“Fomos para o mal” | Apesar da crise, os fundos multimercados da ...

Edição 198

No dia 16 de maio, quando o Ibovespa batia em 74 mil pontos e muitos apostavam que ele chegaria fácil aos 100 mil até o final do ano, a gestora da Fator Administração de Recursos (FAR), Roseli Machado, chegou a duvidar da posição que havia tomado alguns meses antes contra a vigente teoria do descolamento dos mercados. Ela não acreditava nessa teoria, mas até então as bolsas subiam sem parar. “Eu não tinha comprado a tese do descolamento, mas confesso que estava incomodada com a subida constante da Bolsa”, recorda.
Na segunda metade de maio os mercados começaram a cair e a volatilidade se agravou a partir de junho. Na prática, isso confirmava as apostas de Roseli, que começou a posicionar seus multimercados para venderem ações e DI e comprarem câmbio. “A partir de julho começamos a ir definitivamente para o mal, apostando na crise. Afinal, cliente que compra multimercado espera que o gestor se antecipe aos movimentos de mercado para ganhar tanto na alta quanto na baixa das bolsas”.
Prevendo uma queda generalizada nos preços das commodities por conta da contaminação da China pela crise, nessa época as mesas da FAR falavam mais com os analistas da China do que com os de Wall Street.
Roseli deu ordem para os fundos se desfazerem de papéis de segunda linha, além de ações da Vale, Petrobras e siderúrgicas. Em índices, a ordem era operar vendido em bolsa e comprado câmbio. “No final de julho, nossa posição para ganhar com a crise estava tomada”, conta.
Com isso, enquanto a indústria de fundos multimercados chega perto do final do ano contabilizando elevadíssimas perdas, os fundos da FAR exibem uma rentabilidade de causar inveja. O Hedge Absoluto, o mais arrojado, acumulava uma rentabilidade de 10,7% no ano, até 27 de novembro. Esse fundo vinha perdendo até abril, quando contabilizava rentabilidade negativa de 1%, mas a partir de maio virou o jogo e começou a ganhar chegando ao final de novembro com 125% do CDI. Os outros fundos multimercados da FAR, embora com performances menos vistosas, também ganharam no período. O Hedge chegou em 27 de novembro com 112% do CDI, o Arbitragem com 102% do CDI e o Balanceado com 90,1%. Mesmo os fundos multimercados adequados à Resolução 3.456, que são os fundos Sigma e Extra, ganharam no período. “Nenhum está com perdas, todos estão positivos e mesmo os que não estão superando o CDI estão muito próximos dele”, diz a gestora do Fator.
Para o analista da PPS Performance, Leonardo França, “ganhar nesse período mostra um timing muito bom”. Um levantamento feito pela PPS com 76 fundos agressivos, entre os quais está o Hedge Absoluto, mostra que ele ocupa o 7° lugar entre os mais rentáveis, com timing positivo.
Num segundo levantamento, feito com 67 fundos com o segundo maior grau de agressividade, os multimercados do Fator também se saíram muito bem. “O Arbitragem tem o melhor desempenho nesse grupo, o Hedge é o segundo e os dois fundos direcionados aos fundos de pensão, que são o Sigma e o Extra, ficaram em 6° e 9° lugares em rentabilidade”, explica França. “Entre as 10 primeiras posições, eles ocuparam quatro”.
Ainda de acordo com França, muitos fundos multimercados mostraram nessa crise que não têm o que entregar ao investidor, que é a capacidade de entrar e sair dos mercados no timing certo. Com isso, devem ser penalizados com perdas de mandatos. Entretanto, ele faz a ressalva que o investidor brasileiro ainda tem o vício do olhar o desempenho dos fundos privilegiando o curto prazo, o que pode prejudicar alguns bons gestores que foram pegos no contrapé. “É importante ver como cada gestor se comportou durante a crise, mas é preciso olhar também para o longo prazo”. diz.

Operar vendido – Para a executiva do Fator, os gestores de fundos no Brasil têm uma dificuldade muito grande em operar vendido em bolsa.
Mas, tomar posições nessa direção deveria ser algo natural, já que o mandato de um fundo multimercado permite operar de qualquer lado. “O mandato é para antecipar movimentos e ganhar com eles, seja em uma direção ou em outra”, diz. “Acho que isso reflete a pouca maturidade da indústria de gestão de multimercados, a maioria das assets desse segmento é nova, surgiu nos últimos anos, e nunca tinha enfrentado uma crise. Elas só conheciam a realidade da bolsa em alta”.
A crise de 2006, quando Alan Greenspain alertou para a “exuberância irracional do mercado”, não conta. Embora essa crise tenha criado uma turbulência nos mercados, por conta de excesso de liquidez e altas consideradas exageradas nas bolsas, passou logo e não chegou a machucar ninguém. A maior parte das assets se limitou a reduzir sua exposição ao risco das bolsas e migrou para a renda fixa, mas não chegaram ao nível de apostar contra a Bolsa. A dimensão da crise foi muito menor e logo foi esquecida, sem traumas para os mercados mas também sem grandes lições. Desta vez foi diferente, quando a tese do descolamento começou a fazer água as notícias ruins passaram a surgir uma após a outra e não havia nenhuma perspectiva de superação da crise. A maioria das assets continuou comprada em bolsas e, pela correlação que apresentam, permanecem compradas até hoje. “Na viradas das bolsas, quando o cenário começou a se deteriorar rapidamente, a melhor alternativa era vender índices”, diz Roseli. “E foi o que fizemos”.
Agora, ela avalia que o mercado permanecerá ruim até que a China dê sinais de recuperação. A China, e não os Estados Unidos, são o ponto a ser observado daqui para a frente. O governo chinês tem anunciado investimentos vultosos em infra-estrutura, em obras que usam principalmente aço, mas ainda não está claro como isso será conduzido nem os efeitos que trará para a economia daquele país. Se o mercado chinês reagir, ações das empresas de commodities do mundo todo serão as primeiras a se valorizarem. O Brasil será um dos principais beneficiados de uma retomada da economia chinesa.
Até que isso aconteça, entretanto, os fundos da FAR operam com baixa exposição ao risco. O pior da crise pode ter passado, assim como o desespero dos hedge funds estrangeiros que precisaram vender Brasil rapidamente para fazer frente a prejuízos em suas matrizes, mas os efeitos nas economias só estão começando. “Entretanto, já está claro que não haverá quebras nem de grandes bancos nem de grandes empresas”, diz Roseli. “A parte da crise onde todo mundo vendia todo mundo já passou”.

Apostas – Os efeitos da crise na economia real do Brasil ainda são incertos. Os fundos da FAR, entretanto, continuam sem apostar em Vale, Petrobras e siderúrgicas. Segunda linha, nesse momento, nem pensar.
Segundo Roseli, os fundos multimercados da casa continuam buscando antecipar movimentos, mas sem adotar nenhuma grande posição, sem manter em carteira papéis ilíquidos e sem apostar que alguma estratégia seja a “salvação da lavoura”. De acordo com ela, “como estamos ganhando, não precisamos de uma estratégia de salvação da lavoura, apostamos com cautela nos movimentos em que acreditamos”.
A palavra de ordem é observar atentamente a China. Se a retomada vier rápida, a tese do descolamento pode voltar aos mercados e os investidores estrangeiros podem voltar a operar forte no Brasil. Roseli acredita que a Bolsa, que chegou a 30 mil pontos no fundo do poço, não deve passar dos 45 mil no ano que vem. “Se a Bolsa subir e os juros caírem no ano que vem, nem tudo está perdido”.

Asset não mudará perfil dos fundos O volume sob gestão da FAR caiu 18% na crise, para R$ 3,3 bilhões, por causa dos resgates de clientes que precisaram sacar para cobrir prejuízos em outros mercados. “Mas nossas perdas foram bem menores do que o resto da indústria”.
Por conta disso, a FAR não está planejando abrir fundos mais conservadores. “Nossos clientes conhecem o perfil da casa, quando querem uma casa com perfil mais conservador buscam os grande bancos de varejo que têm esses fundos mais conservadores”, diz.