Os conflitos entre o longo e o curto prazo

Edição 380

Franca,Everaldo(PPS) 24mar
Everaldo Guedes de Azevedo França, sócio diretor da PPS Portfólio Performance

Todos já tomamos contato com um problema antigo: em planos de previdência, deve-se gerir para o longo prazo, mas as cobranças mais fortes são feitas sobre o curto prazo.

Essa situação não ocorre só no Brasil, mas em todo o mundo, embora o nosso curtoprazismo, filho do período da superinflação com picos de hiperinflação, que nos legou uma taxa de juros de referência que tem apenas um dia útil de duração, seja mais forte.

A maior pressão vem dos donos do dinheiro, os participantes, assistidos e pensionistas, que não têm necessariamente formação em investimentos e, portanto, se posicionam com base em pressupostos equivocados. Um deles, a crença na existência de gestores que são capazes de, todo início de mês, identificarem os ativos que terão a melhor performance no período, e terem, assim, a possibilidade de usar esse conhecimento em benefício das carteiras sob sua responsabilidade. Se isso não é feito, se deve a preguiça ou incompetência. Que gestor nunca ouviu a frase lapidar: “no mês passado era melhor o meu dinheiro ter ficado na poupança”?

É necessário fornecer às pessoas o conhecimento básico que lhes permita, em primeiro lugar, não se enervarem com o desempenho de sua cota em prazos tão curtos como um mês, um trimestre ou mesmo um ano, uma vez que a gestão dos recursos deve se concentrar nos prazos adequados, que são bem mais longos, salvo exceções. Assisti a um debate em evento no exterior, há alguns anos, em que uma gestora brilhante de uma fundação afirmou claramente que se recusa a fornecer a performance trimestral dos investimentos, abrindo no máximo os resultados dos últimos doze meses, porque “fui contratada para gerenciar o longo prazo, podem me demitir se não gostarem”.

No país dos juros básicos a 15% ao ano e com planos de previdência concentradíssimos em renda fixa, é difícil defender uma maior diversificação, com a pontaria nos próximos 10 ou 15 anos, mas é importante termos em mente três questões.

A primeira: quando a taxa do CDI não estiver mais acima das metas e olharmos para o lado procurando o que comprar, tudo já estará mais caro. O mercado não espera. Segunda: se o próximo Governo, seja qual for, não atacar de maneira firme a questão fiscal, a maneira de fechar as contas será aplicar um confisco através do imposto inflacionário, que sempre resolveu esse tipo de problema no Brasil. Esperamos que esses fantasmas não retornem às nossas vidas. Terceira: pode vir aí, nos próximos anos (talvez dez), uma expansão muito superior ao que se espera na longevidade. Não me refiro ao aumento da expectativa de vida ao nascer apenas, essa muito influenciada pela queda na mortalidade infantil, mas à extensão do período de vida após a aposentadoria. Os avanços nas técnicas de edição genética já são assombrosos hoje – vide o sucesso de tratamentos de alguns tipos de cânceres com a edição de células CAR-T, inclusive no Brasil – e o que virá no futuro é difícil de imaginar.

Como vão ficar as pessoas que errarem no seu cálculo de sobrevida? O risco é viver mais do que as reservas acumuladas, e esse risco é muito sério. Como abordar essa questão? Repensando as estratégias de investimento, de modo a obter maiores retornos no longo prazo. Por exemplo, os investidores institucionais são particularmente vocacionados para se apoderarem dos prêmios por liquidez presentes em vários tipos de investimentos.

No entanto, os próprios beneficiários, donos dos recursos, impedem os gestores das EFPC de posicionarem as carteiras de investimentos sob essa ótica, pela intensidade e insistência na cobrança por resultados de curto prazo. Um caminho meio abandonado é o de prover educação financeira e previdenciária para esses grupos, pois muitos gestores jogam a toalha e acabam por fazer aquilo que lhes é demandado, posicionando os investimentos como se houvesse uma neblina terrível que não permitisse enxergar mais que cinco metros à frente.

Sem dúvida, não devemos nortear nossas práticas pela simples cópia do que nossos pares de economias mais desenvolvidas e estáveis fazem, o Brasil tem suas peculiaridades. Nenhuma metodologia deve ser simplesmente copiada sem a devida adaptação para o ambiente local, mas achar que aqui tudo é diferente é um grande erro. A diversificação internacional dos investimentos é o exemplo mais gritante de quanto nossas entidades têm deixado de dinheiro na mesa ao longo, por exemplo, dos últimos dez anos, influenciadas pelo famoso viés doméstico, que existe em todos os lugares, mas aqui assume proporções que não fazem nenhum sentido. Há vários outros casos, mas o espaço acabou. Digamos que, em termos de atenção, o participante merece mais.

Everaldo Guedes de Azevedo França é sócio diretor da PPS Portfólio Performance