Edição 216
José Márcio Camargo, economista da Opus
A luz amarela está acesa. Apesar se não estarmos nem perto dos piores dias de 2008, quando a crise financeira internacional chegou ao seu ponto mais agudo, o momento atual também não chega a ser de calmaria no cenário econômico mundial. Os problemas deflagrados na Europa já exerceram seus primeiros efeitos sobre o mercado de capitais brasileiro, com a redução da oferta de crédito às companhias e a fuga de recursos estrangeiros da Bolsa. Isso tudo tem deixado José Márcio Camargo preocupado.
Em entrevista exclusiva a Investidor Institucional, o economista lembra que no início do processo que resultou na chamada crise do subprime os eventos negativos aconteceram gradativamente. “As coisas não acontecem de repente. O problema só se aprofundou com a falência do Lehman Brothers em setembro de 2008, mas ao longo do tempo o nervosismo foi aumentando, os prêmios de risco foram crescendo, e em algum momento se chegou a um problema mais grave. Agora, o spread e os prêmios de risco dos bancos europeus mostram que o mercado não está tranquilo em relação à situação patrimonial desses bancos. Enquanto isso não se resolve, é uma preocupação”, alertou Camargo, que é economista da Opus Gestão de Recursos e professor do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Mesmo diante desse prognóstico não muito favorável, Camargo garante que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro registrará uma expansão de pelo menos 6% em 2010. “Mesmo se o PIB não crescer nada daqui até o final do ano, vai chegar a uma taxa de crescimento de 6% devido ao carry over do ano passado e do início desse ano”, explica o economista, para quem o PIB deve crescer entre 7% e 8% neste ano.
Na entrevista, Camargo comentou ainda sobre as medidas adotadas pelo Banco Central para elevar a taxa básica de juros no Brasil e a relação entre a tendência de novos aumentos da Selic e uma eventual complicação ainda maior na situação europeia. O economista deu ainda sua opinião sobre os possíveis efeitos que o lançamento das candidaturas de Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva podem exercer sobre o comportamento do mercado e da economia brasileira ao longo do ano. “Toda eleição gera volatilidade no mercado por conta das incertezas em relação a qualquer tipo de mudanças. Mas eu acredito que nessa eleição a volatilidade vai ser muito menor do que em algumas eleições passadas, como por exemplo aconteceu em 2002 ou mesmo em 1994 e 1998”, disse. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
Investidor Institucional – Como vocês receberam a notícia de que o PIB brasileiro registrou expansão de 2,7% no primeiro trimestre de 2010?
José Márcio Camargo – A nossa avaliação era de que o PIB viria bastante forte no primeiro trimestre deste ano. Esperávamos um crescimento entre 2,5% e 3% e foi de 2,7%, vindo bem dentro do que estimamos. Na verdade todos os dados anteriores à divulgação do PIB mostravam um forte crescimento na produção industrial e em vendas no varejo. O que surpreendeu um pouco, positivamente, foi o desempenho do investimento. A taxa de investimento teve um crescimento bastante forte, já recuperando praticamente toda a queda que ocorreu ao longo da crise.
Nós já estávamos esperando um aumento da taxa de investimento, mas veio acima da nossa expectativa, o que é um excelente sinal. O que falta se recuperar é a poupança, que está bastante fraca ainda. Mas isso está sendo coberto pelo déficit em conta corrente.
II – Diante disso, o que podemos esperar do PIB brasileiro para 2010?
JMC – Esperamos um certo arrefecimento do crescimento da economia brasileira nos próximos trimestres por diferentes razões. Primeiro porque o Banco Central já está aumentando os juros pela segunda reunião consecutiva em praticamente três meses, e isso deve afetar o crescimento no último trimestre do ano. E nós estamos muito preocupados com a crise europeia, que pode afetar o Brasil e, nesse caso, o crescimento pode diminuir substancialmente. O maior risco da crise europeia a meu ver é que ela afete o fluxo de crédito para a economia brasileira. Se a oferta de crédito de fato diminuir de forma substancial, pode haver uma queda importante no crescimento. Nós não estamos esperando nada parecido com 2008, mas a situação não é muito confortável. Já existem alguns sintomas de redução de oferta de crédito no mercado internacional e o investimento direto das empresas europeias foi bem menor do que o esperado no primeiro trimestre deste ano. Então, existem alguns fatores que podem gerar uma redução do crescimento principalmente no segundo semestre do ano. Mas de qualquer forma nossa estimativa é de que o PIB deve crescer algo entre 7% e 8 % esse ano. Para se ter uma ideia, se o PIB não crescer nada daqui até o final do ano, mesmo assim vai ter uma taxa de crescimento de 6% devido ao carry over do ano passado e do início desse ano.
II – Além desse efeito na oferta de crédito, que outros impactos negativos a crise europeia pode exercer sobre a economia brasileira?
JMC – A Europa é um dos maiores parceiros comerciais do Brasil. Isso significa que se a Europa crescer pouco ou parar de crescer as exportações vão certamente diminuir ou crescer menos do que vinham crescendo. Por outro lado, com a desvalorização do euro os produtos europeus vão ficar mais competitivos em relação aos brasileiros e isso deve significar um aumento das exportações europeias para o Brasil. Além disso, tem um outro efeito importante que é o fato de a Europa também ser um importante parceiro comercial da China e dos Estados Unidos, afinal de contas, se tomarmos a Europa como um todo, ela é a maior região econômica do mundo, com o maior PIB conjunto. Se a Europa realmente voltar para uma trajetória de crise muito negativa ou se passar por uma estagnação ao longo desse ano o comércio tanto dos Estados Unidos quanto da China com a Europa deve diminuir, o que significa também menos crescimento para esses países, que por sua vez também são grandes parceiros econômicos do Brasil. Ou seja, tem o efeito via comércio diretamente e tem o impacto negativo da redução da atividade comercial no mundo.
II – Mais especificamente no mercado de capitais brasileiro, o que podemos esperar em termos de efeito negativo da crise europeia?
JMC – Isso tem a ver com a questão do crédito. O que já está se observando é que algumas empresas não estão conseguindo lançar seus títulos nos mercados internacionais exatamente porque os problemas na Europa têm levado à percepção de que o risco de uma nova crise bancária aumentou, e isso está fazendo com que a aversão ao risco também aumente. Algumas empresas brasileiras e alguns bancos médios que estavam programando captações no exterior cancelaram o plano nos últimos meses porque o crédito está mais restrito. Além disso, uma parte dessa “estagnação” do Índice Bovespa vem exatamente dessa maior aversão ao risco decorrente da crise europeia.
II – Como você avalia o comportamento do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que elevou a taxa básica de 8,75% para 9,5% ao ano em abril e para 10,25% ao ano na reunião de junho?
JMC – Minha avaliação é de que o Banco Central se atrasou um pouco no aumento de juros. A demanda estava crescendo a uma taxa claramente mais forte do que a oferta e isso já estava gerando alguns sinais importantes de pressão inflacionária lá em fevereiro e março deste ano, mas o Banco Central só veio a aumentar os juros um mês depois. Uma vez dito isso, o Banco Central, na medida em que as expectativas começaram a se deteriorar, reagiu corretamente e já aumentou a taxa de juros em 150 pontos-base nesse momento. Se olharmos para trás, veremos que o Banco Central brasileiro foi o mais agressivo do mundo.
Outros bancos centrais do mundo aumentaram juros depois da crise mas nenhum elevou neste nível, de duas vezes em 75 pontos-base. A Austrália aumentou antes, Israel também, mas todos começaram muito mais devagar, com 0,25 ponto percentual.
II – Ainda podemos esperar novas elevações na taxa básica de juros brasileira nas próximas reuniões do Copom?
JMC – Eu estou muito desconfortável com a crise europeia. E se essa crise se aprofundar e afetar a oferta de crédito internacional – o que eu não sei se vai acontecer, mas a probabilidade não é desprezível –, o efeito sobre o mercado brasileiro vai fazer com que o Banco Central necessite aumentar muito menos os juros do que o mercado está precificando nesse momento. Vai depender muito da crise europeia para nós sabermos o que vai acontecer com a taxa de juros nos próximos seis ou sete meses.
II – Pelo que você está dizendo, parece que ainda há alguns esqueletos no armário na Europa. Podemos nos preparar para mais más notícias pela frente?
JMC – Um relatório do Banco de Compensações Internacionais mostra o tamanho da exposição dos bancos europeus às dívidas dos países. A exposição é extremamente elevada e os spreads das taxas de juros continuam aumentando. E quando nós olhamos para 2007 e 2008, observamos que no início dos processos tudo acontece lentamente. Em 2007, quando começou essa crise no setor bancário norte-americano e europeu, os spreads foram aumentando aos poucos. As coisas não acontecem de repente. O problema só se aprofundou com a falência do Lehman Brothers em setembro de 2008, mas ao longo do tempo o nervosismo foi aumentando, os prêmios de risco foram crescendo, e em algum momento se chegou a um problema mais grave. Essa é a minha preocupação. O spread e os prêmios de risco dos bancos europeus mostram que o mercado não está tranquilo em relação à situação patrimonial desses bancos. Enquanto isso não se resolve é uma preocupação.
II – Você mencionou que o BC, na sua opinião, demorou para fazer a primeira elevação da Selic, mas que depois foi o banco central mais agressivo do mundo por ter subido a taxa em 0,75 ponto percentual. Os dois aumentos nessa magnitude podem ter sido uma forma de o BC compensar o “atraso” na medida?
JMC – Acredito que sim. É difícil saber, mas de repente aquela dúvida sobre a saída ou não do presidente Henrique Meirelles para disputar as eleições pode ter levado a uma certa perda de credibilidade na diretoria do Banco Central nos primeiros meses do ano. Percebendo isso, corretamente a diretoria resolveu tomar uma atitude mais dura para reverter essa perda de credibilidade – perda essa se manifestou claramente nas expectativas para inflação em 2010 e 2011, que passaram do centro da meta. O Banco Central decidiu mostrar que efetivamente estava perseguindo o centro da meta e que o ano eleitoral não iria afetar as suas decisões de política monetária. O resultado foi que essas expectativas para a inflação já começaram a se reverter nas últimas semanas. Enfim, acho que foi intencional sim. O Banco Central decidiu ser mais agressivo para reverter essa possível tendência de perda de credibilidade que aparentemente estava acontecendo no início do ano.
II – Todo mundo já sabia, mas recentemente foram oficializados os nomes de Dilma Rousseff e José Serra como candidatos à presidência do Brasil. Na última vez em que o País trocou de comando, houve uma forte reação negativa do mercado, o que acabou afetando o câmbio e o desempenho da Bolsa. Na sua opinião, como o mercado deve reagir nas eleições presidenciais de 2010?
JMC – Toda eleição gera volatilidade no mercado por conta das incertezas em relação a qualquer tipo de mudanças. Mas eu acredito que nessa eleição a volatilidade vai ser muito menor do que em algumas eleições passadas, como por exemplo aconteceu em 2002 ou mesmo em 1994 e 1998. A candidata do governo tem mostrado uma enorme sensibilidade do ponto de vista da política econômica, e eu digo sensibilidade no sentido de anunciar que deve continuar fazendo uma política econômica similar à que foi feita nos dois mandatos do presidente Lula com respeito a metas de inflação, superávit primário e autonomia do Banco Central. Por esse lado, ainda que exista algum tipo de desconfiança em relação ao fato de que a candidata tenha um viés que o mercado possa considerar excessivamente pró-estado, eu não acredito que isso não venha a gerar uma grande volatilidade ao longo da campanha.
II – E em relação ao nome de José Serra?
JMC – Ele é bastante conhecido, está na vida pública há décadas. Ao contrário do que acontece com a candidata Dilma Roussef, cuja preocupação do mercado é com a postura em relação ao Estado, no caso de José Serra o mercado se preocupa um pouco com a possibilidade de que ele venha, se eleito, a interferir na autonomia do Banco Central e a tentar afetar a deterioração da taxa de juros e da taxa de câmbio. Mas, novamente: dado o histórico do ex-governador, eu acho pouco provável que ele promova mudanças substanciais na política econômica que, aliás, foi implementada pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso que é do mesmo partido de José Serra.
II – Anteriormente, já havia sido lançada oficialmente a candidatura de Marina Silva. A reação a ela pode ser diferente?
JCM – A candidata, sim, pode chegar a ser uma surpresa, ainda que hoje ela não tenha mais do que 10% das intenções de voto. Mas mesmo que ela consiga crescer nas pesquisas e se aproximar dos outros candidatos, novamente eu não acredito que o mercado vá encarar isso com restrições. No final, nós vamos ter sim alguma volatilidade, mas uma volatilidade normal em um processo eleitoral.