Edição 344
A renda fixa foi a tônica do ano, com destaque para os fundos de crédito privado, segmento que conseguiu se recuperar depois de ter sofrido 16 meses consecutivos de saques que atravessaram o ano de 2020 e parte do primeiro semestre de 2021. Nesse contexto, a Itaú Asset Management reverteu gradualmente a captação negativa de R$ 10 bilhões que registrou em crédito durante o primeiro semestre do ano passado para atingir captação líquida positiva de R$ 35 bilhões em 2021. “A indústria de fundos de crédito teve saques de centenas de bilhões de reais entre 2020 e 2021. Nós também sofremos, mas conseguimos uma virada e uma aceleração. No final do ano passado estávamos com captação positiva de crédito de R$ 8 bilhões ao mês”, informa Pedro Gabriel Boainain, head de gestão de crédito privado e de soluções institucionais globais da Itaú Asset Management, responsável por R$ 400 bilhões em diferentes estratégias e classes de ativos. “Foi um ano especial para a renda fixa, tanto do ponto de vista da nossa performance quanto da indústria como um todo, pelo efeito da mudança no patamar do juro, que direcionou muitos recursos de volta para esses fundos”, diz.
Com vinte anos de experiência na gestão de investimentos para institucionais, inclusive para fundos de pensão e endowments, ele assumiu em janeiro do ano passado a mesa de crédito privado com o objetivo de incorporar o conceito de gestão ativa à base já tradicional de análise de crédito e governança. A história mais interessante de transformação foi a do crédito privado, aponta Boainain, seja na classe de fundos DI com crédito (fundos soberanos que podem ir até 50% em crédito privado para entregar retornos mais competitivos do que os do CDI e da poupança), seja nos produtos puros, ou 100% alocados em crédito em diferentes gradações de risco, desde o high grade até os mais high yield. “Fomos bem em todas essas classes”, diz.
Em 2021, a asset dividiu a área de crédito em duas: uma de crédito estruturado, ilíquidos e de longo prazo, e outra de crédito tradicional, cujo time de analistas e gestores aumentou de nove para 12 pessoas e deverá ir a 13 ou 14 profissionais nos próximos meses.
No início da pandemia, em 2020, a crise havia produzido uma grande desvalorização dos fundos de crédito, resultado do aumento dos spreads pagos (eles saíram de CDI mais 0,5% subiram para até CDI mais 5%). Como não foi um evento de risco de crédito mas sim de liquidez de mercado, quem não precisava vender naquele momento conseguiu investir em coisas boas que pagavam taxas atraentes. Nos meses seguintes, as taxas caíram e várias janelas de oportunidade de rentabilidade foram abertas no mercado.
No começo de 2021, o investidor olhou pelo “retrovisor” e viu produtos pagando retornos muito bons. Além disso, quem olhasse para a frente via um CDI crescente e, entusiasmados, muitos desses investidores, mal avisados, provocaram forte demanda. “Nos tomamos muito cuidado para repetir o resultado positivo que ele via no retrovisor” mais à frente, daí a decisão de investir na estrutura da nossa mesa de crédito para ter produtos melhor balanceados e com retornos diferenciados”, observa.
Com as mudanças adotadas, a geração de alfa passou a vir de três fontes simultâneas. “Uma delas é estrutural, ou seja, a capacidade de usar a estrutura robusta de análise de crédito da equipe e a experiência do banco para criar um portfólio bem diversificado, capaz de gerar alfa num mercado que é ilíquido e assimétrico. Trabalhamos melhor isso em 2021”, detalha.
A segunda fonte é o benefício da escala de crédito do Itaú, que tem 25% do volume de crédito no País, segundo Boainain. “Na prática, quase 100% do que passa pelo mercado passa por aqui, mas o inverso não é verdadeiro pois não é tudo que passa por aqui que chega ao mercado. Se uma empresa relevante quer emitir, não faz sentido não nos procurar e o mesmo ocorre com os originadores”, acredita. Esse tamanho, casado com a agilidade, permite dar respostas mais efetivas para os originadores de créditos e investimentos, inclusive por meio de emissões em diferentes indexadores.
A terceira fonte é a “caixinha” de gestão ativa, ou seja, a gestora não compra ativos só para usufruir do “carrego” mas para gerar carteiras diversificadas, operando até mesmo combinações híbridas entre risco de crédito e de mercado. “Há operações, por exemplo, em percentuais do CDI, que carregam um risco prefixado, isso traz uma volatilidade ao pós-fixado que não está contratada, então fazemos hedge para não ter perdas. Deixamos de perder cerca de 10% a 30% do CDI no ano graças a isso”, diz.
Para os institucionais, o potencial de demanda é alto por crédito indexado ao IPCA. Emprestar para boas empresas e bons projetos privados esbarrava no fato de serem sempre muito curtos. De um tempo para cá começou a se criar liquidez para esses investidores, mas apenas no segmento dos títulos incentivados, que não tinha atrativos fiscais para os fundos de pensão. “Passamos a usar derivativos para fazer o swap de crédito em CDI para operações em IPCA, o que permite entregar NTN-B mais uma rentabilidade e deixa a estratégia mais interessante para os institucionais”, afirma.
A mudança começou em 2021 e seus resultados só foram capturados parcialmente. “Entramos em 2022 com maior velocidade e capacidade de gerar diferenciais por meio da gestão ativa, o que será essencial porque o juro alto favorece a renda fixa mas temos o desafio da elevação do juro lá fora, os efeitos da guerra e o cenário eleitoral no Brasil, então este vai ser mais um ano de incertezas”, aponta.
Além do crédito, a renda fixa da Itaú teve bons resultados na parcela de títulos pós-fixados graças à alta do juro mas também aos fundos aderentes ao CDI, robustez na gestão de risco e na governança, afirma o gestor. “Os nossos mandatos de risco tiveram comportamento mais aderente e ágil na parte operacional”, avalia.
Na parcela prefixada, a performance veio da gestão ativa e do viés de alta do juro, previsto pelo banco e pela asset. “2021 foi um ano difícil e de extremos, com altas de 500 a 600 pontos-base na curva de juro prefixado, mas os nossos gestores conseguiram operar bem ativos na compra e nas apostas na alta da inflação”. A tendência, acredita Boainain, é que a renda fixa seja cada vez mais uma classe usada para diversificar e competir de igual para igual com os hedge funds, deixando de ser apenas uma alternativa de caixa.
Duramente afetada pela alta da inflação no mundo e por questões fiscais que levaram ao ajuste dos juros, a renda fixa no mercado brasileiro também refletiu em 2021 o fato de o Banco Central ter saído na frente de outros países na puxada das taxas, pondera Luiz Sedrani, CIO da asset do banco BV. “Desde o quarto trimestre de 2019 até a metade de 2020 havia cortes de juros. A reversão ocasionou, entre março e abril de 2020, a abertura dos spreads de crédito e, em setembro, as LFTs tiveram seus prêmios aumentados, todos esses movimentos ligados à pandemia de Covid-19 e ao grande fluxo de recursos que passou a migrar para a renda fixa”. O processo de saída da pandemia, com inflação em alta no mundo e o Brasil antecipando o aperto na política monetária, acelerou ainda mais o fluxo de dinheiro para essa classe por aqui.
A grande aposta da asset, que soma R$ 45 bilhões em ativos totais sob gestão, foi na continuidade desse fluxo. “Desde o início de 2021, passamos a alongar os prazos de vencimentos nas carteiras de renda fixa. Vendemos vencimentos de um a três anos para comprar papéis de sete anos”, conta. Esse movimento permeou os três fundos de renda fixa que aparecem como excelentes no ranking. O fundo BV Banks RF Créd Priv FI, um “puro sangue” que só aplica em papéis do setor bancário, é bem diversificado, tem rating de crédito e duration mais elevado. “Os ativos bancários se beneficiam das taxas de juros mais altas mas cada banco tem uma atuação diferente, então é preciso avaliar a composição de seu patrimônio para avaliar caso a caso porque aumentou a blindagem mas os resultados dependem muito do grau de exposição de cada um”, explica.
Já o fundo institucional faz um blend de debêntures high grade, com ótima qualidade de crédito e títulos bancários. Ao longo do tempo, os spreads corporativos e bancários se diferenciam e a gestão pode reduzir ou aumentar a participação nesse blend. No fundo soberano, que só compra títulos públicos, os prazos das LFTs foram alongados quando ficou claro que a Selic iria para o patamar de 10%.
O mercado de crédito vive um momento inédito de qualidade, segundo Sedrani. “Não me recordo de outro período com alavancagem tão baixa. A qualidade creditícia das empresas está bem e os spreads de crédito ainda estão em patamares elevados”, afirma. A diversificação entre diferentes emissores de crédito e a inclusão de mais setores da economia foi outro passo importante durante a crise. Foram feitos movimentos marginais na direção de setores que eram mais defensivos, como energia elétrica e saneamento, para depois reduzir energia elétrica.
“Com a Selic entre 12% e 13%, o fluxo deve ser mantido até o início de 2023 sem que haja deterioração no panorama das empresas, gerando caixa e com um nível de endividamento ainda confortável”, analisa. Embora alguns setores sofram mais, como os da construção civil, energia, saneamento e algumas empresas de varejo, há setores menos expostos à inflação que têm sido interessantes para as carteiras. “Para as empresas que temos, o cenário não muda muito porque elas continuam gerando caixa quando expostas à Selic/CDI, mas aquelas que estão mais alavancadas sofrerão mais e exigem atenção”, diz.
A aposta na renda fixa continua forte este ano porque, mesmo que os juros comecem a se estabilizar, o fluxo tende a ser mantido em função da busca por segurança. “Há fatores de risco como a guerra na Ucrânia, a alta do juro nos EUA, que já deu uma boa chacoalhada em março, e o processo eleitoral no Brasil. São muitas variáveis e incertezas, inclusive em relação ao desempenho da economia na China e as condições em que a União Europeia sairá da guerra”, avalia.
Melhores gestores em Renda Fixa (arquivo em pdf)