Edição 360
Poucos momentos mostraram guinadas tão confusas no processo de reprecificação de ativos quanto 2023, com a altíssima volatilidade do mercado internacional e seus reflexos locais. Até o final do primeiro semestre o mercado não tinha percebido que a conjuntura brasileira era melhor do que imaginava. “Quando caiu a ficha, já na virada para o segundo semestre, houve a percepção de que os ativos locais estavam muito baratos e todos foram às compras, no momento em que já havia inclusive a perspectiva de um corte na taxa Selic”, lembra Marcelo Pacheco, CIO da BB Asset.
Naquele ponto, entretanto, o comportamento dos mercados globais mudou, sob o peso dos números da economia dos EUA, que se recusava a arrefecer e sinalizava maior aperto monetário. “O investidor estrangeiro parou de entrar no Brasil e começou marginalmente a sair. O fato é que as ações na bolsa brasileira continuavam e continuam baratas, mas há um evento global provocado pela reprecificação da curva de juros nos EUA, ou seja, a adversidade vem de fora e afeta a todos”, diz.
A incerteza quanto à manutenção dos juros altos pelo Federal Reserve (Fed) por um período mais longo do que se imaginava limita a queda da Selic e deixa o seu piso um pouco mais alto. “O processo de corte do juro brasileiro já está dado, falta saber onde será o ponto final. As projeções do mercado, que chegaram a ficar entre 8% e 9%, estão sendo revistas pelo mercado, mas nós aqui na asset mantivemos o patamar de 8% a 9%, conta Pacheco. Para o gestor, as discussões quanto ao déficit brasileiro passaram a ser secundárias, até porque a diferença entre o que o governo e o mercado estimam para o déficit não é tão grande.
Na bolsa local, embora os preços das ações sigam baixos, a dificuldade está em saber quem poderia comprar agora de modo a elevar os preços. O investidor pessoa física e o institucional estão confortáveis com o juro real pago pelos títulos públicos.
“Sobraria o investidor estrangeiro, mas ele está nesse processo de reprecificação do juro americano e não voltará enquanto não houver uma estabilização”, afirma Pacheco.
Rota planejada – Para Fernando Lovisotto, sócio da Vinci Partners, os trinta dias de alta volatilidade vividos em setembro e início de outubro refletem a preocupação com o ambiente global. “No cenário local é possível seguir a rota planejada. O ministro Fernando Haddad e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, têm ido bem, estão acompanhando a situação lá fora e tomam cuidado para não desancorar expectativas”, avalia.
Ele lembra que no início do ano a grande expectativa era com o início do corte do juro brasileiro. “De lá para cá já cortamos duas vezes a Selic e as coisas estão andando. O movimento recente que trouxe volatilidade veio mais do lado internacional e veio porque o mercado esperava que o Fed parasse de elevar juros, sem que houvesse recessão”, diz Lovisotto.
De fato, não há sinais de recessão no horizonte dos EUA mas a inclinação da curva de juros, principalmente nos vértices mais longos, trouxe a forte volatilidade. “Muita gente estava com posições aplicadas e saiu machucada quando o Fed começou a subir os juros. Como reflexo disso, as NTN-Bs aqui voltaram para níveis mais altos, assim como a curva de juro pré e o câmbio também subiram.
Esse movimento, contudo, está perto do final, segundo Lovisotto. “A nossa inflação está bem comportada e a questão fiscal não é das piores. O ministro Haddad fala em déficit primário de até 0,7% para o próximo ano e o mercado estima até 1%, mas se formos comparar, o déficit americano está em 8%. Além disso, o PIB brasileiro está forte e a arrecadação vai ajudar”, afirma.
Qualidade das incertezas – A incerteza que afeta os mercados hoje, se for devidamente qualificada, traz expectativas diferentes do que aquelas do ano passado, avalia Rafael Ribeiro da Silva, especialista de portfólio da Bradesco Asset Management – Bram. “Era difícil ver algum otimismo, mas hoje conseguimos vislumbrar um momento futuro diferente. Isso porque a mudança do ciclo do juro é uma trajetória que não foi alterada pela atual volatilidade, que vem principalmente dos EUA”, diz. A perspectiva é de que a Selic termine o ciclo de baixa em 9% no final de 2024.
A política monetária contracionista adotada pelo BC já mostra impactos no núcleo da inflação, e o juro pode continuar em queda. “Isso corrobora a nossa estimativa de um cenário que começa a ter mais espaço para o risco nas carteiras dos institucionais, mas é preciso fazer uma gestão diária e cuidadosa desse risco”, afirma Silva.
Na virada do primeiro para o segundo semestre, a decisão foi por reduzir um pouco o nível de risco dos portfólios e adotar maior rigor na seleção das empresas que seriam carregadas nas carteiras. “Os dados macro confirmam o nosso cenário favorável, mas há ruídos que provocam uma recomposição de preços”, diz. A expectativa é de que os países desenvolvidos parem de subir suas taxas este ano e no segundo semestre de 2024 haja um sincronismo de cortes de juros no mundo, o que tende a trazer maior otimismo.
Parar de piorar – Para Thiago Mateus, head da área de Investment Solutions da Itaú Asset Management, o momento é de pouca clareza em relação ao limite de baixa da Selic, que pode terminar em 8% ou 9% mas também pode ficar em 11%. “Se olharmos só para o lado doméstico há uma desaceleração saudável da inflação, e portanto a Selic poderia ir para 9%, mas não dá para isolar o Brasil do cenário global, que preocupa muito pelo desafio do combate à inflação nos EUA”.
O Fed não vê sinais claros de que a alta do juro até agora tenha desaquecido a economia americana”,diz. Ao contrário, há um debate hoje sobre a possibilidade de que a taxa de equilíbrio nos EUA tenha mudado. Em dois meses, as taxas mais longas, de dez anos, saíram de 3,70% para 4,85%.
Se o juro nos EUA não for reduzido em 2024, haverá novos reflexos para os emergentes. No Brasil, Mateus lembra que o câmbio já subiu e o dólar passou de R$ 4,80 para R$ 5,20 em dois meses, sem que tenha havido qualquer notícia negativa da economia brasileira e a inflação aqui segue em linha. A situação exigirá alguns meses até clarear.
Para o investidor, a renda fixa brasileira ainda tem um viés construtivo frente à inflação. Na renda variável, há oportunidades por conta dos preços mas o desempenho irá depender do cenário global, não só dos EUA mas também da China, observa. “Os números do emprego nos EUA vieram muito fortes neste início de outubro e a perspectiva de patamares capazes de dar maior conforto para o Fed reduzir taxas não passa de wishful thinking”, avisa.
Mínimas históricas – A perspectiva de queda do juro e o controle da inflação no Brasil foram os temas que levaram a bolsa doméstica a ter uma forte reação no início do ano, refletida de forma geral nos preços de todos os ativos, avalia Cassiano Leme, CEO da Constância Investimentos. Nos últimos três meses, contudo, houve uma reversão parcial disso, causada pelas dificuldades do cenário internacional e pela queda do real frente ao dólar, em meio a um movimento generalizado de moedas no mundo.
“A expectativa de juro futuro nos EUA subiu muito e, no contexto interno brasileiro, o otimismo também foi um pouco revertido pela preocupação fiscal e seu possível impacto no corte da Selic”, afirma. Os ativos brasileiros, que no começo do ano pareciam ter prêmios importantes, acabaram estreitados por conta dessa reacomodação geral, mas a bolsa não mudou sob o ponto de vista fundamental e ainda há prêmios nos preços das ações.
Com 70% de seus ativos sob gestão concentrados em investidores institucionais – fundos de pensão, RPPS e alocadores -, a asset vê os ativos brasileiros ainda com prêmios bastante razoáveis, diz Leme.
Janela do crédito – A sensibilidade global ao nível do juro americano é a variável mais forte hoje para os mercados de modo geral, e tem se refletido na curva de juros brasileira, ressalta Alexandre Pimentel, head das áreas de crédito e renda fixa da Fator Administração de Recursos – FAR. Há uma redução da atividade nos EUA e também da inflação, mas por outro lado os números mais recentes do emprego foram divulgados em outubro e mostram força. “Esperava-se uma convergência mais rápida para as metas de inflação, que permitisse a redução dos juros, mas a economia americana é muito grande e demora a sentir o efeito desse aperto monetário”, afirma.
No Brasil, o juro real está acima do nível de equilíbrio e tem se refletido no setor industrial. “O BC precisa derrubar mais a taxa Selic mas vamos ter que conviver por mais tempo com uma taxa real elevada”, diz. A visão da casa, entretanto, é de que o ciclo de alta nos EUA está no final e vai abrir espaço nos mercados aqui em meados de 2024.
Ranking – Data base 30/06/2023 (arquivo em pdf)
Raio X – Data base 30/06/2023 (arquivo em pdf)
Perfil de controle | por Segmentos | por Classes | por Estruturas (arquivo em pdf)
Empresas no Ranking (arquivo em pdf)