Edição 360
Entre as classes de fundos cujos patrimônios mais evoluíram entre 2022 e 2023, os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) mostraram robustez mesmo sob a pressão do juro muito alto. “Os FIIs têm uma correlação bem negativa com os juros, em particular os que investem em imóveis físicos, porque em ambiente de juros altos sofrem com maior vacância e aluguéis menores”, lembra Carlos Martins, sócio fundador da Kinea.
Mas desde a pandemia houve um reposicionamento e os FIIs de crédito (CRIs), indexados diretamente ao juro e à inflação, passaram a compor 40% do índice IFIX. Esse percentual, porém, já começou a recuar um pouco em 2023, principalmente por conta dos eventos de crédito ocorridos no início do ano.
Na opinião de Martins, há espaço para os dois tipos de fundos, os de “tijolo” e os de “papel”. “Ainda que os dividendos dos FIIs de crédito tendam a cair um pouco à medida que o CDI fica mais baixo e o investidor pessoa física sai, eles continuam a ser uma alternativa para a diversificação de risco das carteiras”, diz.
Ele vê as novas emissões da indústria concentradas em shoppings e logística. Os destaques são os shoppings, que voltaram mais rápido e já recuperaram grande parte do seu faturamento, alguns já de volta aos níveis de 2019; os escritórios, que retomam o mercado de modo seletivo, e outros segmentos mais favorecidos pela redução do juro e da inflação. Mas apostar nessa corrida exige capacidade de selecionar os “melhores cavalos”, porque os FIIs com bons ativos vão sair na frente. “Escritórios mal localizados, por exemplo, vão ter problemas”, avisa.
Recuperação – Os FIIs registram alguma recuperação no valor, que se reflete de modo mais acelerado nos Fundos de Fundos (FoF) porque eles têm ativos marcados a mercado. Além disso, há novas emissões, que já atingiram R$ 11 bilhões este ano, sendo 40% para fundos de CRI e o restante para o tijolo”, diz Bruno Nardo, sócio e portfolio manager da área de ativos líquidos/multiestratégias da RBR Asset Management.
A maioria dos FII de tijolo, diz Nardo, está com cotas precificadas acima do valor patrimonial e há uma janela para captar. “Os maiores FIIs líquidos fizeram duas captações grandes este ano, uma delas para institucionais. Isso está ligado ao ambiente de redução da Selic, porque os investidores já começaram a reposicionar as carteiras”, afirma. Uma parte dos recursos começa a sair da renda fixa para voltar aos fundos que investem em imóveis físicos.
A área de multiestratégias em FIIs listados tem R$ 1,7 bilhão sob gestão, sendo que desse montante R$ 1,2 bilhão vem de um Fundo de Fundos (FoF). Além disso, há R$ 200 milhões em dois mandatos exclusivos para EFPCs e R$ 200 milhões de um hedge fund.
Com a Selic abaixo de 10% no final de 2024, haverá um incentivo maior a essa migração. ”Até porque há bons fundos negociando com 5%, 10% e até 15% de desconto. Mesmo nos fundos de CRI, que têm preponderância de ativos indexados à inflação, há hoje um desconto”, diz Nardo.
Em dezembro acontecerá a reavaliação dos patrimônios imobiliários em geral e este ano, com a queda do juro que já ocorreu e a maior renda de imóveis como os shopping centers, entre outros, a perspectiva é de valorização tanto no patrimonial quanto nas cotas no mercado secundário.
FIPs – O mercado para os Fundos de Investimento em Participações (FIPs) chegou a 2023 ainda sem apresentar demanda estrutural e em compasso de espera porque o dinheiro segue represado, acredita Renato Abissamra, sócio sênior da Spectra Investments.”O mercado como um todo terminou 2022 em meio a muita ansiedade, que foi mantida no primeiro semestre deste ano. Quando olhamos os números da indústria, há um fluxo impressionante de captação líquida, mas não há em curso qualquer movimento estrutural de demanda”, afirma.
Ele observa que alguns fundos têm tido boa captação e muitos estão aguardando melhora nas condições. “Aqui temos conseguido evoluir em captação mas não tem sido nada fácil”, diz.
A área de special situations está captando mais, com boa tração porém por meio de fundos multimercados, observa Humberto Gallucci, cientista de dados. “Nos FIPs, houve um aumento de captação mas não está claro de onde vem isso. No varejo, as plataformas fizeram campanhas de captação mas o crescimento surpreendente não reflete um sentimento estrutural nesse mercado”,diz Gallucci.
Mesmo em ambiente de juro alto, os FIPs demonstraram resistência. “Havia uma preocupação de que houvesse correção forte das cotas dos FIPs como um todo, por conta do juro elevado, mas os fundos não tiveram correção no valuation, e as empresas investidas cresceram bem”, diz Gallucci.
“Os principais entraves à classe estão ligados aos próprios investidores em private equity no Brasil, como os fundos de pensão. Eles foram bastante relevantes no passado mas a grande maioria parou há algum tempo. Alguns deles voltaram, mas não foi um movimento que mudasse a situação da captação”, surpreende-se Abissamra.
Sobressaem algumas casas gestoras estrangeiras que historicamente captaram parcelas relevantes.”O ambiente para investir em private equity no Brasil hoje é excepcional, há um pipeline expressivo de boas oportunidades. Olhando para a frente, a tendência é de uma volta do investidor a essa classe, incluindo as fundações”, afirma Abissamra. No fundo da casa em captação, há dez fundos de pensão além de outros dez que podem entrar ainda este ano.
Infraestrutura de dados – Nos últimos 12 meses tem havido um processo interessante de ofertas de FIPs no Brasil, avalia José Augusto Teixeira, sócio e head de marketing e produtos do Pátria Investimentos. O fundo mais tradicional da casa, um FIP de private equity criado em 1994, captou no Brasil perto de R$ 2 bilhões entre o terceiro trimestre de 2022 e o segundo trimestre deste ano, dos quais R$ 700 milhões vieram de institucionais, sendo que os RPPS tiveram um percentual elevado, diz.
A casa, que tem um total de R$ 140 bilhões sob gestão, iniciou em junho o processo de captação do seu segundo principal FIP, de desenvolvimento de infraestrutura, agora na quinta safra.
Com histórico de pagar IPCA mais 21% e TIR de 29% anualizada líquida ao longo dos últimos dez anos, o fundo já começou a captar fora do Brasil, tendo atingido R$ 5 bilhões, e está começando aqui junto aos institucionais, particularmente com os RPPS. “Depois vêm os fundos de pensão, que também apontam uma expectativa positiva”, diz Teixeira.
FIDCs – A classe dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, os FIDCs, apresenta crescimento expressivo desde 2022 por conta da característica desse veículo, que consegue proteger o investidor e mitigar riscos a depender da classe de cotas adotada, avalia Marcos Iório, gestor e sócio da Integral Investimentos.
O FIDC permite emitir diferentes classes de cotas, com riscos e rentabilidades diferentes. “Em meio ao cenário mais complexo e de juros elevados, vimos esses fundos sobreviverem bem”, diz. Comparativamente às debêntures e às Letras Financeiras (LFs), eles têm retornos mais atrativos, com spreads mais elevados, além da baixa volatilidade. “Vimos isso no início do ano, quando houve uma volatilidade atípica no mercado de debêntures”, lembra o gestor.
A expectativa daqui para a frente, diz Iório, é de continuidade no aumento das ofertas porque a classe tem muito espaço para isso e oferece uma oportunidade de entrada das empresas no mercado de capitais.
Com a redução do juro, o custo de captação vai cair e, para completar, a Resolução CVM 175, que entrou em vigor em outubro, teve os FIDCs como protagonistas na flexibilização regulatória. “Isso deve ampliar a demanda à medida que o bolso do investidor fica maior”, observa Iório.
Especializada na gestão de FIDCs e fundos de crédito privado, a Integral Investimentos tem R$ 13 bilhões sob gestão em FIDCs.
CVM 175 – O crescimento dos FIDCs do ano passado para cá não foi tão forte como poderia ter sido, em grande parte por conta da expectativa em função da CVM 175. “O mercado sempre segura um pouco as operações antes da entrada em vigor de uma nova regulação e deixa para lançar novidades muito perto da mudança. Nós lançamos nove fundos uma semana antes da 175 vigorar”, explica Diógenes Rocha, sócio diretor de gestão da Tercon Asset Management.
“A mudança deve trazer muito mais transparência ao mercado. Aqui nós falávamos com cerca de 20 assets especializadas, mas hoje falamos com pelo menos 70 delas, um aumento que ocorreu muito em função da nova regulação”, diz Rocha.
A gestora tem colocado entre 15 e 20 fundos por ano em operação e espera terminar 2023 com mais de vinte fundos novos. “Essa é a maior mudança regulatória do setor. O gestor dos fundos passa a ser um prestador essencial, a atuar mais seletivamente e a interagir melhor com o registrador e com o administrador, o que traz maior segurança”, observa. O registro das operações também torna mais fácil validar o lastro das carteiras. Essas mudanças, diz o gestor, ajudam a pavimentar a entrada do investidor de varejo.
Os veículos multicedentes/multisacados respondem por 85% do total dos fundos da gestora, que detém 32% do patrimônio líquido da indústria nesse tipo de produto. “São veículos com carteiras extremamente pulverizadas, o que ajuda a aumentar a segurança do investidor. “Entre setembro de 2022 e março de 2023, houve maior número de recuperações judiciais no mercado, mas aqui a concentração máxima por devedor nos fundos é de 5%, então para alguma coisa dar errado é preciso muito”, afirma Rocha.