Edição 163
Principais integrantes do sistema previdenciário complementar brasileiro
reúnem-se em Porto Alegre, entre 26 e 28 de outubro, para debater a
responsabilidade social e o profissionalismo
Se no Congresso Brasileiro dos Fundos de Pensão do ano passado o
tempero foi dosado pelos conchavos políticos para as eleições da
Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência
Complementar (Abrapp), para este ano o esperado é um encontro bem
mais quente, ainda que ocorra no Sul do País. Afinal, temas não faltam
para elevar, em muito, a temperatura do evento.
De lá para cá, as fundações se viram envolvidas na quebra do Banco
Santos, nas discussões sobre a demora da atualização das tábuas de
mortalidade e até nas investigações da Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito (CPMI), que apura, entre outras coisas, o suposto mensalão
pago pelo governo à base aliada e cujo dinheiro poderia ter como uma
das origens os fundos de pensão.
Mas o Encontro não se faz apenas de discussões acaloradas por entre
seus corredores. Estudos inéditos são apresentados e há troca de
experiências e informações de grande valia entre as Entidades Fechadas
de Previdência Complementar (EFPC). Por isso, Investidor Institucional
conversou com alguns palestrantes, mediadores e professores e antecipa
nessas páginas alguns dos principais tópicos do 26º Congresso que, este
ano, trabalha sob o tema “Responsabilidade Social e Profissionalismo”.
Presenças como a de Oded Grajew, presidente do Conselho Deliberativo
do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, e Alípio Casali,
filósofo e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC), por
exemplo, serão expoentes dessa discussão que dá título ao Congresso de
2005.
Código de ética – Paulo Vales, mediador do painel de Responsabilidade
Social e Ética e presidente da Comissão de Ética do Sindicato Nacional das
Entidades Fechadas de Previdência Privada (Sindapp), informa que o
Código de Ética do Sindapp está em revisão para transformar-se no
Código de Ética do sistema – o assunto será encaminhado no
Congresso. “O tema da ética deve ser analisado sobre um ciclo, não como
uma fotografia. Até porque seu código é basicamente sobre a gestão do
risco de comportamento”, diz. Segundo Vales, metade dos 366 fundos de
pensão brasileiros utiliza códigos de ética. Desses, cerca de um terço usa
seu próprio código e o restante utiliza o da patrocinadora, muitas vezes
devido à pequena quantidade de empregados e à enxuta estrutura da
fundação.
Sob o tema “Ranking de responsabilidade social”, Moacyr Arnaldo Farah,
da gerência de operações da Petros, levou um dos três prêmios conferidos
pela Abrapp aos melhores trabalhos técnicos entregues este ano – foram
18 ao todo. Nesse levantamento, Farah sugere uma metodologia para
classificar os indicadores sociais divulgados pelas empresas.
Pela proposta, o investimento social feito pela empresa é dividido por sua
receita líquida e, posteriormente, os resultados – de acordo com a média
e com o desvio padrão – são agrupados em grupos de “A” a “D”. O
primeiro grupo passa a ser composto pelas companhias com a maior
relação investimento/receita e o “D” pelas empresas que não investem no
social ou não divulgaram esse dado no seu balanço social.
A partir da divisão, cada grupo é associado a um “fator de incremento”,
determinante da participação porcentual da ação na carteira. Dessa forma,
as fundações passariam a contar com um benchmark (parâmetro de
rentabilidade) para o setor, podendo formar carteiras em renda variável
que priorizem ações de empresas com destaque na atividade social.
Pelos cálculos de Farah, por exemplo, a carteira hipotética “Indicador
Social Geral” (ISG) teria uma rentabilidade de 29,99% em 2004, ante os
26,26% atingidos pelo IBrX-50 no mesmo período. Neste ano, até 12 de
agosto, o ISE apresentaria ganhos de 12,04%, ante a alta de 9,65% do
IBrX-50.
Farah usou apenas os balanços sociais divulgados no formato do Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e, por isso, também é
possível calcular o ranking proposto por ele por qualquer um dos
indicadores do Ibase ou pela média ponderada de todos: Indicador Social
Interno (ISI), Indicador Social Externo (ISE), Indicador Social Ambiental
(ISA) e Indicador Social Tributos (IST). “Conversei com várias empresas e
muitas estão migrando para o Ibase, que é um método bem objetivo. A
partir disso, sugeri uma planilha prática e fácil de acompanhar, onde a
fundação decide se quer ou não excluir alguma empresa, como de bebida
ou fumo”, diz.
A Petros, informa Farah, já tem por norma avaliar o grau de
responsabilidade social praticado por uma empresa antes de decidir
investir nela. Entretanto, complementa, foi proposto à diretoria da
fundação que a partir de 2006 a carteira de giro da fundação, de cerca de
R$ 3,5 bilhões, não seja investida em empresas sem balanço social que,
para Farah, costumam ser desorganizadas ou terem algum problema
societário – ao contrário daquela com alguma atividade social, que, em
geral, é melhor estruturada. “Achamos que investindo corretamente toda a
sociedade sai ganhando”.
Cálculos – Outro trabalho técnico premiado este ano é “Avaliação de ativos
sob a ótica dos fundos de pensão no Brasil – estimando o custo de capital
próprio”, dos autores Fernando Santos do Nascimento e Emerson Henrique
Schmitz, da Previ. Nele, os autores criticam o modelo matemático para
avaliação de ativos Capital Asset Pricing Model (CAPM), cuja taxa livre de
risco é o T-Bond norte-americano. Eles propõem a utilização de um CAPM
local com base em taxas brasileiras. “A metodologia do CAPM global
simples foi desenvolvida para mercados maduros e na adaptação ao
mercado brasileiro o prêmio é multiplicado pelo diferencial da inflação e
adicionado ao risco-País. Isso causa distorções”, explica Nascimento.
Para os empregados da gerência de análise técnica da Previ há uma
tendência de os analistas olharem cada vez mais o custo do capital com
base em taxas brasileiras, haja vista as recentes emissões externas em
reais feitas pelo governo e pelo próprio setor corporativo. Eles dão um
exemplo recente de como essa mudança de olhar é importante. “No
segundo semestre de 2004 observamos uma queda do risco-País e um
aumento da taxa interna de retorno (yield) dos títulos públicos. A
fundação que avaliasse o preço de um ativo de renda variável com base
no CAPM global iria estimar um preço muito diferente do seu custo de
oportunidade. Ao calcular uma taxa de desconto maior, isso repercute em
um preço menor”, explica Schmitz.
Os analistas sugerem dois conceitos financeiros para esse cálculo: prazo
da carteira (duration) e imunização, onde a proposta defensiva é a de se
montar uma carteira de Notas do Tesouro Nacional série B – indexado ao
Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – mais um coeficiente beta,
que poderia ser em relação ao IBrX-50. “A partir daí, para investir em
outros ativos, o fundo deve requerer um prêmio maior”, diz Nascimento.
Segundo eles, a fundação dos servidores do Banco do Brasil estuda a
adoção desse modelo, resultado da dissertação de mestrado de Schmitz
na Universidade Cândido Mendes, no qual Nascimento foi orientador. “Mas
provavelmente utilizaremos os dois modelos. É importante saber o quanto
um ativo vale para nós, mas também em quanto o mercado avalia aquele
ativo”, conclui Nascimento.
O trabalho de Matheus Pena, da Watson Wyatt, de Antonio D’Almeida, da
Forluz, e de João Rodarte e Renato Martins Assunção, ambos da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sobre “A convergência do
VaR para a DNP normalizada” também foi premiado pela Abrapp. Apesar
de a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) ter trocado o VaR pela
DNP na Resolução 3.121, de 2003, os autores chegaram à conclusão de o
Value at Risk (VaR) ser mais eficiente.
Por esse método, define-se que com “x%” de chances a perda máxima de
um ativo será de um determinado valor, e isso pode ser calculado com
base no histórico do papel. Já a Divergência Não Planejada (DNP) calcula o
rendimento do investimento menos a meta atuarial do fundo. “O VaR é
uma medida mais técnica e, portanto, tem caráter preventivo, enquanto a
DNP é apenas detectora do desvio apurado em relação à meta de
rentabilidade”, informa Pena, sem entender o por que a SPC optou por
essa medida, tendo em vista a Resolução 13, de outubro de 2004, pregar
o contrário: a fundação deve sempre identificar com antecedência
possíveis riscos.
“Esse tema é polêmico. Talvez a SPC tenha adotado a DNP por sua
facilidade de implantação”. Segundo o atuário júnior da Watson Wyatt, a
vantagem do VaR é atribuir uma probabilidade e um valor à perda
máxima esperada e a desvantagem seria a complexidade do modelo. Já
a DNP tem como vantagem exatamente a simplicidade, mas como fator
negativo trabalhar com resultados consumados.
Como várias fundações continuam usando o VaR, há rumores de que a
SPC possa adotá-lo novamente – assunto que promete ser debatido no
Congresso. Outra conclusão de Pena nesse trabalho é que se a DNP fosse
multiplicada por um fator de confiança (uma determinada porcentagem de
confiança equivale a um fator e isto pode ser encontrado em livros de
estatísticas) chegar-se-ia ao que ele chama de “DNP normalizada”.
Ou seja, seus resultados seriam exatamente iguais ao do VaR. “Esse
resultado foi obtido nas circunstâncias do meu trabalho, que definiu o VaR
em relação ao benchmark de uma fundação, de IPCA mais 6%, e cuja
carteira tinha pouca movimentação. Não tenho certeza se em outras
circunstâncias os resultados seriam os mesmos”, conclui.
Política – Além das discussões éticas e financeiras, o Congresso da Abrapp
também abre espaço para debates jurídicos. Quem atende a isso é o
professor Wagner Balera, advogado, mestre, doutor, professor da PUC de
São Paulo e especialista em direito previdenciário. Balera escreveu dois
pareceres sobre o processo de fiscalização e a responsabilidade dos
dirigentes. Segundo o professor, no geral, as leis são positivas e
adequadas, mas falta organizá-las. Ou seja, falta uma espécie de
pequeno código determinante do começo, meio e fim de um processo
administrativo. “É preciso uma estrutura linear e clara do processo, onde
as partes envolvidas sabem o que acontece, quem fala, quando fala, se a
perícia é obrigatória, os prazos etc”.
Para Balera, “a legislação fiscalizadora é muito severa”, especialmente
quanto à responsabilidade dos gestores. “A Lei Complementar 109, por
exemplo, inabilita por um tempo o executivo que tenha cometido um ato
irregular. Isso é inconstitucional”. O professor chama a atenção, ainda,
para uma centralização excessiva de poder nas mãos do secretário de
previdência complementar – esse decide se houve infração à legislação,
aprecia a defesa do interessado e define o arquivamento ou não da
denúncia ou representação –, o que poderia ser diluído com a substituição
do atual modelo por um novo, como uma agência, por exemplo (veja
matéria à página 16).
Atualmente, o professor se debruça sobre outras questões políticas e de
grande importância: o “bedelho” que o Tribunal de Contas da União (TCU)
e o Ministério Público Federal (MPF) vêm metendo na SPC. “O TCU não
tem nada a ver com previdência complementar. Ele não tem competência
para atuar nessa área e, portanto, não deve exercer controle sobre essa
atividade, como temos visto recentemente e é um verdadeiro absurdo. A
lei define a SPC como o órgão controlador e, no direito administrativo,
essa palavra significa vigilância, tutela. É totalmente equivocado a SPC
aceitar passivamente essa interferência”, diz.
O mesmo, acrescenta, vale para o MPF. De acordo com Balera, a Lei
6.435, de 1977, distinguiu claramente serem as fundações controladas
pela SPC e não pelo MPF – ao contrário do que dizia o Código Civil de
1916. “A previdência privada é contratual, facultativa. O MPF só tem a ver
com a previdência social. Essas interferências me preocupam muito, pois
esses órgãos se metem em um negócio de direito privado. Ainda que o
patrocinador de determinada fundação seja público, o sistema determinou
claramente quem é o seu órgão regulador e fiscalizador. Além disso,
essas fundações têm a sua legislação: a Lei Complementar 108, que
dispõe exatamente sobre a relação entre o poder público e as entidades”.
Imprevidência – Outro trabalho sobre questões políticas e de difícil
enfrentamento é o feito por Paulo Rabello de Castro, da SR Rating, RC
Consultores, CRC-Visão e Fecomércio. O texto “Previdência, poupança e
geração de empregos” discorre sobre o desequilíbrio da previdência social,
que é “imprevidente” com seu regime de repartição, na opinião do autor.
À imprevidência, Rabello dá o nome de “crime de elite”, por ser a elite
política e econômica aquela que, em nome dos demais cidadãos,
construiu e aprovou um sistema de cobertura de rendas futuras
totalmente insustentável, por não acumular fundos em nome de seus
beneficiários, contando apenas com a boa vontade de gerações futuras,
obrigadas por lei a sustentar seus aposentados.
“É um crime da elite pensante brasileira contra a economia popular
prometer uma cobertura previdenciária no futuro que não pode ser
garantida nem financiável pelos futuros contribuintes”, diz ele, em seu
estudo. Segundo Rabello, a relação contribuinte/assistido da seguridade
social era de 10 para 1 há setenta anos, e hoje essa relação é de 1,5 para
1.
A sua sugestão para reequilibrar, por algum tempo, a “previdência
imprevidente” do Brasil consiste em leis que achatem continuamente os
benefícios e no alargamento das alíquotas contributivas. “Em bom
português, cada vez menos benefícios e cada vez maiores contribuições”.
Investimentos – Presenças esperadas nestes encontros, os professores
Flávio Marcílio Rabelo e William Eid Junior, ambos da Fundação Getúlio
Vargas (FGV), contribuem este ano com um estudo sobre a evolução dos
investimentos dos fundos de pensão na última década. A primeira
conclusão – esperada, dada a ortodoxia da política monetária deste
período – diz respeito ao aumento acentuado da aplicação em renda fixa,
com a queda dos investimentos imobiliários e em renda variável. A
segunda dedução é que a gestão dos recursos das EFPCs é ativa em
relação à alocação de ativos, ou seja, os gestores buscam ajustar suas
carteiras às condições de mercado.
“Imaginando um cenário futuro de maior estabilidade econômica,
responsabilidade fiscal e crescimento econômico podemos supor que
outros ativos, além de títulos públicos, serão necessários para suprir a
demanda dos investidores, em particular dos fundos de pensão. Já hoje
vislumbramos o surgimento de novos ativos, como os FIDCs (Fundos de
Investimento em Direitos Creditórios) e podemos esperar um aumento
substancial na negociação de outros títulos privados, como debêntures e
notas promissórias. E com prazos mais alongados e mercado secundário
ativo”, concluem os pesquisadores.
Rabelo também fez um levantamento sobre as premissas atuariais do
sistema, que será distribuído no Congresso. Realizado pela Abrapp nos
dias 26 a 28 de outubro, o encontro deste ano será em Porto Alegre. A
expectativa do superintendente da Abrapp, Devanir da Silva, é de que
haja um número de participantes – pagantes, expositores e palestrantes –
25% maior ao de 2004, quando cerca de duas mil pessoas se reuniram
em Fortaleza.
Segundo ele, entre as novidades deste ano estão a ampliação dos
estandes institucionais, uma peça teatral com o tema “Pensando no
futuro, de grão em grão a família enche o papo” e a divulgação de uma
pesquisa sobre a adaptação das fundações à Resolução 13 (veja página
seguinte). Também será feita uma homenagem ao professor Rio
Nogueira, morto em 29 de maio, aos 82 anos, um dos pilares da
previdência no Brasil.
Metade das fundações está adaptada à Resolução 13
À dois meses do fim do prazo de adptação dos fundos de pensão à
Resolução nº 13, a Comissão Técnica Nacional (CTN) de Controles
Internos e Compliance da Abrapp divulga uma pesquisa sobre a reação
das entidades diante dessa nova realidade – que, desde outubro do ano
passado, tem exigido delas maior atenção com relação aos seus controles
internos.
Participaram da enquete, realizada no mês de setembro, 98 entidades
entre as 262 associadas à Abrapp. Isto representou uma adesão de
37,4%, resultado considerado satisfatório, segundo o coordenador desta
CTN e funcionário da Previ, Luiz Félix de Freitas. A expectativa da
Comissão era de uma adesão de 30%.
Segundo Freitas, a enquete focou em três aspectos: a construção do
Plano e do Cronograma de Adequação à Resolução nº 13; a emissão do
Relatório de Controles Internos por parte do Conselho Fiscal; e o
monitoramento de riscos da entidade. “A partir daí, procuramos detectar
aspectos de custos, efetivação e dificuldade e os resultados das
entidades”, disse.
Entre os resultados que chamaram a atenção de Freitas estão: 55% das
entidades já cumpriram mais da metade de seu programa de implantação
da Resolução nº 13, que deve ser concluído até 31 de dezembro, e 29%
das entidades avaliaram em alto o nível de dificuldade na elaboração do
relatório, contra 12% que o consideraram baixo.
A pesquisa também mostrou que 25% das fundações incorreram em
custos para a construção do relatório de controles internos, além do
impressionante resultado de que 55% das entidades consultadas não
monitoravam seus riscos antes da 13. Possivelmente por isso, para 87%
delas o resultado da implantação foi positivo.
“O objetivo desta pesquisa é discutir o assunto de forma ampla e simples
para as fundações atingirem um grau satisfatório de controles internos”,
conclui Freitas.