Spread maior gera demanda | O forte ajuste do mercado, no último ...

Os títulos de crédito privado voltaram, após uma breve quarentena, a figurar nos planos e estratégias de diversificação em renda fixa das entidades fechadas de previdência complementar (EFPCs). Descartadas no primeiro semestre de 2019 em razão do acentuado declínio dos prêmios das debêntures, com demanda recorde na época, tais opções voltaram ao radar dos institucionais no fim do ano passado desde os dois cortes sucessivos efetuados pelo Comitê de Política Monetária (Copom) na taxa básica de juros, para o piso histórico de 4,5%.
“A redução da Selic foi o estopim de um intenso processo de ajuste que resultou na elevação dos spreads das debêntures, sem quaisquer alterações na qualidade dos créditos, e também uma mudança na mecânica de remuneração: as ofertas de percentuais do CDI aos tomadores, prática só existente no mercado brasileiro, começaram a ceder espaço a propostas de prêmios sobre a variação do CDI”, comenta Marcelo Castro Domingos da Silva, sócio e gestor da DLM Invista.
A evolução foi significativa. Segundo levantamento realizado pela asset mineira, que conta com cinco fundos de investimentos abertos de crédito privado, as debêntures high grade, com ratings AAA e AA, eram negociadas até setembro com spreads em torno de 0,7% a 1% acima dos CDI, ao passo que os papéis com notas A oscilavam entre 1,6% e 1,9%. Cinco meses depois, as primeiras estão no patamar de 1,1% a 1,4% e o segundo grupo oferece prêmios entre 1,7% e 2,3% além do CDI. “Com a recuperação dos spreads e a queda da demanda, que reduz os riscos de uma nova compressão dos prêmios, o crédito privado ressurge como um ativo interessante para os investidores institucionais”, assinala Silva.
A performance dos fundos de crédito privado, canal preferido pelas EFPCS para as suas incursões em renda fixa, sinaliza na mesma direção. Depois de amargarem perdas no último trimestre de 2019, os veículos lastreados em títulos de dívidas de corporações com notas mais elevadas reagiram em janeiro e vem operando ao redor de 130% do CDI. “As entidades que apostaram em títulos privados em 2017 e 2018 e colheram bons retornos aguardam novas chances”, observa o consultor Everaldo França, CEO da consultoria PPS Portfolio Performance. “A procura tende a aumentar de forma mais consistente com o reaquecimento da economia, o que obrigará as empresas a captarem recursos no mercado.”
A Fundação Copel e a Value Prev, sucessora da HP Prev, têm grande quilometragem na área. A primeira, nas palavras do diretor de investimentos José Carlos Lakoski, surfou intensamente no bom momento vivido pelo mercado de crédito privado há alguns anos, tendo montado um estoque que chegou a somar R$ 1,2 bilhão, o equivalente a cerca de 11% do volume atual de investimentos. A entidade, entretanto, começou a enfrentar dificuldades para manter a aposta no mesmo patamar, pois, à medida que os títulos venciam, os spreads na praça declinavam.

O portfólio encolheu, então, para R$ 1 bilhão. Redirecionamos parte dos recursos antes aplicados em crédito privado para outras opções, como fundos imobiliários”, conta o executivo. “Continuamos acompanhando atentamente, no entanto, o comportamento dos prêmios dos títulos, à espera de boas oportunidades para reduzir o peso dos títulos públicos na carteira.”
Na Value Prev, certificados de depósitos bancários (CDBs), letras financeiras, debêntures e demais ativos do gênero cumprem papel igualmente expressivo. Sua participação nos investimentos totais, que hoje somam cerca de R$ 1,5 bilhão, declinou de 21,5% para 18,6% da carteira entre 2017 e 2018, mas se mantém na casa de dois dígitos. A entidade dispõe, há oito anos, de quatro fundos exclusivos de renda fixa, com diferentes proporções de títulos públicos e privados em suas composições, voltados aos quatro perfis de investimento de seu plano de contribuição variável (CV), que apresentaram rentabilidades entre 8,74% e 22,59% em 2019.
“Acreditamos firmemente em crédito privado”, resume o diretor de investimentos João Carlos Ferreira. “Composta por títulos de baixo risco e cotas de fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs), a nossa carteira vem garantindo retornos consistentes ao longo dos anos. Os únicos dissabores foram casos pontuais de rebaixamentos de rating, que foram solucionados com as recuperações posteriores das notas ou a simples venda dos papéis.”

Com uma leitura alinhada à do CEO da PPS, Ferreira atribui a queda dos spreads no primeiro semestre de 2019 à rolagem de dívidas corporativas a custos mais baixos. Uma alta consistente da remuneração está condicionada, em sua avaliação, a uma retomada da atividade econômica. “O sistema fechado de previdência complementar demonstra, hoje, uma maior inclinação pela diversificação em renda variável. Terá, no entanto, de olhar para o crédito privado como opção de renda fixa.”
Algumas entidades acreditam em uma reação mais consistente dos prêmios do crédito privado antes mesmo de uma retomada do crescimento. É o caso do Metrus, o fundo de pensão dos funcionários do Metrô de São Paulo, responsável pela administração de uma massa de cerca de R$ 2,7 bilhões. Com fortes posições em títulos de dívidas corporativas em seu portfólio de renda fixa, a casa prepara novidades a respeito. “O crédito privado tende a ganhar espaço em nossas estratégias. Neste ano, vamos criar dois fundos exclusivos do gênero – um para cada um dos nossos planos previdenciários”, informa a diretora de investimentos Keite Bianconi.
Boa parte dos títulos que lastrearão esses veículos ainda está por chegar ao mercado. São debêntures incentivadas, ainda não emitidas, referentes a projetos de infraestrutura que correspondem a R$ 223,03 bilhões. “Muitas dessas operações incentivadas terão prazos de captação mais longos, o que exigirápagamentos de spreads mais generosos aos tomadores dos papéis”, diz a executiva.
Um otimismo moderado também é registrado entre as gestoras de recursos. Marcelo Cirne de Toledo, superintendente executivo da Bradesco Asset Management (Bram), observa que já houve uma correção de prêmios no segmento de crédito privado, causada pela acentuada queda da Selic no segundo semestre do último ano. “Já há emissões com remunerações interessantes. Os volumes ainda não são expressivos, pois as empresas estavam optando pela captação de recursos no exterior, mas a partir deste mês as operações no mercado local devem ganhar força”, diz ele. O executivo conta que já nota algum interesse de entidades fechadas de previdência por crédito privado. “Não é nada excepcional, mas há consultas e conversas a respeito e alguns mandatos em execução. As perspectivas são boas.”

Mais confiantes na retomada da demanda de crédito privado pelos institucionais, DLM Invista e Integral Investimentos já providenciam reforços em suas grades de produtos. A primeira, que teve o controle acionário recentemente adquirido pelo Banco Inter, vai apresentar ao mercado, no próximo mês, o DLM Trafalgar FIM CP, que entrou em operação em setembro. “O fundo, que já soma R$ 115 milhões de patrimônio, tem 40% de seu volume aplicado em títulos no exterior, tendência que começa a ganhar corpo no mercado”, diz Silva. “Pretendemos, assim, atuar na realocação de recursos dos fundos de pensão, que, tudo indica, começará para valer neste ano.”
Já a Integral promete inovar com o lançamento, nas próximas semanas, de um fundo fechado de crédito privado voltado a EFPCs. A tese começou a ser desenvolvida no segundo semestre do último ano e prosperou. Os contatos com potenciais interessados tiveram início em dezembro e foram retomados em janeiro. “Conversamos com cerca de oito casas. Elas se interessaram pela proposta e pediram algum tempo para providenciar os ajustes necessários ao enquadramento do produto em suas políticas de investimento”, conta o sócio-fundador Bruno Amadei.
Referência em FIDCs, a asset pretende lastrear a carteira de seu novo veículo com um amplo leque de ativos, entre os quais debêntures, cotas de FIDCs, certificados de recebíveis imobiliários (CRIs) e do agronegócio (CRAs). A meta é contar, a médio prazo, com uma massa de recursos ao redor de R$ 500 milhões. “Como é fechado, o fundo não estará exposto a riscos de liquidez. Poderemos, assim, nos concentrar 100% na seleção e gestão de títulos”, observa Amadei. “Com quatro adesões, o fundo sairá do papel. A ideia é trabalhar com grande e pequenas entidades.”

FIDCs vencem o preconceito
O desafio de diversificar portfólios para poder cumprir as metas atuariais deve trazer os investidores institucionais de volta aos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs), um produto marcado no passado recente por problemas de má gestão e fraudes. Poucos não se lembram dos FIDCs do TrendBank, Cruzeiro do Sul e Silverado, que causaram prejuízos a muitos investidores institucionais.
Por conta desses problemas, o interesse dos investidores institucionais por essa classe de produtos caiu muito nos últimos anos. Em 2019, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados de Financeiro e de Capitais (Anbima), dos R$ 51,1 bilhões captados pelos FIDCs apenas R$ 30 milhões vieram diretamente das EFPCs.
“Hoje, as fundações respondem diretamente por cerca de R$ 550 milhões do patrimônio dos FIDCs, mas na verdade sua participação nesse segmento é maior já que muitas são cotistas de veículos de outras classes que investem em FIDCs”, observa Bruno Amadei, da Integral Investimentos. “Em nossas últimas ofertas de FIDCs, nenhum investidor institucional deu o ar da graça, mas a situação deve mudar”, avalia.
Fundação Copel e Metrus já fazem planos a respeito. A primeira, que vem abrindo de forma acentuada o leque de investimentos nos últimos exercícios, chegou a contar com dois FIDCs na carteira no início da década. A experiência, no entanto, foi breve. “Com a alta da taxa Selic, logo a seguir, decidimos concentrar as aplicações em títulos públicos federais”, conta o diretor de investimentos José Carlos Lakoski. “Éramos, por sinal, um dos raros fundos de pensão com FIDCs em carteira, pois era forte o estigma no sistema em relação a esses veículos.”
A opção entrou novamente no cardápio da Fundação há dois anos, mas de forma diluída. Hoje, os FIDCs respondem por até 10% do patrimônio líquido de alguns fundos dos quais a entidade é cotista. Há planos, contudo, de aumentar as apostas na área. “Voltamos, de fato, a olhar com maior atenção para esses veículos de investimentos”, diz o executivo. Ele diz que já percebe uma sensível redução no preconceito do sistema em relação ao produto. “É uma mudança ditada pela queda dos juros, que obriga as entidades a saírem de suas zonas de conforto.”
Mais decidido, o Metrus pretende, ainda neste ano, ampliar suas aplicações em fundos lastreados em direitos creditórios, hoje restritas a cotas de um produto já próximo do vencimento. O plano de voo inclui a aquisição de cotas seniores de FIDCs puros e de veículos de renda fixa com FIDCs em carteira. “Se não mantivermos as mentes abertas ao novo, não vamos entregar resultados aos participantes e assistidos”, comenta a diretora de investimentos e previdência Keiti Bianconi. “Como a Selic está em 4,5% ao ano e as metas de nossos dois planos são INPC + 4,9% e INPC + 4,79%, teremos de trazer um pouco de alfa para os portfólios.”
Animada com o processo de diversificação em curso nas fundações de previdência, a Tercon Asset Management prepara uma novidade para esse público. “O projeto, que já começa a ser desenvolvido, é um fundo de fundos com um volume de recursos bem superior ao da maioria dos nossos veículos e custos bem reduzidos”, diz o sócio Luiz Fernando Conte Vasconcelos. “Até há algum tempo, os fundos de pensão simplesmente não nos recebiam. Agora, já começam a abrir suas portas.”