Edição 253
Movimentos e fenômenos econômicos que em um primeiro momento não demonstram ser dos mais positivos não são enxergados como um problema pelos gestores de fundos de investimento multimercados. Isso fica claro quando vemos que, nos últimos meses, os profissionais das assets basearam suas estratégias em um tripé formado pelo baixo crescimento da nossa economia, a inflação doméstica persistentemente alta, e uma expressiva valorização do dólar, que inclusive colaborou para a ascensão dos preços.
“Nos primeiros seis meses do ano, os principais fatores que geraram uma performance positiva foram nossas estratégias no mercado de moedas, e no mercado de bolsas externas. Os mercados externos foram acessados como alternativa à Bolsa doméstica, que teve uma performance bem ruim no período”, afirma Fabiano Godoi, diretor de gestão da Safra Asset Management. No primeiro semestre de 2013, o Ibovespa registrou uma queda de 22,1%, frente a evoluções de 12,6% e 13,7% de seus pares americanos S&P 500 e Dow Jones, respectivamente.
No caso das moedas, boa parte dos ganhos obtidos pelos fundos sob responsabilidade do gestor da asset do Safra estiveram atrelados à apreciação do dólar, mas não necessariamente com uma aposta de perdas concentrada somente no real. “Quando você olha a oscilação de diversas moedas frente ao dólar no primeiro semestre desse ano, a moeda americana teve uma boa performance em relação a várias outras”, pondera o especialista. Ante o real, os ganhos da moeda americana alcançaram 9,1% de janeiro a junho, enquanto contra o rand sul africano, a alta do dólar foi de 7,7%, e de 4,3% frente a seu par australiano.
Godoi explica que os cinco fundos multimercados que tiveram a classificação excelente no ranking obedecem às mesmas estratégias, e a diferença está no grau de utilização dessas estratégias. Quanto mais volátil é o fundo, maior grau dessa estratégia ele está utilizando. O Safra Galileo, por exemplo, é o mais “apimentado” do grupo, e no acumulado de 2013, até julho, rendeu 179% do CDI. O Patrimônio Líquido (PL) desse fundo já chega a R$ 2,27 bilhões. Para efeitos de comparação, o Safra Absoluto, com menor grau de aderência à estratégia, tem rentabilidade de 137% do CDI, com um PL de R$ 1,24 bilhão.
A BBM Investimentos foi outra gestora de ativos que conseguiu bons retornos com os movimentos cambiais, e a postergação do início de retirada dos estímulos monetários por parte do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) não foi motivo suficiente para fazer com que seus executivos deixassem a aposta de lado.
“Um dos principais catalisadores da valorização do real é o Banco Central (BC), que está vendendo muito dólar, e acho que está vendendo abaixo de um preço de equilíbrio. Quando ele parar, a moeda vai voltar a subir, então acho bom ficar comprado em dólar agora contra real”, fala Marcelo Mendes, gestor de renda fixa da BBM.
Além disso, Mendes também deu início há pouco tempo a uma posição ‘short’ onde ele fica vendido em euro, contra o dólar americano. “Continuo acreditando na história de que o crescimento dos Estados Unidos é bom e o diferencial de crescimento vai aumentar na margem, principalmente em relação à Europa. A Europa tinha mostrado bons sinais de crescimento, mas acho que não vai perdurar”, diz Mendes.
Inflação alta – Em relação à inflação, a BBM avalia que a política fiscal expansionista que é conduzida pela equipe econômica do Banco Central fatalmente fará com que os preços sigam em patamares altos, e preocupantes, o que tende a exigir novas elevações da taxa Selic, certamente para níveis de dois dígitos.
“O problema da inflação não está resolvido. A política econômica brasileira é expansionista, tem a parte fiscal expansionista, os bancos públicos muito forte na concessão de crédito, e apesar de terem apertado a política monetária, acho que ela é frouxa. Como a política fiscal e creditícia também é frouxa, então no final temos um vetor de política econômica frouxa, que vai gerar inflação mais à frente”, comenta Mendes.
A tese defendida por uma ala de economistas do país, de que, apesar de estarmos em um ciclo de alta dos juros, a tendência estrutural é de que a taxa volte a recuar no médio e longo prazos, tem discordância total do gestor de renda fixa da BBM.
“Pode até ter uma pausa nas próximas reuniões, o mercado precifica isso, uma alta de 0,50 ponto percentual e uma de 0,25 ponto nos próximos encontros do Copom, mas acho que teremos de ter tanto mais aperto monetário como aperto fiscal. Não acredito agora por causa do ciclo eleitoral, mas acho que o juro real no Brasil vai ser mais alto”.
Crescimento ainda baixo – Quando vamos para a terceira perna do tripé, de crescimento fraco da economia, vemos que, pelos movimentos realizados pelos gestores, e até pela expectativa dos especialistas, ainda não devemos esperar por grandes performances de nossa atividade.
Bernardo Gomes, gestor de Long & Short da BBM, explica que, no primeiro semestre de 2013, as apostas da casa que mais deram certo foram a de posição comprada no S&P 500 e vendida no Ibovespa, e, dentro da nossa própria Bolsa, em empresas que se beneficiam das exportações, em detrimento às que estão mais vinculadas ao consumo interno, principalmente discricionário.
Como as exportadoras já andaram bem no ano, a exposição da BBM nesses ativos foi reduzida, compensado por um aumento em ações de companhias do setor de consumo ‘staple’, ou seja, as que estão menos sujeitas aos ciclos econômicos, como empresas de alimentos, bebidas e fumo. O setor de educação é outro nicho no radar da casa. “Pela natureza do negócio dessas empresas, elas são menos sensíveis à desaceleração econômica”, diz o gestor.
A expectativa pouco animadora sobre os próximos passos da nossa economia tem ressonância com outros gestores. “Os fundamentos da nossa economia não são pra se soltar rojão mesmo. Não vejo nenhuma grande surpresa positiva, nenhum catalisador para que essa Bolsa passe por uma reprecificação e tenha um grande desempenho”, pontua Luis Felipe Amaral, co-gestor da Equitas.
O programa de concessões de infraestrutura do governo é citado por Amaral como um possível ponto positivo dentro de nosso ambiente interno no curto prazo, mas mesmo essa iniciativa merece ressalvas por parte do executivo. “O pessoal tem feito um trabalho bem consistente de espantar o investidor”, atesta o especialista.
Com base em operações de Long & Short, os multimercados da Equitas não conseguiram o retorno almejado nos últimos meses. “O primeiro semestre não foi particularmente bom, mas atribuimos isso muito mais a questões específicas do portfólio do que ao mercado que caiu”, fala o co-gestor da asset.
Questionado se considera o atual nível da Bolsa brasileira barata, Amaral afirma que isso depende mais do olhar com o qual o investidor se debruça sobre nosso mercado acionário.
“Se acreditarmos que há uma possibilidade de mudança, que em algum momento vamos conseguir sair dessa armadilha de crescimento baixo e inflação alta, daí ela parece bastante barata, mas tem que acreditar um pouco nessa mudança. A gente como brasileiro tende a ser mais otimista, hoje estou na posição mais de torcedor do que de analista quando se refere a prever mudanças tanto no cenário macroeconômico como no cenário político”, fala o especialista.