Onde está o valor | Especialistas comentam o desempenho de 2010 e...

Edição 226

 

Uma herança que a crise financeira internacional deixou para o mercado acionário brasileiro foi a concentração dos interesses em ações de empresas cuja atuação está ligada à atividade doméstica. Diante do consenso de que a economia brasileira está em fase de crescimento, com aumento de renda e do consumo nas classes C e D, os papéis de setores como varejo, vestuário, construção civil e alimentos e bebidas ganharam destaque. O movimento se manteve em 2010, mas está perdendo força em alguns segmentos por conta de uma percepção de “sobreavaliação” dos papéis. Além disso, a ameaça da inflação gera uma certa insegurança nos investidores.
Trazendo a análise do contexto geral para o particular, não podemos esquecer que 2010 foi o ano da tão comentada capitalização da Petrobras.
Em setembro do ano passado, a companhia levantou R$ 120,25 bilhões em uma megaoferta de ações. A operação gerou expectativas de diversos tipos no mercado por se tratar do maior aumento de capital e oferta pública de ações já realizada e trazer um elemento a mais: a participação indireta do governo na emissão, com barris de petróleo, enquanto os minoritários tiveram de entrar com dinheiro para manter sua parcela no capital.
Do total recebido em dinheiro e títulos, a Petrobras usou R$ 74,8 bilhões logo em seguida para comprar cinco bilhões de barris que ainda estão debaixo da camada de sal no fundo do oceano. O contrato de compra foi negociado entre a companhia e o governo, que é seu controlador, o que levantou dúvidas sobre a possibilidade de um conflito de interesses. O sentimento no mercado era de que ficava difícil precisar o preço justo para esse petróleo ainda inexplorado. Na ocasião, chegou-se a um preço médio de US$ 8,51 por barril, que será revisto quando for declarada a comercialidade dos blocos. O próprio governo aportou esses R$ 74,8 bilhões usados para a compra dos barris – e ainda colocou mais R$ 5 bilhões em títulos públicos. Com esse aporte de quase R$ 80 bilhões, aumentou sua participação no capital da empresa de cerca de 39% para 48%.
“Não tem como desvincular a performance da ação da Petrobras em 2010 desse fator específico que foi a capitalização”, afirma Rogerio Zarpao, analista sênior de recursos naturais do Banco Safra. Ele comenta que, antes desse evento, havia uma correlação muito forte entre a variação do papel e a do preço do petróleo. “O desempenho da ação acompanhava em grande medida o do Brent. Com a capitalização, acabou acontecendo uma perda dessa correlação. Nós passamos a observar uma valorização do preço do barril sem a contrapartida da valorização do preço da ação da Petrobras. Então, 2010 foi o ano em que se marcou a quebra da correlação existente entre a ação e o preço do barril”, resume o analista.
Zarpao acrescenta que, em termos operacionais, o mercado tem acompanhado (e vai continuar acompanhando) a evolução dos novos campos que vão compor a campanha de exploração e produção de petróleo da Petrobras. “A companhia será cada vez mais monitorada pelo mercado sob o ponto de vista da entrega efetiva dos projetos que ela tem no pipe-line. Isso porque a única forma de a Petrobras monetizar os ativos que ela tem é por meio da entrega dos projetos. E isso será acompanhado não só em termos de prazo, mas também se está sendo feito dentro do orçamento projetado. É a questão do on time e on budget.
Isso vai ser importante para o desempenho da Petrobras olhando para a frente”, aponta.
Ele lembra que está sendo aguardado pelo mercado o anúncio do Capex da Petrobras. “Aí teremos a perspectiva de como vai se comportar o plano de investimento da companhia para os próximos cinco anos”, diz. O plano do ano passado previa investimentos totais de US$ 224 bilhões para o período de 2010 a 2014. A expectativa geral é de que essa cifra aumente, mas não se sabe dizer ao certo para quanto.

Macroeconomia – Enquanto a Petrobras é mais vulnerável ao que acontece no mercado internacional, empresas de setores como varejo e construção civil são mais suscetíveis a eventos relacionados à economia brasileira.
Por isso, o comportamento dos juros e da inflação interferem de maneira mais significativa no desempenho dessas companhias.
Alexandra Almawi, economista da Lerosa Investimentos, aponta que o segmento de varejo teve um 2010 muito alavancado, com um ganho bastante forte das ações das empresas do setor. “Isso se deve em grande parte à relação feita entre o setor de varejo e a economia brasileira, com a expectativa de crescimento da renda. Quando nós fechamos 2010, avaliamos que as ações desse segmento subiram mais do que nós avaliávamos. E dissemos para os investidores: ‘foi muito bom, obrigado, mas agora é hora de olhar para esse setor com mais cuidado porque pode ser que ele não dê, em 2011, as mesmas alegrias de 2010’.
Nós fizemos esse alerta”, conta. Para Alexandra, as companhias do setor que crescerem serão aquelas que conseguirem melhorar sua eficiência operacional.
A economista aponta que o segmento já sofreu no começo de 2011 com os efeitos das medidas macroprudenciais adotadas pelo governo. “Tudo o que vai no sentido de contenção do crédito acaba afetando empresas diretamente ligadas a consumo”, afirma. Nesse cenário, o aumento dos preços também é um fator negativo. “Obviamente, a inflação reduz o poder de compra quando não se trata de artigos de primeira necessidade.
Aqueles bens que são mais supérfluos acabam sendo preteridos, dado que as pessoas estão com medo da inflação”, reforça.
Alexandra explica que, quando existe algum problema externo – seja uma crise ou uma volatilidade geral nos mercados –, ações associadas ao consumo interno são muito favorecidas, uma vez que geralmente tendem a se descolar desses eventos. Por outro lado, elas são vulneráveis às questões macroeconômicas brasileiras. “Em um momento como esse, em que há uma certa insegurança sobre a eficácia das medidas do governo para combater a inflação, o setor de varejo sofre”, sublinha. Ela ressalva, porém, que caso haja sinais de que a inflação está mais controlada, a tendência é de que haja uma retomada no setor. “A Bolsa é muito movimentada em cima de expectativa. Quando o fato vem, aquilo já estava precificado. E se por um lado as ações já sofreram os efeitos da macroeconomia, por outro, quando houver a percepção de que as medidas do governo estão dando certo, esse setor será o primeiro a respirar na subida”, estima.
A inflação também é um elemento importante no segmento de construção civil. Eduardo Silveira, analista da Fator Corretora, lembra que o topo da performance das ações de companhias do segmento em 2010 se deu entre outubro e novembro, após a divulgação dos balanços referentes ao terceiro trimestre. “Foi o grande resultado que as empresas divulgaram.
Quase todas as empresas cumpriram seu guidances de lançamento do ano e apresentaram boa velocidade de vendas, o desempenho foi bom em todas as métricas. De lá para cá, o que mudou foi que o macro prevaleceu muito sobre o micro, com as preocupações com inflação. Toda vez que se sinaliza um aumento de juros o impacto no setor é grande”, diz ele, completando que a saída do investidor estrangeiro da Bolsa também afetou bastante o segmento.
Além disso, tem a questão dos atrasos em obras. Silveira informa que 50% dos lançamentos de 2007 foram feitos no fim do ano. Como o ciclo do setor é grande, de cerca de três anos, esses empreendimentos estão sendo entregues agora – lembrando que entre o segundo semestre de 2008 e o início de 2009 houve a crise financeira internacional. E como as obras têm custos fixos, alguns deles acabam trazendo um desembolso maior por conta do atraso na entrega dos empreendimentos. “Não se tinha ideia de que faltava tanta mão de obra qualificada e que os custos de obra ficariam tão mais altos”, observa o analista. Ele recorda que a Cyrela divulgou no começo de 2011 um fato relevante em que informa a revisão de seus custos, o que acabou jogando as margens para baixo. “A MRV também fez isso. Se antes a pressão era para lançar e vender, agora é para entregar as obras e manter a margem. Toda a contabilidade do setor é baseada no orçamento de obra; se o custo fica mais alto, a estimativa é de que haverá margens menores lá na frente”, explica.
Por conta desse cenário, Silveira espera um primeiro semestre ainda pressionado para as ações do segmento. “Por mais que os resultados operacionais sejam bons, na média as empresas só lançaram de 10% a 15% da meta para o ano. O primeiro trimestre não vai ser muito forte, até por questões sazonais, como férias e um Carnaval em março”, afirma.
Para ele, com a inflação controlada, o segundo semestre pode ser melhor. “De qualquer maneira, o crédito imobiliário continua forte, o setor é voltado para o mercado interno e não existe uma inversão grande de cenário em relação ao que tínhamos no final do ano passado. Essa questão dos custos dificulta um pouco, mas nada que seja muito grave. O desempenho das ações vai depender muito do macro”, aponta.

Dividendos – E se por um lado a inflação compromete a atratividade de alguns papéis, por outro pode ser um fator que gera interesse. Segundo Alexandra Almawi, da Lerosa Investimentos, esse é o caso de telecomunicações. “É um setor muito defensivo em relação a inflação, porque a receita das companhias está ligada ao aumento dos preços. É possível ter um bom gerenciamento de risco com essas ações”, aponta.
Ela diz que outra característica do segmento é a consolidação das margens. “Tudo que tinha de acontecer em termos de compra e venda de empresas já aconteceu. Esse é um setor que já está consolidado no Brasil, com as margens em relação a receitas já estruturadas”, aponta a economista. Alexandra destaca, ainda, um terceiro ponto do segmento: o fato de ser bom pagador de dividendos. “E olhando para o futuro, há um grande potencial de crescimento pelo fato de as classes C e D serem muito demandantes de telecomunicações, tanto na parte móvel quanto na parte fixa. Se realmente esse aumento de renda de classe C e D continuar, o que todos nós esperamos, haverá um impacto direto fortíssimo nesse setor”, estima.
Por falar em dividendos, um segmento famoso pela boa distribuição é o de energia elétrica. “Realmente é um setor conhecido por pagar bastante dividendos, até porque os grandes investimentos já foram feitos e sobra caixa para distribuir”, aponta Leandro Cappa, analista de research do Deutsche Bank. Ele diz que a renovação das concessões e a nova metodologia de revisão tarifária são os dois pontos que estão gerando mais expectativa no mercado este ano.
Os ciclos de revisão tarifária acontecem a cada quatro anos, sendo que o terceiro ciclo vai de 2011 a 2014. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está aperfeiçoando a metodologia para este ciclo e tem contado com a contribuição do mercado nesse processo. “No ano passado, por volta de setembro, a Aneel divulgou uma proposta inicial de metodologia de revisão tarifária que não agradou ao mercado, no primeiro momento, porque trazia uma série de exigências, sobretudo das distribuidoras. Aos poucos, a agência está divulgando outros pontos da proposta, e está fazendo algumas concessões que as empresas tinham pleiteado. Mas esse é um assunto que deixa o mercado um pouco receoso”, explica Cappa.
O analista completa que no final de abril a agência divulgou vários outros pontos dessa metodologia como proposta, de forma que as sugestões do mercado serão recebidas até o fim de maio. “Acredito que teremos uma metodologia definitiva estabelecida até agosto ou setembro. Até lá, fica essa expectativa”, aponta ele.

IFRS – No que se refere aos balanços de 2010 das companhias do setor de energia elétrica, Cappa comenta que houve um evento fora do comum: a adoção do IFRS (International Financial Reporting Standards, normas internacionais de contabilidade). “Foi um ano atípico em função da adoção do IFRS. Não se sabia exatamente como que as companhias adotariam cada um dos pronunciamentos contábeis emitidos pelo CPC e também como a CVM aceitaria ou não esses pareceres. Além de tudo, o setor elétrico é mais específico ainda porque tem uma contabilidade regulatória definida pela Aneel”, diz Cappa.
A diferença é que, antes, as companhias lançavam ativos e passivos regulatórios nos seus balanços, mas deixaram de fazê-lo. “Esses mecanismos são previstos na contabilidade regulatória até como forma de minimizar as oscilações de resultados nas concessionárias de distribuição de energia. Mas em virtude de ainda não haver uma aceitação expressa do IFRS para esses ativos e passivos regulatórios, todas as companhias decidiram não implementar, então ocorreram reversões nos balanços que causaram uma certa oscilação atípica nos resultados. A maioria foi de reversões positivas, mas que foram efeitos temporários que não vão se repetir”, aponta.