Edição 348
Em movimento inverso ao dos fundos que investem em ativos imobiliários físicos, os fundos de investimento lastreados em recebíveis de crédito imobiliário indexados ao CDI ou à inflação, os FIIs de CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários), também conhecidos como FIIs “de papel”, melhoram sua performance à medida que inflação e juros sobem porque seus dividendos crescem na mesma proporção.
“Estamos vivendo o ano dos fundos de CRI e essa parte da indústria vai continuar a se beneficiar do cenário ao longo de 2022. A grande discussão hoje é sobre a sinalização de queda na inflação e em seguida do início do ciclo de queda do juro, talvez no segundo trimestre de 2023, quando esses fundos começarão a ter seus dividendos reduzidos”, observa Carlos Martins, gestor de FIIs da Kinea.
Ele lembra que na indústria como um todo, 65% da captação deste ano até o final de julho estavam concentrados em fundos de CRIs, assim como mais de 40% da composição do IFIX. “É impressionante. Na prática o mercado só está distribuindo fundos de papel e alguns outros, poucos, que têm características oportunísticas.
É natural, uma vez que o investidor, especialmente pessoa física, olha muito para a distribuição de dividendos e nisso hoje o CRI está imbatível”, pontua.
Nos próximos dois meses, o efeito das medidas para reduzir a tributação e os preços dos combustíveis deverá baixar os índices de preços e poderá encolher um pouco os dividendos, mas será apenas um movimento temporário. “Ao longo dos próximos 12 meses, porém, é importante que o investidor nessa indústria não se frustre por conta da redução dos indexadores”, observa.
A Kinea, primeira em valor de mercado na indústria de fundos imobiliários segundo o ranking deste ano, tem R$ 65 bilhões em ativos totais sob gestão, sendo R$ 20 bilhões em FIIs, dos quais R$ 15 bilhões em fundos “de papel”. Cerca de R$ 11 bilhões estão concentrados em dois fundos da casa, ambos de recebíveis e que figuram entre os maiores negociados na B3: o KNIP11, cuja estratégia é investir em CRIs atrelados à variação inflacionária, com R$ 7 bilhões em valor de mercado, e o KNCR11 que soma R$ 4 bilhões em valor de mercado e aloca em CRIs atrelados à variação do CDI.
Nos últimos 12 meses, por qualquer janela que seja observada, o cenário de saída da pandemia trouxe inflação elevada e persistente, o que fez os bancos centrais do mundo correrem atrás do prejuízo e elevarem os juros. “Isso favoreceu a rentabilidade dos nossos ativos imobiliários de crédito indexados à inflação, então temos nos concentrado na qualidade do crédito que está na carteira para garantir o seu pagamento na ponta”, observa Lucas Elmor, sócio e diretor de gestão da Hectare Capital.
A casa, que completa cinco anos em 2022, tem R$ 2,9 bilhões sob gestão e cinco fundos imobiliários: dois de crédito high yield, um de crédito high grade e um de renda residencial ainda no início, além de um fundo exclusivo. Suas estratégias high yield representam 95% do volume sob gestão e o principal fundo de crédito imobiliário com esse perfil é o HCTR11, que aparece entre os Top 5 neste ranking e negocia créditos de incorporadoras e loteadoras de pequeno e médio porte.
De modo geral, os créditos se mantiveram saudáveis, sem inadimplência atípica, o que pode ser atribuído à exposição concentrada em dois segmentos específicos: operações em empreendimentos imobiliários localizados nas regiões do País em que o setor do agronegócio é muito forte. São regiões como o Centro-Oeste e a nova fronteira agrícola, conhecida como Matopiba, composta pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Outro segmento é o de ativos de crédito lastreados em atividades de turismo para as classes de renda mais altas, que em épocas de recessão trocam o turismo internacional por mais viagens nacionais. “O PIB do turismo tem crescido de maneira consistente acima do PIB total, o que trouxe resiliência aos ativos e temos exposição a alguns hotéis para lazer”, conta Elmor.
Também há destaque na carteira para crédito ligados a moradias no sistema de multipropriedades ou resorts, cujas cotas são vendidas de modo fracionado para os turistas. O fundo também aloca em crédito high yield de incorporadores e loteadores de pequeno e médio porte fora do eixo Rio/SP, mas sem abrir mão da qualidade dos créditos. “A maioria dos players de incorporação que tentaram ganhar escala nesse mercado encontrou dificuldades porque é um negócio que demanda conhecimento local”, diz.
Depois de viver dois “booms” de fundos imobiliários – o primeiro, entre 2010 e 2012,e o segundo com início em 2019 – o mercado brasileiro ganhou maturidade, diversificação regional e profissionalização em todas as classes. Em 2020, com o juro em sua mínima histórica, o investidor pessoa física trocou a renda fixa pelos FIIs em busca de retorno, Em 2021, quando o juro começou a subir novamente, houve nova reviravolta e os fundos de recebíveis ficaram mais atrativos ao passo que os de tijolo perderam espaço, avalia André Masetti, gestor de fundos de papel e de fundos de fundos da XP Asset.
“Com a elevação tão forte dos juros de lá para cá, mesmo os fundos de CRIs não conseguiram se manter tão atrativos quanto a renda fixa tradicional, porque não oferecem grande prêmio em cima do valor patrimonial. Houve uma fuga de investidores para a renda fixa porque os FIIs de papel têm risco de mercado e o investidor pessoa física não quer a volatilidade de preços das cotas”, diz.
No caso do investidor institucional, a atenção está mais voltada para as grandes oportunidades em ativos de boa qualidade, baixo risco e descontos elevados, uma vez que o custo de reposição dos imóveis está hoje acima do valor das compras de cotas no secundário. “No curto prazo, entretanto, os fundos não entregam resultados, então é preciso olhar os mandatos das fundações em relação às suas metas de curto prazo”, aponta.
Na quarta posição do ranking em valor de mercado, a XP Asset tem hoje R$ 11 bilhões sob gestão em FIIs, incluindo R$ 400 milhões em dois fundos recentes de crédito para o setor agro e que estão incluídos nessa classe mas investem em CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio). Do volume total sob gestão, 70% estão em fundos de tijolo e 30% já são compostos por fundos de papel, boa parte dos quais em estratégias high grade.
O juro é o grande driver da indústria de FIIs e nessa janela de 12 meses a alta veio acima do que era previsto e o mercado ficou com dificuldades para fazer novas emissões. Os fundos de CRIs até cresceram e conseguiram manter emissões, embora em volumes bem menores, observa Rodrigo Possenti, gestor do Fator Veritá, o VRTA11, um fundo que aloca em recebíveis de crédito imobiliário e tem se destacado pela distribuição constante de dividendos elevados.
O Veritá, lançado em 2011 e atualmente com patrimônio líquido de R$ 1,3 bilhão, conseguiu segurar o valor de sua cota a mercado acima do valor patrimonial e concluiu em abril uma captação de R$ 300 milhões, iniciada em novembro passado e cuja alocação foi finalizada em maio. Na oferta, boa parte ficou em mãos de institucionais que aproveitam o bom momento dos preços para compras, incluindo fundações de médio porte.
“As fundações estão com maior apetite este ano, algo que não víamos há tempos. Já os fundos de fundos estão machucados demais para entrar em qualquer oferta sem terem que vender ativos e gerar prejuízos”, diz. A carteira do fundo utiliza um modelo de alocação que combina risco high yield e high grade e aloca em 70 ativos que são “monitorados na unha”, com revisões informais mensais, além da revisão formal anual.
“Quando veio a alta do juro e da inflação, concentramos a carteira em ativos indexados à inflação, que hoje representam mais de 90% do total”, conta. Além disso, em linha com a vantagem de ter suas cotas a mercado acima do valor patrimonial, foi possível conseguir taxas mais altas ou com IPCA durante a oferta.
A captação foi usada para trocar ativos da carteira comprados lá atrás, quando o juro estava baixo e era difícil fazer boas operações com boas taxas. “Um ativo triple A pagava IPCA mais 4%. Hoje compramos ativos triple A que pagam IPCA mais 7% ou 7,5% e, considerando que estamos próximos ao final do ciclo de alta do juro, é hora de comprar ativos bons e fazer um rebalanceamento da carteira”, explica.
Camila Almeida, sócia fundadora da Habitat Capital Partners, diz que pelo monitoramento do fundo da casa HABT11, que financia empreendimentos – loteamentos ou multipropriedades no Brasil todo, dá para notar o impacto dos juros altos nas vendas dos imóveis. “Fazemos um acompanhamento muito próximo para diminuir o risco das operações”, diz.
Segundo a executiva, “temos visto que o mercado está menos líquido e as ofertas não estão no mesmo ritmo, então é possível obter taxas melhores”, diz. Mas, nas carteiras de recebíveis que já rodavam, a inadimplência impacta mais porque o cliente fez um planejamento com taxas diferentes das atuais, então há preocupação com o momento da entrega na incorporação. Há também atenção aos casos de incorporadoras que buscam, junto a bancos, o repasse antes mesmo da conclusão das obras, o que aumenta a preocupação com casos de inadimplência e distratos.
O segundo semestre deste ano tem visto um número menor de ofertas mas o momento é ideal para entrada do investidor que olha para o longo prazo porque há fundos com cotas abaixo de seu valor patrimonial. “O período é mais desafiador, pela proximidade das eleições, mas há muita oportunidade para aproveitar”, lembra.
O impacto da inflação e do juro alto sobre o custo da matéria-prima do mercado imobiliário (vergalhões, madeira e asfalto) contribuiu para colocar os FIIs em posição mais vulnerável pela redução de resultados no mercado de incorporação, lembra Alexander Ruszkay, sócio da Urca Capital Partners. “Em tese, esse mercado estaria hedgeado pelo INCC (Índice Nacional da Construção Civil), mas esse indicador não refletiu os aumentos de preços da matéria-prima e não foi possível repassar custos”, afirma.
Com o esfriamento da economia, chega também a tormenta de quem precisa de crédito para financiar o imóvel que está sendo entregue agora mas foi comprado dois ou três anos atrás, em outro patamar de juros. O CDI está seis vezes maior, o que indica dificuldades para o devedor honrar as parcelas. “O juro tem que subir para segurar a inflação mas, ao mesmo tempo, isso aperta o peso sobre o orçamento. O mercado imobiliário precisa empinar esses dois pratinhos ao mesmo tempo”, diz.
Na Urca, a análise macro é recorrente e fundamental, permitindo escapar de armadilhas de crédito em cenário de distrato alto e possível aumento da inadimplência. “Como fazemos essa avaliação macro de modo constante e rigoroso, não há problema com essas duas variáveis”, afirma.
O fundo de CRIs da Urca, o URPR11, aloca em ativos pulverizados de empreendimentos imobiliários residenciais, com R$ 1,1 bilhão de patrimônio. A perspectiva de deflação no IPCA em julho e agosto deverá provocar uma baixa nos rendimentos de fundos como esse, atrelado à inflação, o que fará a gestora começar a rebalancear a carteira para ter mais de um indexador. Ela hoje é 100% indexada à inflação (92% em IPCA e 8% em IGPM.
Top 5 – Recebíveis – Performance 12 meses / Top 5 – Fundo de Fundos – Performance 12 meses (em pdf)