolvemos quase que diariamente cenários para validar nossos modelos de controle de riscos. Qual é o efeito que vai dar na cota dos nossos fundos, nas carteiras que nós administramos, esse cenário? E este? E este outro? Quer dizer, a gente faz várias simulações, porque a mera utilização do VAR (o Value at Risk) tem pouca validade no Brasil, principalmente para fundos de investimento. Nesses, na medida em que os papéis de renda fixa têm um mercado muito pequeno, de poucos negócios, eles apresentam uma volatilidade artificialmente baixa, que não embute o risco de crédito nem o risco de uma mudança de política econômica. Só quando vem a crise é que a volatilidade aumenta, porque aí os preços se mostram irreais.

II – Então, os riscos identificados pelos fundos são irreais? AS – Bem, se você analisasse a volatilidade das cotas daqueles fundos de derivativos que perderam, nada indicaria que eles poderiam ter perdas da magnitude que tiveram. Porque? Porque o câmbio era falso, a volatilidade do câmbio era controlada pelo Banco Central, a volatilidade das taxas de juros era influenciada pelo Banco Central, a formação de preços era fictícia em grande parte. Então, quem analisava o VAR das cotas falava: poxa que maravilha, esse fundo tem um risco baixíssimo! Mas na hora em que as condições mudaram, muitos deles quebraram.

II – Não haveria necessidade de explicitar melhor o risco aos clientes? AS – No Itaú, nós fizemos um esforço muito grande no final de 97 e durante todo o ano de 98 para explicitar muito bem quais são os riscos que cada fundo corre. Nós levantamos 8 ou 9 tipos de risco, colocamos explicitamente nos regulamentos dos fundos desde o risco de mercado, da oscilação, até o risco do governo intervir nos mercados futuros, o que já ocorreu. O governo manda fechar compulsoriamente posições no mercado futuro, ou a própria Bolsa fecha aquela operação e liquida compulsoriamente. Se você está no hedge, você deixa de ter aquele hedge. E fizemos um termo de ciência de risco, que os investidores têm que assinar.

II – Como a área de administração de recursos do Itaú estava posicionada na crise? AS – Os nossos fundos DI estavam totalmente indexados, então o aumento da taxa de juros não nos afetou. Nossos fundos derivativos não tinham papéis cambiais. Os nossos únicos fundos que tinham papéis cambiais eram os fundos de hedge cambial, que eram específicos para isso mas com papéis de vencimento curto que não sofreram com a alta do cupom cambial. Na parte de ações, nas carteiras que administramos, estávamos em fundos com posições totalmente compradas dentro daquilo que o cliente nos recomendava.

II – E nas carteiras dos fundos de pensão? AS – Nas carteiras administradas de fundos de pensão não tínhamos uma orientação de ter papéis cambiais. A gente acreditava, e acredita, que por ter ativos em reais, obrigações em reais, passivo atuarial relacionado a índices de preços em moeda local, o fundo de pensão não teria necessidade e nem seria recomendável especular com papéis cambiais.
Então a gente optou por estar totalmente indexado à taxa interbancária, que tem ficado e continuará ficando neste ano muito acima da taxa de inflação – que é a taxa que corrige o passivo dos fundos de pensão.
Alguns pediram para que nós comprássemos posições cambiais, e nós compramos, mas por recomendação e pedido deles e nunca por uma opção nossa.

II – Como será a área de gestão do Itaú no ano 2000, no próximo século? AS – No último um ano e meio nós fizemos uma grande reformulação da nossa área de gestão de carteiras. Criamos vários comitês internos, de emissão de carteiras, redividimos toda a nossa área de gestores por produtos, fizemos um grande investimento na área de controle de risco e de compliance. Então, eu diria que hoje, nós estamos muito bem estruturados para a gestão de recursos. Acreditamos que temos uma capacidade de análise das empresas brasileiras muito boa, mantemos há vinte anos uma equipe própria de 10 analistas, recebemos muito research de outras corretoras e de outros bancos de investimento, portanto temos um volume de informação muito grande.

II – E a área de gestão do BFB? AS – Nós estamos, nesse momento, integrando a área de gestão do Itaú com a área de gestão do BFB. É um processo que a gente espera ter concluído até meados desse ano. Nós vamos aproveitar a expertise do Itaú na renda fixa e na renda variável, que é muito grande, e a do BFB na área de derivativos. As áreas de gestão do Itaú e do BFB vão ficar embaixo da bandeira do Itaú, passa a ser tudo Itaú. Mas, na parte de derivativos vamos manter a área do BFB separada, vamos manter toda a equipe na sede onde eles estão instalados, na av. Paulista, de maneira a preservar essa cultura de derivativos desenvolvida ao longo dos últimos anos.

II – Como ficará a IBT, com a compra do Bankers Trust pelo Deutsche Bank? AS – A união do Bankers Trust com o Deutsche Bank está dependendo de definições das autoridades alemãs e americanas. Nós estamos no aguardo. A nossa expectativa é que a nossa associação com o Bankers Trust possa continuar no Brasil, mas é uma coisa que não depende só do Itaú. Mas, mesmo que ela não continue, nós vamos manter nossa atividade de banco de investimento, associados com outros bancos, estrangeiros ou não, ou internamente dentro do Itaú, como era feito anteriormente.

II – Quais os principais focos de atuação da área de administração de ativos do Itaú? AS – O Itaú tem uma tradição muito grande como gestor de carteiras de investidores institucionais, e isso vai ser preservado, acreditamos que sempre terá uma demanda para gestão de carteiras. Vamos manter e reforçar a área com a cultura que o BFB desenvolveu nos últimos anos na venda de fundos. Quer dizer, vamos passar a vender não só carteira administrada, como tradicionalmente fazemos há vinte anos, como também seremos mais ativos na venda de fundos, com uma família muito completa e uma expertise também completa em todos os segmentos de gestão.

II – E os outros grandes clientes institucionais? AS – Estamos criando uma nova área comercial, de apoio às grandes empresas e aos grandes investidores pessoa jurídica. Hoje, a venda de fundos para esses segmentos é uma venda passiva. No segmento Corporate, tanto de empresas médias quanto de empresas grandes, nossas vendas ainda são passivas. Nós estamos criando uma estrutura para dar suporte aos gerentes corporate, para passarmos a ter uma atitude mais pró-ativa nesse segmento.

II – Como a crise afeta a tendência de terceirizar a gestão de ativos, nos fundos de pensão? AS – O interesse na terceirização da gestão das carteiras é ainda maior, com vários fundos de pensão adaptando seus estatutos de maneira a transformar benefício definido em contribuição definida e terceirizar a gestão desses planos, dando opção para o participante escolher o administrador que ele quiser, dentre aqueles selecionados pelos fundos.
Vários fundos estão adotando esse caminho. Um outro movimento que a gente está percebendo também é o interesse de alguns fundos de pensão em terceirizarem a totalidade do fundo de pensão, terceirizarem o ativo e o passivo e, efetivamente, ficarem fora desse processo, seja criando um fundo de pensão separado e entrando num multipatrocinado, seja sendo incorporado a um fundo de previdência aberta. Há várias entidades discutindo esse assunto, nos consultando nesse sentido.

II – O grupo Itaú possui várias fundações hoje, elas poderiam ser unificadas em um único multipatrocinado? AS – Não, nesse momento não. Hoje nós temos a Fundação Itaubanco, que congrega todas as empresas do setor financeiro, como o BFB, a corretora, as várias subsidiárias do banco que têm corpo próprio de funcionários. Só não inclui o Banerj, pois quando compramos esse banco a Previ Banerj ficou separada da venda, nem o Bemge, cuja fundação assumimos comseu passivo trabalhista mas que continua com a gestão separada. Temos também a Fundação Aricanduva, que é só para os funcionários da Itautec e aqueles que vieram da Philco, e outra fundação que atende aos funcionários da Duratex. Mas cada fundação tem planos com características diferentes, no caso tem muitas nuances que dificultam uma integração. O que está sendo estudado, e que pode ou não ser feito em função da conveniência, é a integração da Fasbemge ao Itaubanco.