Edição 219
Considerar impactos sociais e ambientais exercidos por empresas e projetos candidatos a receber recursos já faz parte do processo de seleção de investimentos de fundações brasileiras. As questões de sustentabilidade têm conquistado tanta importância para o sistema de fundos de pensão que a própria Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) conta, há cerca de quatro anos, com uma comissão dedicada a esse assunto. Uma das iniciativas recentes desse grupo foi a promoção, no início de setembro no Rio de Janeiro (RJ), do seminário “A Sustentabilidade e o Papel dos Fundos de Pensão no Brasil”. Agora, a Comissão Técnica Nacional de Sustentabilidade da Abrapp está se dedicando à elaboração do relatório social que será divulgado no congresso da entidade, marcado para os dias 17, 18 e 19 de novembro deste ano em Olinda (PE).
De acordo com Alvaro Camassarí, diretor regional da Abrapp e responsável pela CTN de Sustentabilidade, outra frente de atuação da comissão para 2010 é o desenvolvimento de um treinamento para pessoas que trabalham em fundos de pensão. O programa, no entanto, não deve começar a rodar já neste ano, mas sim em 2011. “Dentro da comissão existe um grupo de estudo que busca elaborar cursos para as entidades.
Os temas ainda estão sendo analisados, mas serão abordados aspectos voltados para preenchimento e utilização de questionários sobre questões socioambientais, desenvolvimento de relatórios, governança, transparência e relacionamento com os participantes. Há uma série de itens que nós estamos avaliando de que maneira poderíamos incluir em um treinamento ou curso”, cita o diretor.
A percepção de Camassarí é de que o assunto da sustentabilidade já e bastante familiar e difundido entre os grandes fundos de pensão brasileiros, mas as pequenas e médias entidades ainda estão no princípio do processo de contato com questões socioambientais. “Fundações de menor porte, e principalmente aquelas que terceirizam a gestão e delegam boa parte das operações para bancos e assets, ainda não têm total entendimento sobre o tema, mas aos poucos essa aproximação vem ocorrendo”, analisa. O diretor considera que sustentabilidade é um tema bastante importante não só para o sistema de previdência, mas ainda é pouco disseminado. “Estamos aos poucos plantando a semente para que as pessoas e os dirigentes possam refletir cada vez mais. Mesmo porque esse assunto tem muito a ver com a própria existência das fundações. A questão da perpetuidade é importante, olhar o longo prazo está intrinsicamente ligado ao nosso dia a dia. Então, a questão da sustentabilidade está no nosso DNA. Ela se tornar mais presente na vida das fundações é apenas uma questão de tempo”, estima.
Energia renovável e reflorestamento – Luiz Philippe Torelly, diretor de participações societárias e imobiliárias da Funcef, concorda que sustentabilidade tem tudo a ver com fundos de pensão. “Vejo que há uma preocupação crescente com o tema. É um novo ciclo que se inicia e está relacionado à sobrevivência da humanidade. O desenvolvimento e o crescimento econômico em bases socialmente e ambientalmente responsáveis são o caminho para a garantia da continuidade da espécie”, aponta. Ele diz que a fundação definiu uma política de responsabilidade socioambiental que estabelece, entre outros itens, que qualquer investimento da entidade, além de garantir retorno financeiro, deve respeitar a conservação do meio ambiente e prezar pelas boas condições de trabalho. “Nós não aceitamos de forma nenhuma participar de empreendimentos em que haja pessoas trabalhando em condições adversas ou perigosas, sem os equipamentos de segurança que a lei determina, sem respeito aos direitos laborais e com salários aviltados”, exemplifica.
Ele cita o caso de Belo Monte. A usina hidrelétrica no Rio Xingu, no Pará, será a terceira maior do mundo, com capacidade de 11,2 mil megawatts e potência assegurada de 4,5 mil megawatts. Torelly conta que a questão ambiental é tão importante no projeto que o orçamento destinado a essa área equivale a 15% do valor da obra. Segundo o diretor da Funcef, são R$ 4 bilhões voltados para iniciativas como mitigação dos impactos, valorização do trabalho e compensação das populações atingidas. “Lá, a diretoria de meio ambiente é tão importante quanto a financeira e a de obras. Exatamente porque administra um volume de recursos muito grande e porque certamente vai ter que enfrentar questões muito complexas e às vezes de difícil previsão”, argumenta. Além da Funcef, outros dois fundos de pensão participam do empreendimento: Petros e Previ.
Ainda no que se refere a sustentabilidade, um ramo que tem despertado bastante o interesse da Funcef é o de reflorestamento. “São investimentos que, assim como energia, vêm tendo um crescimento importante dentro da nossa carteira e de outros fundos também. E hoje nós priorizamos a energia eólica e a hidrelétrica, que são aquelas menos poluentes”, afirma.
Ele endossa que, atualmente, não há empreendimento que não sofra o crivo da sustentabilidade na hora da análise. “E isso, ainda bem, não é uma prerrogativa só da Funcef. Outros fundos de pensão também adotam políticas análogas ou praticamente coincidentes, e isso é muito bom porque eleva o nível de exigência. Como os fundos de pensão cada vez têm uma participação mais importante no volume total de investimentos promovidos pelo País, se começa a criar um padrão. E as empresas têm também caminhado na direção de ter políticas sociais e ambientais compatíveis com o que os investidores demandam. Quem não se adequar vai ter que investir seu próprio recurso ou buscar dinheiro em outras fontes, que não são tantas assim”, conclui.
Torelly informa que a Funcef tem hoje R$ 250 milhões em projetos de reflorestamento, por meio de fundos de investimento em participações (FIPs). Além de recuperar, por meio da plantação de árvores, as áreas degradadas, essas florestas plantadas fornecem madeira para indústrias como as de celulose e, assim, evitam a destruição de mais florestas nativas. Já na área de energia renovável a fundação conta com algo em torno de R$ 900 milhões em investimentos, segundo o diretor.
Mudança geral – Na Petros, o tema da Responsabilidade Social Empresarial (RSE) passou a apresentar maior destaque a partir de 2003, quando o assunto começou a ser tratado na forma de uma política transversal de atuação. Anteriormente, havia diversas iniciativas pontuais neste campo, mas que não eram articuladas por uma política e por instrumentos de gestão que pudessem refletir, propor e monitorar essas questões. Desde 2004, o assunto foi incluído no âmbito do Planejamento Estratégico da Petros – e também, desde esta época, a fundação passou a publicar seu balanço social anualmente. De acordo com a entidade, de início a própria iniciativa de produção do balanço social da fundação transformou seu dia a dia, uma vez que o processo de elaboração do documento foi articulado pela gerência de planejamento do fundo de pensão, contando com participação de todas as diretorias e gerências. O processo de produção da política de responsabilidade social da Petros tomou o mesmo caminho, com discussão a partir de representantes de todas as diretorias, inclusive com apoio de assessoria externa, passando por debate e aprovação na diretoria executiva e sendo apresentada ao conselho deliberativo, que também discutiu e aprimorou ainda mais o documento.
“Com base nisto, diversas iniciativas foram tomadas, permeando inserções crescentes no planejamento estratégico, com planos de ação e metas envolvendo diversas diretorias. Como desdobramento, afetou, entre outras, a política de contratação, gestão de pessoas e a política de investimentos. Também vale destacar um outro relevante fator de governança interna, isto é, a constituição de um comitê de responsabilidade social, que gerou a possibilidade de reflexão de diversos temas, como a iniciativa de utilização dos Indicadores Ethos. Outras medidas foram potencializadas, entre as quais destacamos a constituição de um comitê de diversidade e, com isso, a fundação obteve o Selo Pró- Equidade de Gênero junto à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, do Governo Federal”, detalha a Petros.
Mais especificamente sobre as aplicações dos recursos, a fundação, dada a diversidade de classes de ativos investidos, vem buscando aperfeiçoar seus critérios e metodologia constantemente. Em algumas classes de ativos, a inserção de cláusulas com conteúdo de responsabilidade social ambiental em regulamentos tem sido um caminho encontrado para cumprir com este objetivo. Em outras classes de ativos, como por exemplo a carteira de ações de participação, que possuem características de maturação de longo prazo, é possível fazer um trabalho de promoção de conceitos e de aperfeiçoamentos de gestão das companhias visando à transformação de seus processos, balizados por critérios de sustentabilidade. “Desta forma, empresas que possuam hiatos relevantes em termos de critérios de RSA mas indiquem sensibilidade para adoção ou modificação de práticas podem ser alvos de nossos investimentos.
Ressalta-se que esses casos serão objeto de constante monitoramento, visando auferir se tais expectativas vêm sendo atendidas. Em casos limites de desconforto, pode se incluir a decisão de desinvestimento. Dentre estes critérios, podemos exemplificar compromissos éticos da companhia, publicação de balanço social (com metodologia pública), existência de políticas afirmativas e práticas de não-discriminação, responsabilidades ambientais dos executivos e da alta administração, critérios de seleção e avaliação de fornecedores”, exemplifica o fundo de pensão.
A Petros esclarece que, devido ao objetivo fiduciário do fundo de pensão de garantir uma rentabilidade que supere a meta atuarial com relação adequada entre risco e retorno, a utilização de critérios de responsabilidade social agrega valor no sentido da mitigação de riscos, além de, eventualmente, gerar oportunidades de investimentos. Diante disso, a fundação tem como meta buscar introduzir cada vez mais critérios de responsabilidade social nas decisões de entrada em ativos, no monitoramento e na definição pelo investimento – concomitantemente, é claro, aos critérios econômico-financeiros. “Assim, ainda que alguns ativos tenham evidente destaque sob o prisma da sustentabilidade (empresas dos setores de energia renovável e saneamento, por exemplo), o objetivo é fazer com que todas as empresas investidas introduzam a responsabilidade social em sua gestão, de forma transversal, e não pontual, isto é, não só no produto final ou em algum investimento filantrópico. Trata-se de elevar a gestão destas empresas de forma que ela seja permeada dos critérios de responsabilidade social, mitigando riscos e eventualmente aproveitando-se de algumas oportunidades geradas neste campo”, indica a Petros.
Retorno – O segundo maior fundo de pensão do País reforça que a adoção de critérios de responsabilidade social nos investimentos possuiu efeitos relevantes particularmente na mitigação de riscos. “Nos investimentos de longo prazo, em particular na carteira de ações e nos fundos de private equity, tais efeitos nas empresas se materializam na maior segurança de que estes ativos irão efetivamente performar, não sendo foco de perdas por não utilização correta dos princípios de responsabilidade social. A título de exemplo, empresas que estão adequadas do ponto de vista da relação com os empregados, seja no pagamento dos direitos trabalhistas ou na prevenção de acidentes de trabalho, não serão alvo de autuações, com multas, produzindo efeitos inesperados em seus resultados. Isto também se aplica nas questões ambientais, outro tripé relevante no chamado triplo bottom line (econômico-social-ambiental). Tais resultados não são imediatamente tangíveis, dado que não respeitam necessariamente os ciclos anuais dos balanços. Os fundos de pensão, como investidores institucionais de longo prazo, devem fiduciariamente garantir parâmetros de segurança cada vez mais robustos em seus investimentos”, defende a Petros, ao ressaltar que fatores normalmente relacionados às questões de responsabilidade social nas empresas pode ter “efeitos drásticos na chamada última linha do balanço, em função dos fortes efeitos sobre a imagem”.
A fundação acrescenta que, desde 2003, a gestão da Petros vem dialogando com os seus participantes para que o investimento socialmente responsável seja visto como algo inteiramente compatível com a natureza de negócios de um fundo de pensão. “A rentabilidade é buscada com segurança e em longo prazo. Uma empresa sólida que trabalha sob a filosofia da responsabilidade social tem tudo a ver com a previdência complementar.”
Engajamento na legislação A Resolução número 3.792 do Conselho Monetário Nacional (CMN), que trata dos investimentos das entidades fechadas de previdência complementar, explicita em seu texto a relação entre os fundos de pensão e as questões de responsabilidade social e preservação do meio ambiente.
Quem faz a lembrança é Ricardo Pena, diretor-superintendente da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc).
Ele se refere ao inciso VIII do parágrafo terceiro do artigo 16 da resolução, que estabelece que a política de investimento de cada plano deve conter, entre outros elementos, a observância ou não de princípios de responsabilidade socioambiental. “A mensagem da regra de investimentos é de que a preocupação continua sendo que os fundos evitem o vermelho e fiquem no azul, mas o verde também passa a ser importante”, afirma Ricardo Pena. Ele lembra que muitas fundações brasileiras já tomam iniciativas que vão de encontro à consideração da sustentabilidade nas decisões das aplicações, como a adesão aos Princípios para o Investimento Responsável (PRI, pela regra em inglês).
Ainda no que se refere à CMN 3.792, Pena recorda que são classificados no segmento de renda variável “os certificados de Reduções Certificadas de Emissão (RCE) ou de créditos de carbono do mercado voluntário, admitidos à negociação em bolsa de valores, de mercadorias e futuros ou mercado de balcão organizado, ou registrados em sistema de registro, custódia ou liquidação financeira devidamente autorizado pelo Bacen ou pela CVM, nas suas respectivas áreas de competência”. “A própria relação dos ativos em que as entidades podem investir inclui, no segmento de renda variável, os créditos de carbono, que têm a ver com a questão da sustentabilidade.
Essa resolução teve esse olhar, de chamar a atenção das entidades para algo que possa incorporar valor à gestão dos ativos”, reforça o diretor- superintendente da Previc.