Edição 179
Walter Cardoso, da CB Richard Ellis, fala sobre o aquecimento do mercado imobiliário
A movimentação e a liquidez do mercado imobiliário tem surpreendido muita gente, principalmente depois que mais de uma dezena de incorporadoras desse segmento foram às bolsas no ano passado para abrir o capital. E a boa aceitação dos seus papéis pelo investidores mostra que as expectativas positivas que estão sendo traçadas pelos seus executivos são compartilhadas pelo mercado. Para o presidente do grupo norte-americano CB Richard Ellis, Walter Cardoso, um dos grandes especialistas desse mercado, as mudanças ocorridas na economia brasileira nos últimos anos explicam esse crescimento. “Não é um boom, como muitos dizem, para falar a verdade nem gosto muito dessa expressão”, afirma ele em entrevista exclusiva à Investidor Institucional. “Acho que estamos começando um forte movimento de liquidez desse mercado, só isso”. Veja, a seguir, os principais trechos da sua entrevista:
Investidor Institucional – Como você avalia esse “boom” que está acontecendo no mercado imobiliário?
Walter Cardoso – Para começar, acho errado chamar isso de “boom”.
Boom é um mecanismo que começa, o mercado cresce, cresce, cresce, muitos negócios são feitos e depois de 5 anos, 6 anos, o mercado explode. Não é isso que está acontecendo no mercado imobiliário, na verdade o que está acontecendo é que está começando um momento forte de liquidez nesse mercado. Só isso! Agora, todo mundo está falando em “boom”, mas é um erro.
II – Então, é um movimento consistente?
WC – Eu tenho absoluta convicção que sim. Veja, o País mudou, as condições macroeconômicas do país mudaram e isso mudou o nosso mercado. Alguns anos atrás você ficava discutindo o país e não o negócio.
Meus sócios lá fora, que negociam bilhões por ano, perguntavam para mim: “Como eu faço para te ajudar aí, no Brasil”? Eu falava, não adianta fazer nada. Eu sabia que não adiantava fazer nada.
II – O que mudou desde então?
WC – Muita coisa mudou. Nos últimos dez anos, todo mundo que vinha pra cá queria saber da valorização do dólar, da dívida externa. Hoje, acabaram essas duas preocupações, eu não preciso responder quanto o dólar vai flutuar ou se o Brasil vai entrar em default. O Brasil tem mais dinheiro em caixa do que deve e o dólar tem variado em uma faixa pequena. O risco país desabou. Essa foi a primeira coisa que mudou. A segunda coisa que mudou foi a parte estrutural de nosso mercado, pois hoje nós temos uma legislação de fundos imobiliários, de recebíveis imobiliários, de certificados de recebíveis imobiliários, que não tínhamos.
Além disso, mudou a situação do mercado de capitais, ou seja, nas últimas duas décadas você nunca teve notícia de abertura de capital de empresas da área de construção civil. E agora essa é a área que mais abre capital.
II – A facilidade de abertura de capital na Bovespa ajudou esse movimento?
WC – Claro que sim. Hoje um processo de abertura de capital na Bovespa demora no máximo seis meses, antigamente demorava de dois a três anos. Agora tem um caminho rápido, que varia de três a seis meses, como é no mundo inteiro. Isso dispensou aquela burocracia enorme que existia, simplificou. Então, o novo mercado criou condições para as empresas se capitalizarem. No ano passado foram comercializados mais ou menos R$ 1,5 bilhão de escritórios de São Paulo, contra uma média de R$ 200 a 300 mil anteriormente. Foi um pulo de quase 5 vezes, e precisamos ressaltar que isso foi feito com 60% de capital nacional e somente 40% de capital estrangeiro.
II – A maior parte dos recursos do mercado imobiliário é de capital nacional?
WC – Sim, mas é preciso explicar que nesses 60% estão incluídas as empresas nacionais que abriram capital e dentro delas tem também capital estrangeiro. O que quero dizer é que é um movimento gerado por empresas criadas no Brasil, com serviços brasileiros. Não são empresas multinacionais. Isso é uma coisa importante de citar, até porque hoje existe um mercado no qual você pode comprar imóveis, fazer um portfólio e depois abrir capital. Essa liquidez lá na ponta final, da abertura de capital, nós nunca tivemos.
II – Esse dinheiro todo no mercado não está inflacionando o preço dos imóveis?
WC – Com certeza está. Mas eu acho que chegou num limite. Eu acho que houve uma valorização e daqui para frente não dá mais para valorizar, senão o volume dos negócios vai cair muito. Existe um balizador, que é o custo de alavancagem, ou seja, o custo de captação das empresas. Como elas estão captando no Brasil, e mesmo com a queda dos juros o custo do dinheiro aqui ainda é alto, então o imóvel tem que render acima disso.
II – Na sua opinião, esse limite já foi alcançado?
WC – Sim, pois os imóveis estão subindo de preço e a tendência é que o retorno caia. Não adianta querer aumentar mais o valor do imóvel, senão a rentabilidade fica abaixo do custo de alavancagem e aí ninguém vai querer. Eu não posso chegar no banco, pegar o dinheiro emprestado a 11 para comprar um imóvel que vai render 10. Não dá. Eu tenho que ir no banco, pegar dinheiro a 10 para comprar um imóvel que vai render 11. É claro que existem malucos que estão entrando e comprando imóveis com capital próprio, que dispensam essa equação. Mas eles estão fazendo isso para entrar no mercado, não com tendência de volume a longo prazo.
II – Em quais segmentos o mercado imobiliário está mais quente?
WC – Nos mercados de escritório, industrial, de shopping. Este último teve uma característica diferente, pois se você pega as 5 ou as 6 maiores empresas vai ver que elas abriram capital ou se associaram a grupos estrangeiros. Você tem a Iguatemi, que abriu capital, tem a Ancar que fez associação com a Ivanhoe, tem a Iguatemi Nacional que fez associação com a General Growth, e tem também a Multiplan que fez associação com Cadillac. Mas quem mais está comprando não é nenhuma dessas, é a BR Malls, uma empresa brasileira do grupo da GP. Ela está comprando participação em todos os shoppings, até dizem que sua participação no mercado de shoppings já chega a 50%.
II – Quer dizer, quem está comprando mais é um grupo brasileiro?
WC – Exatamente, os gringos estão aí mas quem está realmente comprando é um grupo nacional, a BR Malls, que fez IPO recentemente.
Hoje você tem mais compradores, e também tem mais compradores para comprar desses compradores, e no final da ponta tem a possibilidade de abertura de capital. Estamos falando de uma liqüidez completa.
II – Os fundos de pensão pode ser prejudicados pela sua legislação, que coloca um limite para participar desse segmento?
WC – Eu choro para mudar essa lei há uns 10 anos, porque agora eles estão fora do jogo. Eles precisam ter liberdade de comprar. Com a rentabilidade da renda fixa que tivemos até hoje os institucionais não necessitavam desses ativos na carteira, mas agora eles vão precisar. A partir de agora a rentabilidade dos imóveis passa a ser muito importante.
II – Eles precisariam ter uma boa carteira de imóveis?
WC – Claro, e eles tinham tudo para ter construído a melhor carteira do mundo nesses últimos 10 anos.
II – Bom, mas eles ganharam na renda fixa nesse período.
WC – Ganharam até agora, mas os imóveis são uma aplicação para o longo prazo. Sem uma carteira para render nos próximos 30 anos, e talvez a renda fixa seja decepcionante nesse período, fica difícil alcançar as metas atuariais.
II – Você defende o fim dos limites para os investimentos em imóveis?
WC – Eu acho que são muitos limites para os institucionais. Veja só, nós estamos representando vários fundos de pensão de fora para comprar imóveis no Brasil. É o caso do fundo de pensão dos bombeiros e da polícia do Canadá, que estão comprando imóveis dos fundos de pensão brasileiros. Isso não tem sentido, eu deveria estar representando um fundo de brasileiro para comprar os melhores imóveis.
II – Os fundos de pensão brasileiros já perceberam essa nova realidade?
WC – Eles estão percebendo agora. Na verdade, eles têm duas realidades, uma boa e outra ruim. Eles estão num bom momento de vendas e tem que vender as coisas problemáticas da carteira. Vender aqueles imóveis que deram problema, porque imóvel que dá problema numa crise, dá em qualquer crise. Mas ao mesmo tempo devem imprimir uma política compradora de coisas boas, se associar com grupos de fora, tentar fazer uma política mais agressiva no setor. Se não fizerem isso, essa carteira poderá fazer falta para eles no final.
II – Em que segmentos devem investir?
WC – Em shoppings, escritórios e imóveis industriais.
II – O mercado residencial está ficando de fora desse movimento?
WC – Os investidores estão comprando o que eu chamo de private equity, que são participações em empresas residenciais. Mas não estão fazendo investimentos diretos na área residencial.
II – Os créditos podres do setor imobiliário norte-americano podem estar influenciando os investidores internacionais na montagem de carteiras imobiliárias em outros paises, como é o caso do Brasil?
WC – Não acredito nisso. Eu acredito que eles tenham uma liquidez muito forte lá fora, eles têm muito dinheiro por causa dos bons investimentos que fizeram. A partir do momento que o Brasil não tem mais risco estrutural, eles querem entrar no jogo imediatamente. Esse movimento já aconteceu na Rússia, no México.
II – É um movimento pré-investment grade?
WC – Eu acho que sim, mas acho que depois do investment grade o movimento não vai ser maior. Eu acho que o movimento maior é agora.
II – Qual a origem do capital que está entrando no setor?
WC – Vem de toda parte, tem dinheiro europeu, americano e canadense, nessa ordem.
II – Como estão os negócios da CB Richard Ellis?
WC – Estão ótimos. No ano passado nós batemos um record, movimentamos quase R$ 1 bilhão contra uma média anterior de cerca de R$ 200 a 300 milhões.
II – Quais são as expectativas para esse ano?
WC – É de melhorar em relação ao ano passado. O grande problema desse ano é encontrar oportunidades que façam sentido. Num mercado tão especulado assim, você não consegue as melhores coisas.
II – O mercado está saindo um pouco do eixo são Paulo – Rio?
WC – A tendência, no médio prazo, é saír. Eu acho que ainda vai ficar concentrado em São Paulo por um ou dois anos, mas depois vai sair.
II – Com relação ao pleito de eliminar os limites para imóveis na carteira das fundações, há negociações com a SPC?
WC – Fiquei sabendo, na semana passada, que está sendo avaliada até uma permissão para os fundos investirem em fundos estrangeiros, o que acho que será um grande avanço. Mas não soube nada sobre a revisão dos limites para a área imobiliária.
II – Não é o momento de colocar o pleito?
WC – Eu acho que sim, acho que não se pode deixar uma peça fundamental como o segmento imobiliário de fora da carteira das fundações. Veja bem, com os juros caindo para 7%, 8% e o imóvel rendendo 9%, o que você vai fazer? Aplicar na renda fixa ou comprar imóvel? Agora, eu acho que o melhor momento para fazer essa carteira imobiliária de longo prazo já passou, está um pouco tarde para isso.
II – Os imóveis nas carteiras das fundações devem ter uma revisão para cima. Isso vai tornar os limites ainda mais críticos?
WC – Eu acho que sim, a valorização vai pressionar os limites. Não é para soar como crítica, mas é uma constatação da realidade. Eu acho que, no final, os produtos imobiliários brasileiros vão ficar com um monte de fundos estrangeiros. Estou vendo as fundações nacionais fora do jogo.
II – Isso já está acontecendo?
WC – Sim. Os shoppings já foram. Veja, concordo que agora é hora de limpar a carteira dos negócios ruins, porque agora tem uma liqüidez que nunca teve. Mas então limpa e começa do zero, começa com um negócio planejado, porque eu acho que vale a pena para o futuro. Temos fundos de pensão estrangeiros que já têm uma excelente carteira de produtos imobiliários no Brasil.
II – Na sua opinião, o momento é agora?
WC – Durante muito tempo, o jogo dos juros altos distorceu a realidade. A avenida Nova Faria Lima, para nós, é a referencia de preço. Se na Nova Faria Lima o preço for 100, na marginal vai ser 60. Ela comanda os preços.
Eu não me conformo com o fato de que os fundos de pensão não são donos de tudo aquilo lá. Quando a Nova Faria Lima foi aberta, foi dito, redito, que aquele ia ser o melhor quilômetro de São Paulo, o quilômetro de ouro. Hoje, todos os prédios que estão lá são de investidores, tanto nacionais quanto estrangeiros, ou então são de pessoas físicas. Não tem nenhum fundo de pensão lá. Vai na 5ª Avenida, em Nova York, para ver se os fundos de pensão deles não são donos dos prédios de lá!
II – Os limites da 3121 não deixou os fundos comprarem?
WC – A lei foi a grande vilã nessa história.