De olho nas metas

Edicão 382

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À medida que as projeções para os próximos anos indicam uma quase inevitável queda da taxa Selic, que chegou ao patamar de 15% este ano, cresce a preocupação com a superação de metas dos fundos de pensão graças à forte concentração dos seus investimentos na renda fixa, particularmente em títulos públicos federais que, por sua vez, estão em grande parte marcados na curva.

As projeções do boletim Focus indicam Selic de 12% em 2026, 10% em 2027 e o mesmo para 2028, mas a queda pode ser até mais rápida do que isso, avisa Alcinei Cardoso Rodrigues, diretor de Normas da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc).

“Qual será o efeito dessa mudança sobre a alocação das EFPC, que hoje estão com 86% de seus recursos concentrados na renda fixa? Porque a gordura para bater metas vai sendo reduzida. Sabemos que o patamar do juro vai mudar, mas não sabemos se vamos conseguir reter em quantidade e em qualidade os profissionais necessários para voltar a fazer gestão de ativos de risco”, diz Rodrigues.

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“Lá fora os portfólios são mais equilibrados entre renda fixa, renda variável e alternativos, com cerca de um terço dos recursos em cada um. Essa é outra mudança estrutural que vemos para acontecer ao longo dos próximos cinco anos”, diz Alcinei Cardoso Rodrigues, da Previc

As políticas de investimento das entidades são vistas pelo órgão supervisor sob a perspectiva do que vai acontecer ao longo dos próximos cinco anos e não apenas no próximo ano. “As EFPC não podem dar um cavalo de pau, mas apenas fazer mudanças corretivas. O diagnóstico atual é feito a partir de um cenário com Selic de 15% e as fundações, nesse contexto, se pautam pela facilidade de bater metas com baixíssimo nível de risco, então 80% a 86% dos recursos do sistema estão em renda fixa”, diz.

O lado positivo é que elas estão confortavelmente alocadas em ativos sem risco de défault, mas estão concentrando seus recursos, em particular nos títulos públicos, enfatiza o diretor. “É preciso entender, porém, que todos os ativos têm risco e isso nos preocupa do ponto de vista estrutural do sistema porque as EFPC estão concentrando há bastante tempo. Em 2015, por exemplo, elas estavam com 73% de suas carteiras na renda fixa”, pontua.

Inteligência – Ao mesmo tempo em que concentraram alocações, elas acabaram concentrando também sua inteligência e seu corpo profissional em profissionais de tesouraria. “Vamos ter gente para saber fazer essa alocação de risco no momento certo? É um problema de recursos humanos”, diz. Para ele, o RH das fundações foi em grande parte dilapidado pelo excesso de concentração.

Outro aspecto importante é que no mundo dos investimentos, o momento certo de entrar no risco não é o que todos consideram certo, lembra Rodrigues.

“A redução da Selic exigirá mão de obra qualificada no momento certo, o que significa que os movimentos do mercado terão que ser antecipados”, afirma.

Volta à economia real – A expectativa da autarquia, explica Rodrigues, não é a de que as fundações corram para o risco já em suas políticas de investimento para 2026, mas sim que comecem a projetar isso para o ano seguinte. “É uma expectativa prudencial da Previc, de que façam movimentos para alargar seus ranges e voltar a investir na economia real, dentro dos limites da regulação. As EFPC têm que estar preparadas para recuperar sua capacidade de investimento em ativos de risco, fazendo investimentos pontuais nesse sentido para recuperar de forma crescente essa capacidade”, afirma.

Se isso for feito tarde, as melhores oportunidades de alocação serão engolidas antes que as fundações tenham condições de aproveitá-las, diz. Para melhorar essa capacidade, a Previc espera que até o final de 2026 as entidades já comecem a fazer experiências em ativos de risco. “Temos a expectativa de que elas façam micro incursões no risco já no próximo ano porque nem todas fazem isso atualmente”, observa Rodrigues.

Maior equilíbrio – A autarquia produziu minutas para a Fazenda e para o Conselho Monetário Nacional para que fosse possível recuperar o cardápio de investimentos das fundações porque havia classes de ativos “demonizadas” no Brasil, como a do private equity. “Esse é um segmento que ao lado dos imóveis e dos multimercados representa cerca de um terço dos ativos das fundações lá fora”,diz. Além disso, ele lembra que 30% dos ativos das fundações de outros países estão investidos em renda variável, um percentual que hoje não chega a 8% no Brasil depois de ter atingido mais de 30% em 2015.

“Lá fora os portfólios são mais equilibrados entre renda fixa, renda variável e alternativos, com cerca de um terço dos recursos em cada um. Essa é outra mudança estrutural que vemos para acontecer ao longo dos próximos cinco anos, a tendência de caminhar para os patamares internacionais”, diz.

A Previc e o CMN trabalharam nesse sentido, lembra Rodrigues, “para aumentar a alocação de estruturados, em private equity, Fiagros e outros, porque a produção de alpha dos estruturados é importante para as fundações”, afirma.

Imóveis, um “erro crasso” – Um ponto da regulação que ainda não foi possível reverter é a proibição para os fundos de pensão investirem na compra direta de imóveis. “Mas vamos bater nessa tecla com o CMN porque um estudo já demonstrou que a rentabilidade das carteiras próprias de imóveis é maior do que a dos Fundos de Investimento Imobiliário (FII)”, diz.

A vedação ao investimento direto em imóveis, determinada pelo CMN em 2018, “foi um erro crasso” na avaliação de Rodrigues. Na época, a proibição veio acompanhada pela obrigatoriedade de se desfazerem de suas carteiras até o ano de 2030, medida que acabou sendo levantada pelo CMN com a Resolução 5.202 este ano. Segundo Rodrigues, fundações consideradas excelentes gestoras de imóveis foram “empurradas para o precipício e perderam dinheiro com isso”. Se puderem voltar a investir, isso não será suficiente porque foram pressionadas a vender mesmo os bons imóveis que tinham em carteira, junto com os ruins, avalia.

“Foi um erro normativo e não vamos conseguir mensurar essa perda. Agora as fundações continuam impedidas de voltar a fazer a gestão de carteira própria, então não podem trocar seus imóveis. Não cabe à Previc dizer o que as entidades devem ou não fazer.A nossa preocupação é que possam fazer isso com tempo e tranquilidade”, diz.

A preocupação é fortalecer o leque de opções e a autarquia tem trabalhado nesse sentido. “Tanto é que a Resolução CMN 5202 já trouxe um aperfeiçoamento nessa questão dos imóveis, então preparamos o terreno para que as fundações voltem a ter essa possibilidade”, afirma Rodrigues. A decisão depende de cada fundação e de suas características. “Funcef, Petros e Previ, por exemplo, têm estrutura e cultura de gestão de imóveis, mas as entidades que não têm isso podem optar por investir via FII”, reitera o diretor.