Desafios para os gestores | Depois de enfrentar dificuldades no a...

Edição 223

 

O segmento de fundos multimercados enfrentou um período difícil em 2010. Com a falta de tendências definidas tanto na Bolsa quanto nos juros ou no câmbio, a indústria patinou nessa categoria de produtos e a maioria dos grandes gestores registrou captação negativa no consolidado do ano.
Apesar do resultado geral não ter agradado aos gestores, a ampla diversidade de estratégias e fundos do segmento garantiu performances positivas de algumas assets que acertaram suas apostas e conseguiram se salvar. Os institucionais, porém – em especial os fundos de pensão –, continuam reticentes quanto ao apelo para destinar recursos para este tipo de produto. Os multimercados ainda direcionam suas estratégias comerciais para o público de varejo, ainda que alguns gestores apostem no aumento gradual da captação entre os institucionais como forma de diversificação dos portfólios de grandes investidores como as fundações e os institutos de previdência.
“Não foi um ano bom para o segmento em geral, pois a performance da Bovespa não ajudou, principalmente por causa do desempenho das ações da Petrobras”, explica Marcelo Marques Pacheco, gerente executivo da BB DTVM. Isso afetou a maioria dos multimercados, que adota estratégia com exposição em bolsa. Apesar do mercado “andando de lado”, o executivo diz que a BB DTVM apresentou boa captação no segmento. “Para nós não foi ruim. Em geral, superamos os benchmarks dos fundos, mesmo com o fraco desempenho de bolsa”, diz. A asset do Banco do Brasil fechou o ano em primeiro lugar no ranking no segmento de multimercados em termos de patrimônio líquido, com R$ 56,12 bilhões, seguido pelo Itaú em segundo e pelo BTG Pactual, em terceiro lugar, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais – Anbima (veja mais no quadro).
O gerente cita a rentabilidade do fundo Top Multi Arrojado, que fechou o ano com 114% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI). Já os multimercados mais conservadores com gestão da BB DTVM ficaram somente um pouco acima do benchmark, como é o caso do BB RPPS (direcionado para institutos de previdência estaduais e municipais), com 101,8% do CDI, e o Multi Conservador, com 101,5% do CDI. “Traçamos cenários no começo de 2010 que foram muito aderentes ao que ocorreu durante o ano, sobretudo em relação à Bolsa. Quando os preços das ações estavam em queda, fomos às compras, e quando subiam, aproveitamos para realizar o lucro”, recorda Pacheco.
O gerente da BB DTVM comenta que foi necessário adotar uma gestão mais ativa na Bolsa. “Apesar de o resultado do ano ficar próximo da estabilidade, conseguimos aproveitar oscilações”, afirma. O cenário de bolsa não era tão previsível no começo do ano passado, pois a economia brasileira estava com perspectiva de forte crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). “Acertamos o posicionamento de que a Bolsa não teria um bom ano e de que o cenário na Europa iria piorar. Por isso, vendemos euros e apostamos no Real, o que foi uma estratégia bem sucedida durante o primeiro semestre”, revela Pacheco. O executivo informa ainda que a captação no varejo não foi muito boa, pois a performance de bolsa assustou os investidores – mas, em compensação, foi possível captar recursos entre os institucionais, com a gestão de fundos exclusivos da categoria. No mês de dezembro, por exemplo, os fundos multimercados da BB DTVM registraram captação negativa de R$ 62 milhões.
Apesar do movimento de algumas fundações e institutos de previdência em direção aos multimercados, a maioria dos institucionais ainda está reticente quanto às vantagens desse tipo de produto. “Os multimercados não ofereceram boa performance para os institucionais, por isso, não verificamos aumento na captação de recursos entre as fundações e institutos de previdência”, diz Flávio Pires, superintendente de clientes institucionais do Itaú. Ele explica que os fundos alavancados apresentaram rentabilidade próximas ao CDI, enquanto os tradicionais bateram em média 105% do CDI. “Os institucionais ainda estão ressabiados com os multimercados. Ultimamente, as fundações têm dado preferência aos fundos híbridos, com benchmark IMA-B ou IMA-F. Acredito que essa tendência, que vem se acentuando desde 2009, deve continuar em 2011”, prevê Pires. Apesar do aumento da taxa básica de juros (Selic) – que na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central passou a 11,25% ao ano, com elevação de 0,5 ponto percentual –, o executivo do Itaú prevê que os fundos de previdência devem continuar o movimento em direção aos fundos com benchmark da família IMA, além de buscar gradualmente maior exposição em renda variável.
Outra tendência apontada pelo superintendente do Itaú é a maior procura por fundos estruturados, de participações e imobiliários. “As fundações já vinham estudando com mais carinho os fundos estruturados desde o ano passado e devem continuar assim em 2011”, estima. Já a volta aos fundos DI devido ao novo ciclo de alta de juros vai depender do movimento de subida da Selic. Com esse cenário, sobra pouco espaço para os multimercados, mas o executivo do Itaú acredita que há produtos mais alavancados que podem atrair alguns investidores institucionais que pretendem diversificar o portfólio.
O Itaú tem se destacado em alguns fundos de maior risco, com dois long and short e um multimercado de múltiplas estratégias. O bom desempenho dos fundos veio com a aposta na alta da inflação no segundo semestre de 2010. Outro grande acerto foi ter vendido Petrobras e comprado small caps. Já o dólar foi usado como proteção para a carteira, se a situação externa piorasse. “Os fundos multimercados mais alavancados se apresentam como alternativa para grandes fundações que pretendem diversificar a carteira”, reforça Flávio Pires. Apesar dos resultados modestos na captação durante o ano, no mês de dezembro passado a asset do Itaú registrou aumento da captação, quando as entradas atingiram a marca de R$ 2,4 bilhões em seus fundos multimercados, segundo dados da Anbima.

Diversificação da carteira – Mesmo com as dificuldades de atrair os investidores institucionais para o segmento de multimercados, os gestores acreditam que alguns produtos específicos podem representar boas alternativas de diversificação do portfólio para os fundos de pensão. O segmento de fundos não direcionais, que possuem baixa correlação com classes de ativos (câmbio, juros e bolsa) é uma das apostas dos gestores para atrair os institucionais. “Acreditamos que os multimercados não direcionais são uma alternativa interessante para fundações com portfólio grande, que conseguem assumir um maior risco em uma parte da carteira”, diz Thierry van Eyll, sócio-diretor de capital management do Pátria Investimentos.
O gestor explica que esses são fundos com expectativa de retorno de 120% a 130% do CDI, mas que o principal atrativo não é a rentabilidade, e sim a possibilidade de diversificação. “São fundos que apresentam boa performance em anos ruins para o mercado, como ocorreu em 2008 e parte de 2009”, complementa.
O Pátria possui dois fundos multimercados que se enquadram na classificação de não direcionais. Um deles é o Pátria Hedge Arbitragem, que possui atualmente patrimônio líquido de R$ 650 milhões, dos quais R$ 25 milhões são provenientes de fundações. O fundo está fechado para captação entre os investidores em geral, com exceção das entidades fechadas de previdência complementar. É um fundo que trabalha com arbitragem de curva de juros, aproveitando oportunidades de liquidez do DI. O multimercado também realiza operações de eventos societários, como fusões e fechamentos de capital, além de aproveitar a volatilidade proveniente de trade de ações como Petrobras e Vale.
O outro fundo não direcional é o Pátria Long and Short, que é 100% fundamentalista. O produto aposta na concorrência de empresas do mesmo setor, como no setor aéreo, a relação entre Gol e Tam, ou no setor bancário, entre Itáu e Bradesco. O fundo trabalha com um número restrito de operações, entre 25 e 30. Em 2010, ambos os fundos do Pátria tiveram performance muito próxima do índice: o Hedge Arbitragem ficou com 99% do CDI e long and short bateu apenas 102% do CDI.
Outro atrativo dos multimercados, principalmente para os institutos de previdência municipais e estaduais, é a opção de aumento da exposição em renda variável, sem contudo ampliar o risco da carteira. “A gestão mais ativa do fundo de investimento oferece maior proteção das oscilações da Bolsa. Os multimercados podem ser boa opção para os institutos que pretendem manter um perfil menos agressivo, deixando para o gestor o papel de definição do grau de exposição em bolsa”, explica Marcelo Marques Pacheco, gerente executivo da BB DTVM.
Há também quem ofereça produtos multimercados como uma porta de entrada para os investidores institucionais começarem a aplicar recursos no exterior. É o caso da gestora independente Ashmore, ligada à asset inglesa de mesmo nome. “Oferecemos alternativas de fundos que investem em moedas estrangeiras de mercados emergentes, como o peso chileno e o câmbio chinês ou sul-africano”, detalha Eduardo Lopes Câmara, diretor executivo da Ashmore. Segundo o executivo, os multimercados geridos pela asset representam uma forma de diversificação de portfólio com papéis relacionados a ativos estrangeiros que não estão vinculados diretamente com os tradicionais mercados de juros e bolsa.
“Acredito que vai aumentar a tendência de diversificação entre os institucionais, que devem entrar cada vez mais com aplicações em hedge funds, private equity e também em multimercados que adotam estratégias alternativas”, prevê Câmara. Ele acredita que qualquer tipo de fundação pode começar o processo de diversificação, não importa o tamanho. “Tanto os fundos de pensão de grande porte quanto de pequeno podem aplicar parte dos recursos em investimentos alternativos, com a diferença do percentual do patrimônio a ser investido”, constata o diretor da Ashmore.

Aposta em ouro – A Bradesco Asset Management (Bram), assim como os demais gestores, também enfrentou um ano difícil no segmento de multimercados. Mas, apesar das dificuldades, a Bram conseguiu se recuperar no final de 2010, com uma estratégia que apostou em manter posições em ouro, além de ficar fora do mercado acionário. “Estivemos fora de bolsa no último trimestre e mantivemos uma postura estática em relação às posições que tínhamos em ouro. Assim, a volatilidade dos mercados ajudou a impulsionar nossa performance”, diz Luiz Roberto Zaratin, superintendente executivo de renda fixa e multimercados da gestora. A asset comemorou a captação do último mês de 2010, quando conseguiu levantar R$ 682 milhões em recursos para seus fundos multimercados, segundo dados da Anbima.
Assim, apesar das dificuldades com o desempenho da bolsa e dos juros, o resultado final do ano foi bom para os multimercados com gestão da Bram, que se recuperaram devido ao posicionamento em ouro. “Foi um ano difícil para o mercado em geral, mas acredito que conseguimos performar acima da média. Conseguimos crescer em um ano em que a indústria não foi bem”, diz Zaratin. O executivo da Bram acredita que em 2011 a Bolsa estará melhor, pois haverá uma corrida mundial por ativos reais. “Deve ocorrer maior alocação em bolsa, e vamos analisar com carinho os novos BDRs dos Estados Unidos, pois prevemos a recuperação da economia norte-americana a partir da segunda metade do ano”, aponta. O superintendente de renda fixa da Bram revela ainda que pretende manter alocação em ouro, além de voltar para a Bolsa, aproveitando as oportunidades que forem aparecendo. Os gestores estão apostando que a Bovespa tem espaço para subir em 2011, depois de um fraco desempenho no ano passado.

Perspectivas – Arturo Profili, diretor de finanças estruturadas da Capitânia, acredita que 2011 será um ano melhor para os multimercados. “Acredito que neste ano deve voltar a se formar tendências macroeconômicas mais definidas, tanto no mercado interno quanto no mundial, com aumento da volatilidade dos mercados, o que pode favorecer o segmento de multimercados no decorrer do ano”, opina. No momento, os cenários ainda não são favoráveis, pois apenas o câmbio está movimentando um pouco mais o mercado. “O Real estacionou, mas pode voltar a se desvalorizar, e a Bolsa pode voltar a subir”, prevê o diretor da Capitânia. O otimismo com a Bolsa, porém, é moderado e não descarta uma gestão bastante ativa dos gestores para encontrar oportunidades de ganhos em setores e empresas específicas.
Ele explica que o segmento de multimercados caminhou lateralmente no ano passado, pois justamente foi um ano sem grandes tendências definidas. Por isso, os resultados ficaram muito próximos dos benchmarks.
“Os multimercados conseguem melhor performance em anos bons para bolsa, juros ou câmbio. Quando o comportamento dessas variáveis fica neutro há menos oportunidades de ganhos para multimercados”, explica.
Os investidores institucionais, em especial as fundações, não encontraram justificativas para entrar nos multimercados, pois o risco é mais alto que em outros produtos e os retornos foram apenas razoáveis, quando não apresentaram rentabilidade abaixo do CDI.
Por enquanto, o começo de 2011 ainda não mostrou indicadores de que esses fundos estão se recuperando, pelo menos em termos de captação.
Os multimercados registraram resgates de R$ 580 milhões, enquanto os fundos de renda fixa atraíram R$ 3,02 bilhões na primeira quinzena de janeiro de 2011. Nesse mesmo período, os fundos de curto prazo e DI acumulam mais de R$ 16 bilhões em novos aportes. “Com o recomeço do ciclo de alta dos juros básicos, os multimercados e os fundos de ações não devem atrair os investidores, ao contrário do que está ocorrendo com os fundos atrelados às taxas básicas de juros”, diz Sandra Petrovsky, superintendente de investimentos da Votorantim Asset Management. Com isso, a tendência de baixa no segmento que vem do ano passado deve continuar por mais alguns meses, com maior possibilidade de recuperação a partir do segundo semestre.
Os fundos de ações também registraram mais resgates do que captações.
O patrimônio desses fundos encolheu em R$ 450 milhões na primeira quinzena do ano. Por outro lado, o apetite dos investidores estrangeiros com a Bolsa brasileira continua em alta. Até a metade de janeiro, haviam entrado R$ 2,04 bilhões em recursos do exterior na Bovespa. O cenário mostra que a Bolsa pode se recuperar e assumir uma trajetória de alta durante o ano, o que favorece a maioria dos multimercados, que utiliza ações em seus portfólios. As dúvidas que ainda persistem são sobre a trajetória do câmbio e a extensão do ciclo de aperto monetário imposto pela política econômica do Banco Central para frear a inflação.