Por um mercado mais ativo | Anbima lança selo para estimular negó...

Edição 226

 

A mais recente iniciativa da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima) para estimular o mercado secundário de renda fixa, com foco inicial nas debêntures, contrasta com um certo ceticismo por parte de agentes do mercado em relação à sua efetividade. Enquanto a entidade já espera emissões com o selo de Novo Mercado no segundo semestre deste ano, empresas e investidores institucionais ainda veem algumas barreiras de entrada no segmento.
O lançamento do projeto, realizado durante o 6º Seminário de Mercados de Capitais da Anbima, vem em um momento em que há queda nas negociações de títulos de dívida privado no secundário, apesar da expansão das emissões. Segundo dados da Anbima e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em 2010 foram emitidos R$ 49,29 bilhões em debêntures, volume 93% superior aos R$ 25,48 bilhões verificado no ano anterior. Em compensação, as transações no mercado secundário caíram cerca de 5%, de R$ 86,64 bilhões em 2009 para R$ 82,40 bilhões no ano seguinte. Até março deste ano, R$ 7,05 bilhões em novas debêntures foram colocados no mercado, contra R$ 6,15 bilhões no mesmo período de 2010. Apesar da alta de 14% nas emissões, as negociações no mercado secundário tiveram queda de 76% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período de 2010, para R$ 4,17 bilhões.
Adriano Suzarte, gerente de investimentos da Funcef, afirma que a obrigatoriedade de pulverização das emissões é um empecilho para a fundação. Pela proposta da Anbima, para levar o selo de Novo Mercado as ofertas devem contar com um mínimo de dez investidores – sendo que cada um não pode ficar com mais de 20% do volume total emitido –, além de uma cota unitária com valor de R$ 1 mil, para estimular a entrada do segmento de varejo. Outra exigência é que as debêntures distribuídas tenham rating auferido anualmente. “Costumamos investir o máximo permitido [pela Resolução CMN 3.792], de 25% da emissão. Esse limite de 20% seria um fator dificultador para a nossa entrada nesse tipo de oferta”, aponta Suzarte.
Do lado do emissor, a pulverização também pode vir a ser um entrave.
Essa é a opinião de Marcelo Felberg, diretor financeiro da Odebrecht TransPort. Ele lembra que, recentemente, a concessionária de rodovias Rota das Bandeiras levantou R$ 1,1 bilhão por meio de debêntures, com vencimentos em 2022. “Cerca de 90% desses papéis ficaram concentrados com oito investidores âncoras. A pulverização poderia ter inviabilizado essa captação”, afirmou ele durante o 6º Seminário da Anbima, realizado em abril.

Segurança – Mesmo com a ressalva em relação ao projeto do Novo Mercado, a Funcef tem planos para continuar aumentando sua exposição a crédito privado. Atualmente, alocação equivale a cerca de 3% do patrimônio, ou algo em torno de R$ 1,5 bilhão – o total de recursos da entidade é de aproximadamente R$ 44 bilhões. “Esse tipo de ativo deverá chegar a um patamar próximo dos 5% do patrimônio até o fim deste ano, e se manter neste nível”, projeta Suzarte.
Papéis como a Cédula de Crédito Bancário (CCB) e ativos com lastro imobiliário como Cédulas de Crédito Imobiliário (CCIs) e Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) continuam no radar da fundação, mas o foco está mais em debêntures e em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs). Nas debêntures, o interesse maior é por emissões com prazos superiores a um ano e por papéis com lastro em índice de preços. “A preferência é por emissões indexadas ao IPCA, uma vez que isso possibilita o casamento com nosso passivo, corrigido por esse índice”, justifica. Em relação aos FIDCs, Suzarte comenta que a Funcef passou a olhar o segmento com mais atenção recentemente, uma vez que estão sendo feitas “muitas emissões”.
E apesar de prever alguma dificuldade para adquirir papéis com o selo de NMRF (Novo Mercado de Renda Fixa), Suzarte vê a iniciativa como algo que pode beneficiar o mercado como um todo. “Isso deve levar mais empresas a buscar essa opção para se capitalizar. Se por um lado a pulverização é ruim, o ticket de cota baixo pode fomentar mais emissões, o que é positivo para nós e para o mercado”, pondera.
Para Carlos Fernando Costa, diretor de investimentos da Petros, os instrumentos propostos para a entrada no Novo Mercado de Renda Fixa trazem segurança para os investidores. “As obrigatoriedade do rating é música para os ouvidos”, declara. Ele comenta que, uma vez que os fundos de pensão devem caminhar para possuir cada vez menos títulos públicos em seus portfólios, a proposta de aumento nos quesitos de controle e avaliação dos papéis privados é fundamental para que o investidor possa entrar nas emissões com um risco menor. “As fundações devem manter parte de seus ativos nos títulos públicos, como forma de se imunizar, e buscar mais risco. Haverá um grande interesse por ativos com esses instrumentos que agregam segurança e liquidez ao investimento”, assegura.
Costa lembra que a Petros já vem fazendo esse movimento para ativos de mais risco há algum tempo. Dez anos atrás, 70% da carteira era composta por títulos públicos e, atualmente, essa parcela está em 45%. O total de recursos da entidade é de cerca de R$ 56 bilhões. “Nesse período, caminhamos para renda variável, crédito privado e participações”, enumera. O total alocado em crédito privado chega a R$ 1,8 bilhão.

Agenda – A forma estudada pela Anbima para garantir liquidez ao Novo Mercado é por meio da criação de dois fundos: um de apoio à liquidez (FAL), temporário, que contaria com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e fontes privadas; e um garantidor de liquidez (FGL), para assegurar a negociação de um determinado ativo que eventualmente passe por restrições de liquidez.
Ainda existem dúvidas sobre o mecanismo de funcionamento dos fundos, sua forma de gestão e quem os financiaria, uma vez que a prioridade seria a liquidez, com rentabilidade menor.
Segundo Marcelo Giufrida, presidente da Anbima, já estão constituídos dez grupos de trabalho para dar prosseguimento à implantação do NMRF. A agenda de trabalho prevê a aprovação de um código de melhores práticas em junho. Em setembro, deve ser feito um convênio com o BNDES para alinhar procedimentos e buscar meios de incentivo. “Esperamos resolver a questão do FAL e do FGL até o fim do ano, com assinatura de um acordo técnico”, planeja Giufrida.
O BNDES quer ser o grande parceiro Anbima na tarefa de fomentar a entrada do setor privado no mercado de capitais. Segundo o presidente da instituição, Luciano Coutinho, o banco deve ter neste ano uma redução de R$ 30 bilhões na concessão de crédito em relação a 2010, e a expectativa é de que o espaço seja ocupado pela iniciativa privada. Além disso, o BNDES terá também um programa de aquisição de debêntures no valor de R$ 10 bilhões, com regras de avaliação dos papéis que vão de encontro às práticas propostas pelo Novo Mercado.
“Vamos diminuir o teto de participação em projetos para abrir esse espaço a outras fontes”, afirma Coutinho. Ele informa que o banco analisará emissões com vencimentos superiores a 24 meses e que não possuam cláusula de recompra em um prazo inferior a sete anos. O investimento do banco poderá ser de entre 5% e 20% do total da emissão. Além disso, os papéis devem estar lastreados em índices de preços ou na Libor brasileira, sem vínculo ao CDI.
Em 2010, o banco experimentou fazer uma emissão de debêntures de R$ 2,025 bilhões em três séries, com uma delas vinculada a uma taxa flutuante trimestral. “Para nossa alegria, a demanda se concentrou intensamente na série com taxa flutuante. Isso mostra que o mercado pode se livrar do vício da conexão ao CDI”, ressalta Coutinho.

Prioridade no mercado internacional Apesar de não descartar um retorno às captações no mercado brasileiro de renda fixa, a Petrobras ainda considera as emissões externas mais condizentes com os interesses da empresa. A afirmação é de Almir Barbassa, diretor financeiro e de relações com investidores da companhia. “Hoje, a Petrobras é uma empresa dolarizada, uma vez que a cotação do petróleo é nessa moeda. Isso torna o mercado internacional bastante atrativo”, explica.
Ele lembra que a mais recente emissão de títulos de dívidas da empresa no País aconteceu em 2002, com prazos entre sete e dez anos. “Até 2007, a geração de caixa foi mais do que suficiente para os projetos da companhia”, aponta. Segundo Barbassa, a Petrobras deve captar entre US$ 12 bilhões e US$ 18 bilhões por ano, em capital novo e amortização do passivo, até 2014. Ele sujeita o retorno das operações no mercado interno a condições de oportunidades e prazos. “Enquanto não houver atratividade nos custos, uma empresa como a nossa, que pode acessar outros mercados, irá fazê-lo”, aponta. Mas apesar de não utilizar instrumentos de renda fixa como funding diretamente, a Petrobras está de certa forma presente no mercado doméstico, uma vez que lança mão de operações de captura de recursos para financiar seus fornecedores, como Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDCs).