Edição 14
O Estado de São Paulo está licitando concessões para operação de 4 mil quilômetros de rodovias paulistas e de uma linha de metrô na capital
Concluída a venda da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), após o mar de liminares concedidas por tribunais dos quatro cantos do país, os grandes investidores olham para os lados à procura de novos negócios e vêm o que? Vêm em primeiro lugar as privatizações das três energéticas paulistas, a Cesp, a Eletropaulo e a CPFL, avaliadas juntas em R$ 22 bilhões. Além delas, o Estado de São Paulo está licitando concessões para operação de 4 mil quilômetros de rodovias paulistas e de uma linha de metrô na capital, num programa que pretende reduzir a presença do estado empresarial e aumentar a presença do estado social.
No comando dessa transição está o vice-governador Geraldo Alckmin, de 43 anos. Nascido na cidade paulista de Pindamonhangaba, Alckmin elegeu-se vereador por sua cidade aos 19 anos, chegou a presidente da Câmara Municipal, prefeito, deputado estadual e deputado federal. Em 1994, na chapa de Mário Covas, elegeu-se vice-governador.
De acordo com várias versões que dão como certa a candidatura de Mário Covas à reeleição do Estado, de resto pressionado pelo seu partido, o PSDB, Alckmin chegaria ao governo de São Paulo antes do final do ano, passando a coordenar como governador o mais ambicioso programa estadual de desestatização. Atualmente, como vice-governador, ele é o presidente do Conselho Estadual de Privatização.
“Com as privatizações e as concessões, o estado passará a contar com recursos da arrecadação fiscal para investir maciçamente na área social, em saúde, segurança pública e habitação”, afirmou Alckmin em entrevista a Investidor Institucional. A seguir, os principais pontos da conversa:
Investidor Institucional: O que será privatizado pelo governo de São Paulo?
Geraldo Alckmin: O programa de privatização e concessões de São Paulo engloba o setor de infra-estrutura, especialmente as áreas de energia e transporte. No setor energético, o governo vai privatizar a geração e a distribuição da três elétricas paulistas, a Cesp, a Eletropaulo e a CPFL, além da Comgas. Na área de transportes, vai licitar 4 mil quilômetros de rodovias estaduais e uma linha do metrô com capacidade para 1 milhão de passageiros por dia, a linha que ligará a Avenida Paulista à Vila Sônia (zona Leste de São Paulo). Além disso, fará concessões para a exploração dos serviços de distribuição de água.
II – Como serão feitas as privatizações das elétricas?
GA – A Assembléia Legislativa já aprovou uma lei nesse sentido. Já foram lançados os editais de concorrência pública internacional para a contratação das consultorias que farão a avaliação econômica financeira das privatizações, que é o chamado serviço A, e a avaliação e modelagem de venda, que é o chamado serviço B.
II – Já foram contratadas essas consultorias?
GA – Estamos em fase de conclusão. Até o final de maio deveremos ter os contratos assinados. A partir da assinatura dos contratos, o prazo do trabalho na CPFL é de 4 meses e na Eletropaulo e na Cesp é de 5 meses.
Dessa forma, a CPFL estará pronta para ser privatizada ainda em novembro deste ano e a Eletropaulo e Cesp um mês ou dois depois.
II – Qual o modelo a ser seguido nas privatizações paulistas?
GA – Vamos agrupar as empresas de geração por bacia hidrográfica, e então criar subsidiárias integrais de acordo com essas bacias e privatizá- las uma a uma.
II – O que será privatizado serão as bacias?
GA – Exatamente, você não irá privatizar a Cesp, não irá privatizar a Eletropaulo, você irá privatizar subsidiárias integrais por bacia hidrográfica, as usinas hidrelétricas da bacia do rio Paranapanema, do rio Paraná, do rio Pardo, etc
II – Quantas bacias existem para serem privatizadas?
GA – Nós deveremos ter 6 subsidiárias de geração, mas esse é um estudo preliminar, isso só vai ser definido após o trabalho da consultoria. O trabalho da consultoria inclui também fazer a modelagem de venda, recomendando ao governo a melhor. Mas, a princípio, a idéia é separar a área de geração por bacia hidrográfica, a de distribuição por região e manter o controle acionário sobre a transmissão.
II – Como seria feita a divisão da distribuição?
GA – Vamos dar um exemplo. No caso da Eletropaulo, nós teríamos a Eletropaulo Capital, Eletropaulo ABC, Eletropaulo Vale do Paraíba, Eletropaulo Alto Tietê (região de Mogí), Eletropaulo Baixada Santista e Eletropaulo Região de Sorocaba. São 6 subsidiárias para serem privatizadas. No caso da Cesp a mesma coisa, formando duas ou três regiões. No caso da CPFL, pode-se vendê-la inteira ou dividi-la em três regiões, Campinas, Bauru e Ribeirão Preto. Esse é o trabalho que a consultoria, apresentando o melhor modelo de venda.
II – Isso pode significar, só na privatização das elétricas paulistas, umas 20 empresas.
GA – Exatamente, serão quase 20 subsidiárias que serão vendidas. A rigor, o tamanho das elétricas paulistas é muito grande. A Cesp é a maior geradora de energia da América do Sul (excluída Itaipu) e a Eletropaulo é a maior distribuidora de energia da América do Sul. São empresas enormes. Então, o governo privatiza melhor na medida em que faz isso em partes.
II – Por onde começa a privatização?
GA – Começará pela área de distribuição. Nós deveremos ter o leilão ou os leilões da primeira privatização no último trimestre deste ano, que será da CPFL. Em seguida, virão Eletropaulo e CESP, no início de 98. A área de distribuição precederá a área de geração.
II – Quanto se calcula que seja o valor das empresas elétricas paulistas?
GA – Grosso modo, o patrimônio líquido das três elétricas paulistas, incluindo geração, transmissão e distribuição, deve estar em torno de R$ 22 bilhões. Não que tudo isso vai ser privatizado, não que tudo isso pertença ao governo, o governo é proprietário de cerca de 2/3 das ações.
II – E qual o passivo das três?
GA – Está em torno de R$ 18 a 19 bilhões. Assim, elas somariam um patrimônio total de uns R$ 40 a 41 bilhões.
II – Qual o montante dos investimentos necessários nessas empresas?
GA – Bem, o governo não está aguardando vendê-las para fazer os investimentos. A usina de Porto Primavera (no rio Paraná), por exemplo, está sendo concluída com recursos da própria Cesp e as usinas de Canoas 1 e 2 (no rio Paranapanema) estão sendo concluídas com recursos do setor privado, do grupo Votorantim.
II – O grupo Votorantim comprou as usinas?
GA – Ele ganhou a concessão para explorá-las. Foi feita uma concorrência pública, a nível internacional, para terminar Canoas 1 e 2 usando recursos privados. Ganharia quem ofertasse a maior quantidade de energia gerada ao Estado. A CBA (grupo Votorantim) ganhou, oferecendo 49,7% da energia a ser gerada durante 35 anos. O governo não vai investir um centavo na conclusão das duas usinas. As obras foram retomadas e ficarão prontas até o final do ano que vem, adicionando ao sistema energético de São Paulo 154 Megawatts, dos quais o governo receberá praticamente a metade por 35 anos. Passado esse tempo, as usinas passam para o governo federal, que é o poder concedente.
II – Como está a privatização da Comgas?
GA – Foi publicado, na semana passada, o edital de concorrência publica para contratação de consultoria para o serviços A e B, que são a avaliação e a modelagem de venda. Então, em 60 dias, no máximo, deveremos ter contratado as consultorias e até o final do ano deveremos ter também a concessão da Comgas, que poderá ser apenas uma concessão para o estado todo ou várias, para diferentes regiões. Isso significa que poderemos ter uma ou mais Comgas para serem privatizadas. Essa modelagem será trabalho da consultoria.
II – Com a privatização da Cesp, que é a controladora da Comgas e da CPFL, não se está privatizando automaticamente essas duas controladas?
GA – Não, porque não haverá privatização da Cesp, mas de subsidiárias da Cesp. O Programa Estadual de Desestatização, o chamado PED, engloba os setores de geração e distribuição de energia da Cesp, Eletropaulo, CPFL e também da Comgas. O que será privatizado serão subsidiárias dessas empresas, de acordo com os estudos das consultorias, e não elas próprias.
II – Quem são os potenciais compradores dessas empresas?
GA – Acho que são os consórcios, que reunirão investidores individuais, grandes consumidores de energia, fundos de pensão, bancos e construtoras. Acho que vai haver um leque de investidores nacionais e estrangeiros participando dos leilões, em consórcios ou não. No caso dos investidores estrangeiros, hoje você tem três fatores muito fortes de atração: a) a estabilidade política do país; b) a estabilidade econômica do país; c) a demanda do mercado paulista, enorme e com um potencial de crescimento muito grande.
II – Não há perigo de se repetir em São Paulo as enxurradas de liminares que os organizadores do leilão da Vale do Rio Doce tiveram que enfrentar?
GA – Você colocou muito bem, hoje o principal obstáculo ao processo de privatização não é a falta de vontade política do governo, não é a dificuldade legislativa em aprovar as privatizações, não é a falta de interesse do setor privado de participar dos leilões. A principal dificuldade são as obstruções de natureza jurídica. Os opositores ao processo de privatização têm escolhido o caminho jurídico para criar obstáculos ao processo. Mas estamos nos cercando de todos os cuidados de natureza jurídica, com um processo totalmente transparente, para tentar evitar as obstruções
II – Na área de transporte, o que será privatizado?
GA – O programa paulista prevê a concessão, através de concorrência pública, de cerca de 4 mil quilômetros de rodovias, sendo o maior programa do mundo. Já temos 5 editais publicados, cada um representando um lote de estradas de 200 quilômetros, em média. Só ai já são 1 mil quilômetros em licitação, e provavelmente teremos mais cinco editais no mês de maio.
II – Quais são esses lotes?
GA – Os primeiros são 5 lotes são: Anchieta-Imigrantes; Anhanguera- Bandeirantes; Castelo Branco-Raposo Tavares; um lote de estradas na região de Ribeirão Preto; e um lote de estradas na região de São João da Boa Vista.
II – Em que pé estão essas licitações?
GA – Dos editais publicados, o mais adiantado é o do sistema Anchieta- Imigrantes, com 9 consórcios pré-qualificados. Já foi feita a parte de pré- qualificação, estamos na parte das propostas técnico-financeiras.
II – Quanto tempo leva, ainda?
GA – Uma concessão, se não houver nenhum óbice jurídico, leva uns 8 meses, então nós deveremos ter ao final do ano a assinatura do contrato com o concessionário privado para a Anchieta-Imigrantes.
II – Como irá funcionar o sistema de concessões de rodovias?
GA – São concessões por 20 anos, de um tipo chamado concessão onerosa, no qual ganha quem oferece maior receita ao estado com base em um pedágio estabelecido pelo governo. Esse pedágio é R$ 0,045 por quilômetro nas rodovias binárias, como a Anchieta-Imigrantes e a Anhanguera-Bandeirantes; R$ 0,040 nas rodovias duplicadas e não binárias; R$ 0,025 nas rodovias não duplicadas. O concessionário privado, em troca da cobrança do pedágio, tem a responsabilidade de manutenção das rodovias, investimentos, e atendimento ao usuário.
II – Pode-se fazer concessões também para rodovias a serem construídas?
GA – O sistema de concessões só vale para a malha existente, os investimentos que o capital privado deve fazer nessa malha são para melhoria, como ampliação com 2º pista, alargamento de faixas, criação de 3º faixa etc.
II – E na área de transportes metropolitanos?
GA – Nessa área, estamos assinando a primeira concessão na semana que vem (final de maio). Será para um corredor de trólebus, de 33 quilômetros, ligando o Jabaquara (zona Sul) a São Mateus (zona Norte), passando pelo ABC.
II – Como será esse corredor de trólebus?
GA – O Consórcio Metropolitano de Transportes, que ganhou a concessão, terá a obrigação de substituir todos os ônibus a diesel por ônibus elétricos, com um duplo benefício à população: porque a eletricidade não polui e porque os ônibus elétricos são mais velozes e confortáveis.
II – Estão previstos investimentos privados no metrô?
GA – Estamos preparando o edital para a linha 4 do metrô, que prevê investimentos conjuntos do governo e da iniciativa privada. Esperamos no 2º semestre lançar o edital dessa linha, tendo o IFC (do Banco Mundial) como advisor. Essa linha vai da avenida Paulista ate a Vila Sônia (Zona sul) e transportará 1 milhão de passageiros/dia.
II – Como ficará a rede ferroviária do Estado?
GA – Esse é um caso à parte. A rede ferroviária paulista, com 4,5 mil quilômetros, será entregue ao governo federal como parte do acordo feito entre os governos paulista e federal para equacionar a dívida mobiliária do Estado de São Paulo com o Banespa e a Nossa Caixa. Essa dívida, em termos redondos, está em R$ 43 bilhões, dos quais 20% serão pagos com ativos do Estado e 80% num prazo de 30 anos. Deve haver concessão onerosa da malha ferroviária paulista, mas provavelmente essa será feita pelo governo federal.
II – Além das áreas de energia e transporte, estão previstos investimentos privados em outras áreas de concessão?
GA – Sim, na área de recursos hídricos. Nesse caso, a Sabesp não será o poder concedente, pois esse é o município. A Sabesp é uma concessionária, que fará sub-concessões. Já fizemos isso em Cajamar (cidade vizinha a São Paulo), licitando a distribuição de água e esgoto da cidade à iniciativa privada, através de concorrência pública, da qual saiu vencedor o Consórcio Cristais. Esse consórcio já está operando como sub- concessionário da Sabesp em Cajamar, desde o ano passado. Agora, com a assessoria do IFC (do Banco Mundial), estamos definindo o projeto Juquitiba, que irá captar água no rio Juquitiba ou na bacia do rio Ribeira para abastecer a região Oeste da Grande São Paulo. A concorrência pública para esse grande projeto, de R$ 280 milhões, deve sair ainda no 2º semestre deste ano.
II – O Estado de São Paulo, por várias razões, acabou acumulando empresas como hotéis e balneários. Isso será vendido?
GA – Já vendemos dois hotéis, dos sete que o Estado tinha, um em Águas de Lindóia (o Hotel Glória) e outro em Peruíbe (o Hotel Peruíbe). Os cinco restantes, juntamente com os dez balneários, também serão vendidos. A próxima concorrência será para vender um hotel e um balneário no município de Socorro.
II – E as participações minoritárias em empresas não estatais, serão vendidas?
GA – O governo vai vender as ações que possui de empresas como Bradesco, Vasp, Embraer, Telebrás etc. Mas não são valores relevantes. As ações dessas empresas foram transferidas para a Companhia Paulista de Ativos (CPA), que vai vendê-las.
II – E as empresas estatais que estão fora do programa de privatização, como ficam?
GA – Veja bem, o PED (lei nº 9361) autorizou o governo a vender as ações das empresas não privatizáveis, sempre que essas ultrapassarem 51% do seu capital ordinário. Com isso, o Estado mantém o controle sem ter que carregar além de 51%. No caso da Sabesp, 25% do seu capital (que valem cerca de R$ 2 bilhões) foram transferidos para CPA para serem privatizados.
II – E sobre a hidrovia Tietê/Paraná?
GA – Com a conclusão da eclusa de Jupiá, que está em obras e deve ficar pronta no ano que vem, o Tietê passa a ser navegável até Itaipu. Há um enorme potencial de investimentos privados em armazéns nas margens dessa hidrovia.
II – Como o governo paulista tem levado seu programa de privatização aos investidores de outros países?
GA _ O governador Mário Covas já esteve em Londres, no ano passado, fazendo a apresentação dos setores de energia elétrica e transporte (incluindo o metropolitano) aos investidores europeus. Eu estive em Buenos Aires, em Nova York, e mais recentemente (mês passado) em Hannover e Hamburgo, na Alemanha, expondo o programa de desestatização paulista. Além disso, recebemos em São Paulo, todas as semanas, delegações de investidores do mundo inteiro.