A hora da NTN-B

Edição 164

Paulo Fontoura Valle: “Preocupa a lenta migração para NTN-B”

Presente no 26º Congresso Brasileiro de Fundos de Pensão, ocorrido no mês passado em Porto Alegre, o Tesouro Nacional fez questão de deixar uma mensagem clara para os fundos de pensão: acordem, pois este é o momento de trocar títulos públicos pós-fixados pelos indexados à inflação! Preocupado com a lenta migração dos institucionais para esses papéis, mais especificamente para as Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B), o órgão lembrou que o País acaba de entrar em um círculo virtuoso e acentuado de queda da taxa de juros.
Representado pelo coordenador geral de operações da dívida pública, Paulo Fontoura Valle, o Tesouro também mostrou ter uma fina sintonia com a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) e com a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp).
Nesta entrevista exclusiva, Valle fala deste diálogo travado com o sistema, das demandas do setor e faz projeções para a dívida pública. Atencioso, o economista conversa com a naturalidade e o conhecimento de quem já está no Tesouro há 13 anos. Confira os principais trechos desta entrevista:

Investidor Institucional Por que o Tesouro Nacional está incentivando a troca das Letras Financeiras do Tesouro (LFTs) pelas Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B)?
Paulo Fontoura Valle – Quem apostou nos títulos indexados à Selic esse ano conseguiu, por causa da política monetária restritiva, um rendimento maior que o da inflação, que ficou sob controle. Porém, isso deixará de ser verdade com o início de um círculo virtuoso e acentuado de queda da taxa de juros real. Já se vê claramente, usando parâmetros estritamente de mercado, que a trajetória dos títulos indexados ao IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) é de uma rentabilidade maior do que a da Selic. Além disso, considerando o ativo e o passivo do Tesouro, há um descasamento de R$ 203 bilhões em índice de preços.

II – E essa migração já começou?
PFV – Por causa da enorme cultura da indústria em CDI (Certificado de Depósito Interfinanceiro), essa migração é um pouco lenta. O Tesouro está bastante preocupado com a velocidade dessa migração, principalmente nas entidades de previdência porque já vimos em um passado recente que o administrador de fundos de pensão teve problemas com seu atuarial quando a taxa de juros real caminhou para um dígito.

II – Mas as NTN-Bs têm dado mais rentabilidade do que as LFTs?
PFV – Nos próximos um ou dois meses ainda é verdade que a rentabilidade da LFT é maior do que a da NTN-B. Mas, a partir do terceiro mês, já não é mais. Esse é o nosso alerta, sobretudo para as entidades de previdência, que devem casar seus ativos e passivos. Muitas já fazem esse casamento na parte longa da curva, mas não o fazem na parte curta, cuja migração precisa se dar de forma mais rápida.

II – O Tesouro fez cálculos dessa vantagem em trocar os papéis?
PFV – Sim. Se um administrador comprar hoje uma LFT com vencimento em maio de 2007 e carregá-la até o vencimento, a rentabilidade seria de 11,48%. No caso da NTN-B, nas mesmas condições, a rentabilidade seria de 12,25%. Se o investidor carregar a LFT por um mês e depois comprar NTN-B, a rentabilidade ainda seria maior, de 12,26%. No segundo mês idem: 12,26% contra 12,25%. Mas, a partir do terceiro mês, isso deixa de ser verdade. Carregar LFT por três meses e depois comprar NTN-B renderia 12,22%, por quatro meses renderia 12,20%, por cinco meses, 12,18% e por seis meses, 12,06%. O mesmo vale para outros vencimentos, como 2008 e 2009.

II – E o Tesouro está criando condições para essa migração?
PFV – Sim. Criamos NTN-Bs de um, dois, três e quatro anos. Além disso, estamos fomentando o leilão – fazemos dois leilões de NTN-Bs por mês –, garantimos a recompra do título, a recompra do cupom e a troca. Temos aceitado diversos títulos, como LFTs, e outros de prazos mais curtos em troca de NTN-Bs mais longas. O que falta é um pouco de conhecimento.
Estamos investindo na divulgação em um trabalho conjunto com a Abrapp.
Já fizemos palestras em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília, e agora vamos à Salvador e depois ao Sul do País.

II – Como conseqüência dessa interação, quais demandas dos fundos de pensão já foram atendidas pelo Tesouro?
PFV – Começamos a conversar muito com os fundos de pensão em 2003 sobre um título adequado para atender a indústria, sem que fosse um título carimbado. Existiam demandas por um papel com pagamento mensal de juros. Só que achamos que esse título seria pouco líquido e não atenderia a todo o mercado financeiro. Daí surgiu a idéia de criarmos títulos que, de alguma maneira, tivessem um fluxo permanente.

II – Como?
PFV – Todo o título de ano par passou a vencer em agosto e todo papel de ano ímpar passou a vencer em maio. E, como o pagamento de cupom é semestral, criou-se um fluxo trimestral. Então, todos os meses de fevereiro, maio, agosto e novembro têm pagamento de cupom. Com este pleito das entidades, criamos um título adequado a elas sem ser carimbado. Portanto, ao atender a todo o mercado financeiro, há uma maior liquidez e isso é bom para todo mundo.

II – Atualmente, quais são as principais demandas das fundações ao Tesouro?
PFV – Uma deles, relacionada à conta-investimento, diz respeito mais à SPC, mas participamos do debate. Existe uma dúvida se o fundo de pensão poderá migrar para outro investimento dentro deste ambiente mantendo a marcação até o vencimento. Afinal, é um contra-senso ter que carregar o papel até o final tendo incentivo para uma melhor alocação. Existem também vários outros pleitos, sobre participação em leilões e por aí afora.

II – E qual é o planejamento do Tesouro para as NTN-Cs?
PFV – Não pretendemos criar novos vencimentos porque temos convicção de que o IPCA é um indicador mais previsível do que o Índice Geral de Preços ao Mercado (IGP-M), além de ser a meta de inflação do governo.
Também entendemos que pulverizar – ter dois, três índices de preços – é ruim até para a liquidez do papel. Já para as NTN-Bs pretendemos criar novos vencimentos. Estamos muito atentos à demanda dos investidores.
Só não queremos criar pontos demais que tirem a liquidez dos que existem, pois temos esse firme compromisso com o mercado.

II – Como está a participação dos fundos de pensão na dívida pública?
PFV – Hoje, 34,62% está em LFT, 29,58% em NTN-C, 17,95% em NTN-B; 16,47% em LTN (Letras do Tesouro Nacional), 0,21% em NTN-D, 0,04% em NTN-F e 1,13%, em outros papéis. Ou seja, quase 50% já está em índice de preços. Então, houve alguma migração só que ainda muito no longo prazo. Achamos que os 34,62% em LFTs ainda podem migrar para NTN-Bs. Inclusive, três novos dealers escolheram recentemente a NTN-B para serem especialistas: Pactual e Renascença para NTN-B com vencimento em 2007, e Bradesco para a de vencimento em 2015.

II – Qual era o prazo médio dos títulos públicos federais no final do ano passado e qual é a perspectiva para encerrar 2005?
PFV – No final de 2004, o prazo médio da dívida era de 28,1 meses e a dívida vencendo em 12 meses representava 46,1%. Devemos terminar o ano com a dívida vencendo em 12 meses na banda mais baixa entre 40% e 45% e com o prazo médio ainda perto de 28 meses. Hoje, estamos com 27,2 meses, mas parte disso é a priorização pela maior prefixação da dívida, cujo papel é mais curto. Ou seja, é preciso achar o ponto ótimo entre alongar e melhorar a composição da dívida.

II – E a composição da dívida tem melhorado?
PFV – Sim. No início de 2003 o prefixado era praticamente zero e terminamos 2004 com 20,1% e em setembro último com 25,8%, sendo que a meta é ficar entre 20% a 30%. O prazo médio de emissão, que praticamente não existia, subiu hoje para cerca de 17 meses. Já o prazo médio do estoque administrado de prefixados está em nove meses e 40% desses papéis já vencem em 11 meses.

II – E qual foi a evolução da dívida cambial?
PFV – Também tivemos uma grande vitória este ano no câmbio. Em 2002, o câmbio já chegou a representar 40,6% do total da dívida interna e terminamos 2004 com 5,2% e em setembro deste ano com 3,3%. Em 2002, para cada ponto de desvalorização cambial havia um impacto de 0,29% na dívida. Hoje, esse impacto é de 0,06%.

II – Qual é a meta para a dívida pública agora?
PFV – A administração da dívida é uma conjunção de fundamentos e estratégias e a próxima meta é atacar a redução da taxa Selic, que é um sério problema cultural. Ela é péssima para um governo, pois tira a eficácia da política monetária e aumenta o risco da dívida pública. Ou seja, quando é necessário que o Banco Central eleve os juros, todo mundo tem ganho ao invés de ter perda. O Tesouro está deixando claro aos investidores que o objetivo é aumentar a participação da dívida em títulos prefixados e indexados a índices de preços e reduzir taxa Selic e câmbio.

II – O Tesouro também faz um teste de stress no mercado. Como está hoje?
PFV – Em 2002, 83,2% da dívida era Selic e câmbio. Em 2005, até agosto, era de 60%. Ou seja, uma redução aproximada de 70%. Então, em um teste de stress em 2002 para cada três desvios-padrão, a somatória desses dois indicadores daria um resultado de R$ 124,6 bilhões na dívida pública. Hoje, isso caiu para R$ 40,4 bilhões.

II – O ano que vem é eleitoral. O Tesouro espera algum problema para rolar a dívida?
PFV – Estamos entrando nesse ano político muito mais sólidos do que na eleição passada. Temos dinheiro, porque trabalhamos com a estratégia de sempre ter os próximos quatro meses de vencimentos em caixa.
Quanto à dívida externa, já compramos no mercado interno os dólares necessários para pagar toda a dívida do ano que vem. Então vamos para 2006 com reservas, fundamentos sólidos e vencimentos mais organizados.

II – Quanto vence o ano que vem?
PFV – Não estou com os volumes agora, mas porcentualmente 60,4% dos títulos que vencem em 2006 são pós-fixados. Outros 34,5% são de prefixados, 3,8%, índice de preços e 1,3%, câmbio. No processo eleitoral do ano que vem, dívida não vai ser o problema. A maturação está bem organizada e estamos com recursos.

II – Em quanto está hoje a dívida interna líquida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e qual é a meta?
PFV – Hoje está em torno de 51%. Pelos cálculos do Tesouro, mantendo uma taxa de crescimento em torno de 3,5%, juros em 13% em 2009, dólar real a R$ 2,80 nesse período, superávit primário de 4,2% do PIB e inflação aproximada de 4,5%, a dívida líquida interna cairá para 46,30% em 2009, para 42,6% em 2010 e para 40% em 2011. E essas projeções são conservadoras.

II – E com projeções mais otimistas?
PFV – Em um cenário de crescimento médio de 4% ao ano e juros reais decrescentes em 0,65 ponto porcentual abaixo da estimativa capturada pelo Boletim Focus, do Banco Central, alcançaríamos uma relação de dívida/PIB de 40% já em 2010.

II – O que o sr. acha da proposta de déficit nominal zero?
PFV – Acho que estamos caminhando para isso. A proposta tem pontos prós e contras. Talvez não devamos colocar prazos, custe o que custar, porque isso tiraria o efeito da política monetária e criaria amarras.
Portanto, sou particularmente contra ter isso como meta. Mas é um assunto polêmico.

II – O sr. não acha que as políticas monetária e fiscal do governo não se conversam? Só entre janeiro e agosto deste ano mais de R$ 10 bilhões foram adicionados à dívida líquida do setor público, em juros apropriados acima do previsto.
PFV – Os juros altos foram necessários. O objetivo era segurar a inflação, isso gerou resultados e agora o juro tem que ser ajustado. Estamos entrando em um ciclo virtuoso de queda de juros, pois realmente não é recomendável ter juros altos para sempre.

II – Como o sr. avalia a criação do IMA (Índice de Mercado Andima)?
PFV – Foi recebida com aplausos por parte do Tesouro. É uma forma de quebrar essa cultura de juros que existe no Brasil e é principalmente bom para as entidades de previdência devido à grande incoerência de terem ativos de longo prazo com benchmark (parâmetro de rentabilidade) de curto prazo. Nos últimos dozes meses, até agosto, o IMA-S (composto por todas as LFTs, menos as séries A e B) deu 18,81%, contra 13,58% do IMA- B (composto pelas NTN-Bs). E tudo indica que os próximos doze meses serão bastante diferentes.

II – Como o Tesouro vê a iniciativa da SPC de incentivar, e quiçá obrigar, a utilização das plataformas eletrônicas pelas fundações?
PFV – O mercado de tela é ótimo tanto para o emissor – porque incentiva o mercado secundário, há uma precificação mais clara do título e uma tendência de aumentar a base de investidor –, como é positivo para o regulador e para o fiscalizador. Sob a ótica do Tesouro, o principal ponto é liquidez. Estamos, por exemplo, divulgando títulos de 40 anos e o investidor tem que ter a certeza de que há uma porta de saída. Já na visão da SPC o mais importante é a transparência e nisso a apoiamos.

IIA Secretaria do Tesouro Nacional entrou no início deste ano no grupo Best (Brazil Excellence in Securities Transactions) – que divulga o mercado nacional de capitais para investidores estrangeiros. Isso já resultou em um aumento da participação desse investidor na dívida pública brasileira?
PFV – Temos um mercado muito desenvolvido e pouco conhecido dos estrangeiros. Portanto, o objetivo da nossa participação nesse grupo é divulgar esse mercado e fazer um diagnóstico bem preciso dos gargalos que dificultam a vinda do estrangeiro. Já foram feitos dois seminários nos Estados Unidos, um na Europa e neste mês haverá um na Ásia. Com isso, a participação do estrangeiro na dívida pública brasileira vem crescendo.
Temos visto muita demanda por títulos longos, principalmente NTN-F – um prefixado que paga cupom semestral.