Edição 174
Helmut Schwarzer, fala sobre a revisão da Resolução 3244
O titular da Secretaria da Previdência Social (SPS), Helmut Schwarzer, é um entusiasta dos regimes próprios de previdência municipal. Ele acha que a capitalização desses regimes terá um crescimento grande nos próximos anos, haja visto o número de institutos que já fazem reservas de capital, que bateu em 1003 ao final de junho, contra 900 no final do ano passado. “Acho que a capitalização dos regimes próprios vai crescer bastante, existe um espaço grande para isso”, diz ele em entrevista exclusiva à Investidor Institucional. Veja, a seguir, os principais trechos da sua entrevista:
Investidor Institucional – Há muitas críticas à rigidez da Resolução 3.244, que rege os investimentos dos regimes próprios. Ela deve sofrer algum tipo de adequação?
Helmut Schwarzer – Nós entendemos que é preciso fazer uma atualização da Resolução 3244 e estamos trabalhando para fazer essas alterações.
Talvez depois do segundo turno das eleições dê uma janela de oportunidade para darmos alguns passos junto com o Banco Central.
II – Quais limitações você vê na 3.244?
HS – Ela restringe a maior parte das aplicações aos títulos públicos, as carteiras ficam com muita coisa em renda fixa, e com a queda da taxa de juros isso está começando a trazer problemas de rentabilidade para alguns institutos. Na época em que foi aprovado a 3.244 nós tínhamos feito uma minuta que previa alguns outros instrumentos, inclusive o próprio Fidc, mas por razões de prudência eles acabaram ficando de fora.
Naquela época houve alguns receios de incluir instrumentos como esse, mas agora nós estamos com uma economia mais controlada, inflação baixa, juros em queda, então acho que agora eles seriam oportunos.
II – E os financiamentos imobiliários para servidores públicos, que alia boa rentabilidade com a segurança do desconto em folha. Isso será permitido?
HS – Não é só o empréstimo para finalidade imobiliária, acho que todo empréstimo com desconto em folha para servidores é muito apropriado.
Obviamente que precisa ter diversas válvulas de segurança, diversos fusíveis, para evitar que haja manipulação e abusos na gestão. Mas o que nos dificulta, especificamente, é que a Lei de Responsabilidade Fiscal, que veda que regimes de previdência, tanto o regime geral quanto o regime próprio, façam empréstimos de qualquer natureza.
II – Não é o caso de fazer uma alteração nesse aspecto da lei?
HS – Acho que sim, somos favoráveis a essa mudança, seria uma forma de o próprio segurado se sentir contemplado com algum benefício direto, imediato, que o seu regime de previdência pode lhe proporcionar antes mesmo dele se aposentar. Essa relação de crédito com o regime próprio de previdência durante a sua fase de atividade, ela amplia a identificação e o vínculo que o segurado tem com o seu próprio regime. Do ponto de vista dos gestores, estaduais ou municipais, esses recursos utilizados para empréstimos movimentariam a economia local. Eu acho que seria um instrumento fabuloso, obviamente que dentro de determinado limite e com algumas regras de segurança para evitar abusos políticos.
II – Que tipo de abusos?
HS – Por exemplo, o perdão das dívidas há poucas semanas das eleições, ou uma taxa de juros de pai para filho visando outro tipo de benefício para o governador ou para o prefeito de plantão.
II – Como estão as compensações do Comprev, estão funcionando?
HS – Eu não estou satisfeito com a forma como as coisas estão funcionando. O Comprev sofre da mesma falta de recursos humanos que há em outras áreas do INSS. Tem falta de recursos humanos na área de procuradoria, na área de perícia médica, na área administrativa. O Comprev, se não estou enganado, foi desenhado nos anos 90 dentro de algum acordo político que o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso fez com os governadores e ele acabou se transformando em um objeto de pressões políticas de todos os lados, porque todos querem receber e ninguém quer pagar.
II – Como assim?
HS – Todos os estados e todos os municípios querem receber do governo federal mas ninguém quer pagar para o governo federal aquilo que devem em termos de compensação previdenciária.
II – Todo mundo acha que compensação é uma via de uma mão só?
HS – Exatamente, mas deve ser via de mão dupla. Então, fica uma pressão sobre os gestores dos regimes previdenciários para que essa compensação sirva para resgatar finanças públicas de estados e municípios que tem problemas estruturais por outros motivos. Eu acho que o próximo governo, seja ele quem for, teria que sentar com os estados e municípios e tentar fazer um grande ajuste de contas nessa área, limpar esse meio de campo. Em muitos casos, os processos que estão acumulados no INSS sobre as compensações que devemos para estados e municípios estão muito mal instruídos, com erros de formulação que dificultam a velocidade das análises.
II – Na sua opinião, a concepção do Comprev não está ultrapassada?
HS – Acho que precisamos construir um sistema de compensação previdenciária que possa funcionar de modo mais automático e de modo mais institucionalizado. Acho que o cálculo das aposentadorias dos regimes próprios vai se dar, cada vez mais, por aquela média que a gente instituiu com a Emenda Constitucional 41, dos 80% melhores meses de julho de 1994 para cá. Para benefícios que forem calculados com base nessa média, onde você considera tempos e valores de contribuição para o regime próprio e para o INSS, talvez você poderia criar um sistema de pagamentos pro-rata. Ao invés de haver transferências de recursos entre instituições previdenciárias de estados, municípios e governo federal, cada um pagava a fração que lhe correspondesse de acordo com o tempo de contribuição e com os valores sobre os quais a pessoa contribuiu.
II – Ele receberia um pedaço da aposentadoria de cada fonte?
HS – É só uma hipótese de como se poderia se desenhar esse acerto entre estados, municípios e o governo federal, dentro de uma realidade na qual há cada vez mais mobilidade no mercado de trabalho. Então, você precisa ter regras de portabilidade de direitos, que na previdência complementar está sendo encaminhada com a portabilidade, com o auto- patrocínio, com o benefício proporcional diferido. Talvez pudéssemos desenhar uma regra para os benefícios daqui para a frente, desde que calculados de acordo com a média, estabelecendo alguma forma de responsabilidade pro-rata dos diversos estados, municípios e do governo federal.
II – Isso poderia desburocratizar, até porque os dirigentes dos regimes próprios tem reclamado da burocracia nas compensações, que inclusive estaria sendo aproveitada por algumas empresas que estariam intermediando os repasses, fazendo promessas de dar agilidade. O sr. sabia disso?
HS – Eu vejo com muita antipatia essas entidades que procuram proporcionar soluções mágicas e fáceis da noite para o dia. O gargalo está na velocidade de operacionalização do sistema de compensação previdenciária que, como eu disse, tem dificuldades de recursos humanos no INSS e também tem dificuldade com a qualidade das informações que chegam de estados e municípios, em processos volumoso e muitas vezes sem a consistência e a qualidade necessárias. Se as consultorias ajudam a melhorar a qualidade dos processos, ainda vá lá, mas tem gente que simplesmente promete velocidade de processamento no INSS e aí tem alguma coisa que não está muito regular. Nós já apuramos, em algumas oportunidades, que há um agenciamento ilegítimo e não vejo isso com simpatia. É resultado de um sistema que não está funcionando a contento e abre espaço para que surjam os intermediários.
II – Há algum plano para alterar as taxas de custeio?
HS – Nós fizemos recentemente uma alteração numa portaria, que passou a permitir aos regimes próprios de previdência fazerem uma espécie de poupança de taxa de custeio, para poderem fazer investimentos em imóveis para uso do próprio regime, ou que pudessem comprar um automóvel ou algum equipamento fixo.
II – Isso dentro do limite de 2%?
HS – Sim, o limite é 2%. Mas ao invés de zerar tudo no dia 31 de dezembro de cada ano, essa portaria permite que o regime próprio que eventualmente não comprometesse 2% num determinado ano possa carregar a sobra de um ano para o outro para somar aos 2% do ano seguinte e fazer um investimento em aquisição de um automóvel, de um imóvel funcional ou algum outro tipo de investimento um pouco mais volumoso. Agora, aumentar o limite de 2% para 3%, para 4%, para 5% eu não vejo com muita simpatia.
II – Como vê a idéia de um regime próprio multipatrocinado, reunindo institutos de vários municípios?
HS – Num primeiro momento isso pode soar muito bem, mas temos que lembrar que a previdência do funcionalismo público é diferente da previdência complementar. No caso da previdência complementar você pode montar um fundo multipatrocinado com contribuição definida, englobando pessoas que vêm de empresas variadas e isso não tem nenhum problema porque a gestão é toda fatiada, separada claramente a responsabilidade de empresa em relação à sua própria poupança. No nosso caso existem regras ditadas pela Constituição Federal e que prevêem benefício definido e solidariedade dos diversos instituidores com a saúde financeira desses regimes. Então, quando o regime consorciado tiver um desequilíbrio, qual dos municípios vai ser o responsável para cobrir o desequilíbrio? E se um dos municípios disser que não quer, o outro vai ter que cobrir a parcela que, em tese, caberia ao município que não quer cumprir com a sua parte no consórcio?
II – Qual a sua expectativa sobre o crescimento dos regimes próprios nos próximos anos?
HS – Nós tivemos um crescimento significativo nestes últimos anos, tanto em número de regimes próprios quanto em estoque de investimentos. O estoque de investimentos hoje está acima dos R$ 20 milhões. Acho que a capitalização dos regimes próprios vai crescer bastante, existe um espaço grande para isso. No final do ano passado, nós tínhamos em torno de 900 regimes próprios fazendo reservas de capital e agora, no final de junho desse ano, já eram 1.003 constituindo reservas para o futuro. Agora, em termos de população coberta talvez já tenhamos chegado ao limite, já temos mais de 8 milhões de segurados entre ativos, aposentados e pensionistas.
II – Os regimes próprios precisariam avançar mais na sua profissionalização?
HS – Eu acho que têm sido feito avanços significativos. Há um fortalecimento das associações, a Aneprem e a Abipem são duas grandes associações que têm feito um esforço muito grande de capacitação, de qualificação da gestão, de desenvolvimento de instrumentos de apoio ao gestor do regime próprio e agora elas também tem assento no Conaprev.
Mas acho que todo esforço é válido e nós, quando formos discutir alterações na Resolução 3.244 também queremos discutir com os regimes próprios algumas medidas para aumentarmos o grau de profissionalização na gestão dos investimentos.
II – Que tipo de medidas?
HS – Por exemplo, alguns requisitos de qualificação dos gestores, como a formação específica das pessoas que assinam como responsáveis pelos investimentos. Acho que no início do próximo ano, com o Conaprev revigorado e com a sua composição definida para os próximos quatro anos, então podemos iniciar um grande processo de discussão sobre que medidas podemos fazer para melhorar a qualidade da gestão dos regimes próprios de previdência social.
II – Há recursos para isso?
HS – Acho que sim, pois o Parsep II está prestes a ser assinado pelo governo brasileiro. O Parsep I, que veio do início da atual década, expirou no ano passado. E temos o sinal verde do Banco Mundial para colocar em andamento o Parsep II, que é um novo volume de recursos para investirmos em modernização de regimes próprios de previdência social.
II – E qual é o volume do Parsep II?
HS – São mais de US$ 10 milhões de dólares, US$ 5 milhões do Banco Mundial e US$ 5 milhões do governo brasileiro. E isso, embora possa parecer pouco, permitiu grandes avanços no Parsep I e vai permitir avanços no Parsep II.