Edição 187
Embora o crescimento do setor de construção civil continue vigoroso em
2008, ainda há dúvidas se as emissões de Certificados de Recebíveis
Imobiliários vão mesmo deslanchar
Taxa de juros em níveis mais civilizados, crescimento econômico,
estabilidade monetária, grande volume de recursos sendo direcionado
para o crédito e prazos maiores de empréstimo. É essa conjuntura que
está levando diversos profissionais do mercado financeiro a apostar que
2008 será um ano de prosperidade para o setor imobiliário. Mas enquanto
a bolsa de valores desponta como o canal predileto de financiamento das
empresas do ramo, o mercado de Certificados de Recebíveis Imobiliários
(CRIs) ainda parece patinar.
Segundo dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), até 10 de
dezembro de 2007 as emissões de CRIs somavam R$ 1,2 bilhão,
incluindo os títulos dispensados de registro na autarquia. O número é
ligeiramente superior ao apurado em 2006, quando o montante atingiu R$
1,07 bilhão, mas inferior ao volume de 2005, quando as operações de
securitização de crédito imobiliário movimentaram R$ 2,1 bilhões (confira
tabela). Se comparado aos demais instrumentos de captação de recursos
disponíveis, o CRI ocupa, com folga, a posição de lanterninha. De acordo
com levantamento da Associação Brasileira de Bancos de Investimento
(Anbid), as 39 emissões de CRIs realizadas até novembro do ano
passado (num total de R$ 848 milhões) representavam apenas 0,6% do
mercado de títulos privados, enquanto as debêntures, com o mesmo
número de ofertas registradas, por exemplo, respondia por 34% dos
recursos captados (veja gráfico).
Boa parte da ampliação das atividades de construção civil tem sido
financiada por aberturas de capital em bolsa. Somente em 2007, foram 27
companhias listadas na Bovespa. A previsão para 2008 é de que os IPOs
continuem aquecidos. Nada impede, porém, que as empresas também
recorram à emissão de dívidas e a operações de securitização para
expandir seus negócios. Esse é, aliás, um segundo passo já tradicional
dentro do ciclo de desenvolvimento do mercado de capitais. Resta saber,
agora, quando esse estágio vai chegar. Na opinião de Marcelo Michaluá,
diretor executivo de finanças estruturadas da Rio Bravo Crédito, essas
alternativas já estão na pauta dos investidores. “Os gestores de recursos
de fundos de pensão estão interessados em comprar papéis com lastro
imobiliário, como CRIs, CCIs e FIDCs”, diz.
Os CRIs são títulos lastreados em créditos imobiliários, seja para fins de
financiamento ou de locação. Uma das características do papel que vem
atraindo investidores institucionais é a sua longevidade. Os prazos de
resgate variam, em média, de cinco a dez anos, bastante adequados às
obrigações financeiras dos fundos de pensão. Além disso, com a
tendência declinante da taxa de juro, papéis de renda fixa que ofereçam
um retorno superior ao dos títulos públicos têm se mostrado uma opção
interessante de diversificação. Atualmente, a rentabilidade de um CRI gira
em torno de 9% a 11% mais IGPM, variando conforme a classificação de
risco da aplicação.
Dentre os fundos de pensão que já experimentaram o investimento – e
gostaram – estão a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, Petros
(Petrobras), Funcef (Caixa Econômica Federal) e Sabesprev (Sabesp). A
Funcef, por exemplo, está de olho em CRIs com lastro em shoppings,
edifícios comerciais e empreendimentos logísticos. “A oferta de recebíveis,
hoje, está muito melhor não só em termos de quantidade como também
de qualidade”, afirma Jorge Luiz de Souza Arraes, diretor de participações
da entidade.
Os bancos também podem se revelar um público potencial. Michaluá, da
Rio Bravo, lembra que os CRIs são uma das alternativas de
enquadramento das carteiras de investimento das instituições financeiras –
que precisam aplicar 65% do crédito obtido por meio da caderneta de
poupança no financiamento à habitação, seja pela concessão de
empréstimo a incorporadoras, a pessoas físicas ou pela compra de ativos
como o CRI. “A demanda dos bancos por esse tipo de alocação está
crescendo”, afirma Michaluá. A Associação Brasileira das Entidades de
Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) já se mexe para tornar o CRI um
substituto natural para os recursos da poupança. A Abecip pretende
estabelecer em 2008 as primeiras regras de auto-regulação para
padronização dos contratos de financiamento com lastro imobiliário, como
os CRIs, o que facilitaria a leitura do documento e atrairia mais
investidores. Hoje, apenas há padronização no que tange aos requisitos
de documentação para a aprovação da emissão.
No desenho de um panorama mais promissor para o mercado de
securitização de crédito imobiliário, às características do CRI e às
peculiaridades do mercado financeiro brasileiro somam-se os indicadores
macroeconômicos. Uma pequena mostra desse potencial é a tímida
participação do setor imobiliário no PIB brasileiro, hoje de 2%. No México,
por exemplo, a construção civil responde por 12% da produção de
riquezas do país e, no Chile, por 15%. Pedro Martins, estrategista de
renda variável para a América Latina da Merrill Lynch, calcula que a
participação brasileira deva atingir a fatia de 10% do PIB nos próximos
anos.
Mas apesar do otimismo de alguns profissionais do setor financeiro, há
quem duvide de uma evolução significativa nas emissões de CRIs, pelo
menos por ora. Para Edivar Vilela Queiroz Filho, diretor comercial da Luz
Engenharia Financeira, o volume de emissões de CRIs pode crescer em
2008, mas muito devagar. “Talvez em quatro anos esse mercado esteja
maior; mas 2008 não será o ano do CRI”, sentencia. Isso se deve,
segundo ele, a uma incerteza sobre os rumos da economia mundial e a
ameaças de que a crise no mercado americano de hipotecas subprime
afete o Brasil. “A economia brasileira ainda é frágil”, opina.
Gato por lebre – Queiroz Filho lembra, ainda, que alguns investidores
institucionais têm receio em adquirir CRIs pelo histórico de risco de pré-
pagamento do papel. Há dois anos, alguns emissores aproveitaram os
períodos em que o índice de base do rendimento do papel estava baixo
para pagar várias parcelas da dívida ou até mesmo quitá-la, diminuindo a
rentabilidade prometida ao investidor e surpreendendo muitos
gestores. “Muitos investidores acabaram comprando gato por lebre”,
recorda-se. Michaluá, da Rio Bravo, pondera, no entanto, que esse não é
um fator tão relevante, hoje, porque há multas que os emissores
precisam pagar aos investidores caso queiram quitar as parcelas de seu
título de dívida antecipadamente.
Os aspectos regulatórios que envolvem a emissão de CRIs também
podem criar dificuldades para que esse mercado deslanche. Com as
Instruções 443 a 446 da CVM, válidas a partir de março de 2007, foi
estendida a todos os instrumentos de financiamento com lastro imobiliário
uma série de obrigatoriedades na estruturação do contrato, com o intuito
de padronizar o setor e trazer mais transparência para as emissões. No
caso do CRI, tornou-se obrigatória a elaboração de um prospecto com
informações detalhadas da companhia emissora, contratação de uma
instituição intermediária para as ofertas de distribuição com captação
superior a R$ 30 milhões, necessidade de rating, publicação do balanço,
arquivamento de operações durante um determinado período de tempo
após a entrada do pedido na CVM, entre outros procedimentos.
Esse aumento da documentação exigida tem levado muitos emissores a
repensar a decisão de financiamento por meio de CRIs, já que os custos
de estruturação aumentaram e o mercado não está tão interessado nesse
título como em outros. “Eles (emissores) não estão conseguindo conciliar
a remuneração que precisam pagar para serem atrativos com os custos de
estruturação e colocação do papel no mercado. As taxas não fecham as
contas do emissor, desestimulando a busca de financiamento via CRI”,
afirma Carlos Eduardo Ferrari, advogado sênior do escritório Navarro
Advogados e especialista em mercado financeiro de capitais.
Ele explica que as novas exigências também estão permitindo aos
investidores compararem mais de perto esses recebíveis a outros ativos,
mais atrativos, como debêntures, Fundos de Investimento em
Participações (FIPs) e ações, acirrando a concorrência. “Seu contrato é
longo, complexo e complicado de ser lido, o que demanda tempo e
paciência por parte do investidor. Com tantas opções de investimentos,
em especial o segmento de renda variável, o investidor acaba se
desinteressando por papéis mais complicados e aplicando seus recursos
em ativos que ele já conhece”, sustenta Queiroz. “O excesso de zelo (das
novas regras) acabou prejudicando um título que poderia contribuir para
deslanchar o mercado ainda mais”, afirma Ferrari.