Edição 382

Há quase 10 anos, as entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) chegaram ao centro das atenções, quando a CPI dos Fundos de Pensão expôs casos graves de má alocação de recursos e arranhou a reputação de todo o sistema. O relatório da CPI, divulgado em abril de 2016, trazia um impressionante e detalhado levantamento de vários casos de maus investimentos e problemas de governança, que prejudicaram sobremaneira os participantes e assistidos das entidades envolvidas. A crise teve efeitos concentrados em poucas fundações patrocinadas por empresas estatais, mas os prejuízos foram tão expressivos que contaminaram a opinião pública, lançando sobre todo o segmento dos fundos de pensão um injusto sentimento de desconfiança.
Paradoxalmente, aquele episódio serviu como ponto de inflexão. A supervisão mudou de escala e a governança desse setor avançou de forma consistente.
A partir dali, as grandes fundações passaram a adotar processos seletivos mais técnicos em resposta a indicações políticas, além de buscarem uma profissionalização de seus quadros. Em paralelo, a Previc revisou sua forma de supervisionar, substituindo uma lógica de checklists baseados em regras pelo modelo mais moderno da Supervisão Baseada em Risco (SBR). Isso permitiu calibrar o foco, com maior intensidade exatamente onde o risco sistêmico é maior, ao lado de um acompanhamento educativo e preventivo onde o risco é menor.
O resultado foi perceptível. A fiscalização ganhou profundidade e as entidades ajustaram processos internos para acompanhar esse novo padrão.
Essa transformação ficou ainda mais evidente na recente crise do Banco Master. Quando vieram à tona os prejuízos causados aos investidores que compraram seus títulos, chamou bastante atenção o fato de que nenhuma EFPC tinha exposição aos papéis do banco. A Previc e a Abrapp confirmaram isso de imediato.
Já vários RPPS, regimes próprios de previdência da União, de Estados e Municípios, que administram a previdência dos servidores públicos, haviam aplicado parcela significativa de seus recursos nesses ativos, revelando fragilidades que vão além de um mau investimento pontual. Trata-se de um conjunto de desafios estruturais que incluem governança fragmentada, regras pouco alinhadas a boas práticas e uma fiscalização limitada pelo atual desenho institucional no Ministério da Previdência Social.
A imprensa mais especializada registrou essa diferença e trouxe um contraste que merece nota. Se em 2016 a cobertura destacou falhas graves nas fundações, hoje reconhece que o segmento ajustou rota e adotou padrões mais robustos de gestão e supervisão.
A profissionalização dos Regimes Próprios é urgente. A natureza dos compromissos de pagamento exige decisões técnicas de longo prazo, incompatíveis com ciclos políticos curtos. Outros países da OCDE vêm ampliando o papel de supervisores centrais justamente para mitigar esse tipo de risco.
Uma solução racional e bastante eficiente passaria pela transferência da fiscalização dos RPPS para a Previc, que já opera com metodologia consolidada e cultura técnica madura. A mudança permitiria unificar o padrão regulatório de dois sistemas que têm funções semelhantes, mas tratamentos muito assimétricos.
A Supervisão Baseada em Risco substituiria o modelo atual dessas previdências regionalizadas, ainda ancorado em regras formais, checklists e baixa capacidade preditiva.
Para isso, no entanto, a Previc precisaria receber recursos adequados. Estrutura de pessoal, tecnologia e recursos para fortalecimento de sua capacidade analítica. Os ganhos seriam muito relevantes, com maior credibilidade do sistema, proteção ao patrimônio dos servidores públicos e uma linha de defesa mais consistente contra decisões mal calibradas. A relação custo-benefício dessa mudança seria altamente vantajosa.
As EFPC mostraram, ao longo da última década, que crises podem ser transformadas em oportunidades para avanços institucionais quando há supervisão competente e valorização da gestão profissional. Não é de hoje que os RPPS enfrentam graves problemas, mas há um caminho para substituir instrumentos frágeis por mecanismos que já se provaram eficazes.
Os servidores públicos que dependem dos recursos geridos pela RPPS para complementar suas aposentadorias, certamente ficariam gratos por esse avanço institucional.
Walter Mendes é presidente da Fundação Vivest