O desafio da Selic

Edição 188

Incerteza em relação à trajetória da inflação e da Selic desafia os gestores
de renda fixa, mas cenário volátil, entretanto, pode abrir espaço para
apostas mais arrojadas

Se havia uma unanimidade nas análises econômicas, até pouco tempo
atrás, este consenso era acerca da queda da taxa básica de juro. Dez
entre dez profissionais do mercado financeiro apontavam como certa a
trajetória declinante da Selic – o que, de fato, vinha ocorrendo desde
setembro de 2005. Mas a euforia em relação ao corte dos juros cede
lugar, agora, à incerteza. O cenário é nebuloso e há quem aposte,
inclusive, em uma guinada no rumo da política monetária, com uma
possível alta da Selic ainda em abril. Os contratos de juros futuros já
antecipam essa mudança de direção, sendo negociados na Bolsa de
Mercadorias & Futuros (BM&F) a taxas próximas de 13% ao ano. A Selic
está, hoje, em 11,25% ao ano.
As dúvidas começaram a vir à tona no fim de 2007, quando o Comitê de
Política Monetária (Copom) decidiu dar uma pausa na seqüência de cortes
da Selic. O aquecimento da economia doméstica somado à pressão
inflacionária fizeram acender o sinal de alerta na turma do Banco Central.
Em seu informe mensal, a Votorantim Asset Management (VAM) lembra
que a expectativa de crescimento econômico no início de 2007 era de
pouco mais de 3% e a inflação, de 4%. “Após vários cortes de juros e uma
enorme expansão do crédito, o crescimento no ano passado foi superior a
5%, com inflação mais alta do que se esperava: 4,5%”, destaca o
relatório.
Na esteira da crise do subprime, outro ingrediente vem acrescentando
ainda mais risco ao já volátil cenário financeiro: a possibilidade de a
economia americana entrar em recessão. Analistas temem uma fuga de
recursos com poder de pressionar o câmbio e provocar a desvalorização do
real frente ao dólar, num dominó que acabaria afetando, por tabela, os
indicadores de inflação. “Não é à toa que os juros futuros estão altos. O
investidor está pedindo um prêmio pelo aumento da incerteza”, explica
Roberto Cintra, responsável pela área de investimentos da Western Asset
Management.
As apostas em torno da trajetória da taxa de juro vão sendo alteradas na
medida em que novas informações e fatos são trazidos à tona. “Três
meses atrás, havia um certo consenso de que o BC voltaria a reduzir os
juros no segundo semestre de 2008”, conta Alexandre Póvoa, diretor do
Modal Asset Management. “De um mês para cá, essa concordância
desapareceu.” Mas Póvoa ainda acredita em um movimento de queda da
Selic, porém menor do que o previsto inicialmente para 2008. A sua
projeção para a taxa básica de juro subiu de 10,25% ao ano para 10,75%,
em dezembro.
Tecer um prognóstico tem sido tarefa ingrata para os especialistas. O
principal desafio, na opinião de Póvoa, é avaliar a dimensão da inflação
dos alimentos, que nos últimos 12 meses acumula variação de
aproximadamente 11%. No mundo inteiro, o preço dessas commodities
agrícolas estão subindo por dois motivos básicos: aumento da procura,
provocado pela maior inserção das economias de países emergentes no
cenário global, e a produção de combustíveis alternativos. “Há três anos, a
inflação dos alimentos era sazonal, provocada por alterações climáticas”,
assinala Póvoa. “Hoje, precisamos encarar não o desafio de uma inflação
de oferta, mas sim de demanda.” Diante desse novo cenário, fica,
portanto, a questão: cabe ao BC enfrentar esse novo tipo de pressão
inflacionária com aumento de juros?
Trata-se de uma pergunta de difícil resposta. A equipe de análise
econômica da Votorantim Asset reconhece que essas alterações no setor
agropecuário não serão passageiras e que o movimento de alta nos
preços dos alimentos deve continuar. Avaliando os três componentes do
IPCA (alimentação, preços administrados e preços livres), a VAM projeta
uma elevação do índice de 4,3% ao fim de 2008, patamar próximo ao
centro da meta. Além de um ambiente novo, o período é de forte
turbulência no mercado financeiro internacional. Por conta dessas
incertezas, muitos profissionais têm optado pela cautela na hora de gerir
os fundos de renda fixa. “Os instrumentos de inflação têm se mostrado
uma boa alternativa desde o segundo semestre de 2007”, afirma Póvoa,
do Modal. “Enxergamos fortes sinais de inflação no atacado e, se houver
uma crise energética, a pressão será ainda maior. É mais fácil, portanto,
operar com NTN-Bs.”
Os títulos atrelados ao IPCA funcionam como uma espécie de seguro em
momentos de indefinição, uma vez que o retorno se dá em termos reais –
ou seja, ele fica protegido contra um repique da inflação. “Quando existe
muito risco no sistema, as posições defensivas são mais recomendáveis”,
avalia Beny Parnes, diretor responsável pela BBM Asset Management, que
apesar da postura mais conservadora trabalha com um cenário de
manutenção da Selic em 11,25% até o fim do ano.

Ousadia – Embora a aversão a risco dê o tom nos investimentos, o
cenário atual também oferece espaço para apostas mais arrojadas. Como
a curva de juros já traz embutida várias rodadas de aumento da Selic, as
casas que trabalham com um cenário menos pessimista têm enxergado,
aí, boas oportunidades de ganho. É o caso da Votorantim Asset
Management. Seus gestores fizeram os cálculos e conseguiram definir
estratégias de investimento em títulos prefixados com uma relação eficaz
entre risco e retorno (ver tabela). Num cenário de manutenção da taxa de
juro em 11,25% ao ano, o prêmio para aplicações em prefixados de um
ano (cotados a 12,06% a.a.) seria equivalente a 109% do CDI. Para o
período de dois anos, levando-se em consideração a taxa atual de 12,8%
a.a., a rentabilidade subiria para 115% do CDI.
É importante notar que, em caso de alta da Selic, as mesmas apostas em
títulos de um ano suportariam um processo de até quatro elevações de
0,5 ponto percentual da taxa básica de juro, uma vez que a cotação futura
carrega previsões de aumentos superiores. O mesmo raciocínio vale para
os investimentos em contratos de dois anos. Mesmo que ocorram cinco
altas consecutivas da Selic de 0,5 ponto percentual, o investidor não sairia
no prejuízo. “Os riscos nos dois casos são aumentos de juros ainda
maiores que estes”, alerta o relatório da VAM.
A Western também tem tirado proveito da acentuada curva de juros
futuros. “O que está implícito não necessariamente corresponde à nossa
expectativa”, justifica Roberto Cintra. Segundo o executivo, quando
comparadas as projeções do IPCA com os prêmios dos títulos prefixados,
tem-se uma inflação implícita alta, em torno de 5% ao ano. Isso significa
que os papéis atrelados ao IPCA ficaram mais caros. Em meados de 2007,
para se ter idéia, a inflação implícita nas NTN-Bs estava por volta de 3,5%
a.a. A preferência na gestão de ativos de renda fixa dentro da Western,
portanto, tem recaído sobre os títulos prefixados de prazos mais longos,
com vencimento para daqui a quatro ou cinco anos. “Mas não deixamos
de comprar títulos indexados à inflação, até porque temos muitos
mandatos com benchmark em IPCA e IGP-M”, ressalva.
Apesar de suas estimativas apontarem para uma inflação próxima à meta
estabelecida pelo governo, de 4,5%, Cintra não descarta um aumento da
Selic ainda neste primeiro trimestre. Seria, na sua avaliação, uma atitude
preventiva. Mas ao contrário do que se poderia imaginar, Cintra vê esse
movimento com bons olhos. “Se o Banco Central atuar mais cedo, ele
precisará subir menos lá na frente ou, até mesmo, voltar a reduzir os
juros no fim do ano”, observa ele.