Edição 265
As eleições se foram, mas a volatilidade dos mercados permanece desafiando os gestores de investimentos. O cenário de incertezas que permeava a fuga de capitais e a desvalorização dos títulos públicos durante o período eleitoral continua a marcar o comportamento dos investidores após os resultados das urnas, visto que os rumos da política econômica com a reeleição da presidente Dilma ainda não foram, de fato, definidos.
“Foi dado um voto de confiança à presidente para que ela possa cumprir o que havia prometido no começo do primeiro mandato. Espero que ela saiba usá-lo bem e faça os ajustes necessários para que a economia volte a crescer”, afirma o economista Antonio Delfim Netto, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e ex-ministro da Fazenda.
Economistas ouvidos pela Investidor Institucional projetam um segundo mandato de baixo crescimento, em torno de 1% ao ano, de Selic um pouco mais elevada, em 12,5% ao ano, e de uma taxa de inflação próxima ao teto da meta, de 6,5% ao ano. Esse cenário mais pessimista, contudo, já considera um governo mais comprometido com mudanças, sem as quais a deterioração da economia, vivenciada nos últimos quatro anos, poderia ser ainda pior.
Para Delfim Netto, para que a economia saia do atual estágio de estagnação é preciso desenvolver uma política de crescimento industrial. “Tiramos do setor produtivo as condições isonômicas de competitividade por conta da persistência de valorização do câmbio para combater inflação. A expansão do consumo migrou para os importados e acumulamos um déficit de US$ 270 bilhões no primeiro mandato, o que mostra que a política cambial foi um desastre”, analisa o economista.
Segundo ele, sem aumento no nível de atividade da economia, as políticas de desenvolvimento social, que garantiram a vitória da presidente nas urnas, começarão a minguar. “A situação não está fora de controle, é apenas desagradável. A inflação namora com o teto da meta, não temos mais superávit primário e já surgem os primeiros sinais de uma deterioração da dívida bruta em relação ao PIB. Mas não é preciso parar tudo e recomeçar. A presidente sinalizou que vai fazer mudanças importantes na equipe econômica, que deve recuperar o seu projeto original, de aumento de produtividade. Ela já aprendeu que não dá para fazer concessões fixando taxa de retorno e qualidade. Aos poucos as coisas vão se ajustando”, acredita.
Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, concorda. Para ele, para que o país volte a crescer é preciso melhorar a articulação com o setor privado, impulsionando investimentos e a produtividade. Por conta da desaceleração do mercado internacional, o país não poderá mais contar tanto com a poupança externa para investir. “A pressão de serviços na inflação é um reflexo positivo do aumento da renda e da ascensão social. Entretanto, a perda do dinamismo da economia é cada vez mais evidente e o governo vai ter de enfrentar isso”, afirma.
Contenção de gastos públicos – Quando o assunto é aperto fiscal, os economistas divergem. Para Belluzzo, não é possível realizar contingenciamentos em um cenário de desaceleração econômica. “As pessoas criticam que houve abandono do tripé macroeconômico. Mas se a economia para de crescer, não dá para ficar preso ao tripé. O maior exemplo disso é a Europa, onde o aperto fiscal, por exemplo, só piorou a recessão”, lembra.
Ex-presidente do Banco Central e sócio-diretor da consultoria Tendências, Gustavo Loyola, acredita que a presidente precisa reconhecer que do ponto de vista macroeconômico, sua gestão foi “um desastre”, justamente por conta do abandono do tripé: política fiscal, monetária e cambial. “O divisor de águas foi quando o governo abriu mão desse tripé e entrou em um processo cada vez mais perverso de intervenção na economia. A piora dos fundamentos, principalmente no âmbito fiscal, com o uso de contabilidade criativa para mascarar superávit e de bancos públicos para estimular a economia a qualquer custo, deterioram o cenário”, destaca.
Segundo ele, há expectativas de que o governo reconheça os erros do passado e busque corrigi-los. Caso contrário, o governo perderia o grau de investimento, o que representaria “uma vergonhosa volta ao passado”. Loyola reconhece, contudo, que em um cenário de estagnação econômica será mais difícil cortar gastos. Ainda assim, esse esforço fiscal precisa ser feito. Caso contrário, aumenta a possibilidade de perda do grau de investimento do país. E o futuro da Selic depende da força do ajuste das contas públicas que deverá ser feito.
“O fato do governo ter voltado atrás nas concessões de infraestrutura, libertando-se da ideia de que era preciso fixar taxa de retorno, mostra que ele é capaz de reconhecer seus erros e corrigi-los”, pondera Loyola. Nesse sentido, o reconhecimento de que é preciso abrir novamente o diálogo com a iniciativa privada, conforme a presidente afirmou em seu primeiro discurso após as eleições, sinaliza perspectivas de mudanças nos rumos da economia e na postura mais rígida adotada até agora. “Os empresários precisam de segurança para investir. Não dá para investir em um ambiente que muda de regras toda hora. O mercado precisa ser convencido de que as mudanças virão para ficar. Sem isso, não conseguiremos retomar o crescimento dos investimentos produtivos do país”, complementa.
Para Loyola, não é necessário corrigir absolutamente tudo de uma vez. “O que importa é mostrar para o mercado que estamos convergindo para os patamares corretos ao longo do tempo. Se falar que o superávit será de 1% do PIB, cumpra. E que esse número seja real, transparente”, diz.
Equipe nova – Uma sinalização de que há interesse em mudar os rumos da economia é o anúncio de alterações na equipe econômica, a começar pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Para Belluzzo, é preciso colocar “executivos executores” na Fazenda, ou seja, profissionais de punho firme que possam fazer valer suas ideias, mesmo quando elas conflitam com as da presidente. Já para Delfim Netto, os nomes que foram cogitados pelo mercado, como Nelson Barbosa, Henrique Meirelles, Luiz Trabuco Cappi (que já teria recusado a proposta) e Rossano Maranhão poderiam “dar conta dessa missão”, mas “quem faz a política econômica no governo Dilma, como todos bem sabem, é a presidente Dilma”, ironiza.
Não é apenas a política fiscal que depende do futuro ministro da Fazenda. Conforme destaca Heron do Carmo, economista e professor da FEA-USP, os rumos da Selic e, portanto, da inflação, também dependem das alterações dos executivos da pasta. “Se a nova equipe não mudar a condução das políticas macroeconômicas, podemos ter juros ainda mais elevados e inflação também acima da meta no próximo mandato”, pondera. “A última reunião do Conselho de Política Monetária (Copom) já demonstrou que o Banco Central está de olho na inflação e vai cobrar com mais rigor um aperto nas contas públicas. Se a Fazenda não fizer a parte dela, a Selic pode ser elevada o quanto quiserem que ela não será, sozinha, capaz de conter a alta dos preços da economia”, complementa.
Segundo Carmo, o que mais preocupa na inflação de hoje são os serviços, visto que a tendência é de reajuste gradual dos preços administrados ao longo do ano que vem. Os preços administrados foram considerados o “vilão da inflação” dos últimos dois anos, devido à intervenção do governo em segmentos como combustível e energia, que vinham segurando artificialmente o aumento dos preços no índice cheio.
“Os preços de serviços vêm crescendo a taxas de 8% ao ano. O lado positivo é que isso reflete uma melhora da renda e a inserção de uma camada mais pobre da população no mercado de trabalho, mão de obra mais absorvida pelo segmento. Por outro lado, serviços é um setor de conhecida baixa produtividade, o que precisa ser corrigido para que a pressão de preços volte a cair naturalmente, via demanda”, explica. O setor também contribuiu para que o nível de desemprego atingisse a mínima histórica no atual governo. “O emprego que mais cresceu foi o de menor qualificação, com pagamento de até dois salários mínimos. Entretanto, a tendência é que ocorra uma especialização gradual da mão de obra brasileira com a necessidade de aumento de produtividade da economia”, analisa Carmo.
Descompasso – Para Sergio Vale, economista e sócio da MB Associados, o Banco Central foi conivente demais com a inflação no primeiro mandato da presidente Dilma. “Para trazer a inflação para baixo novamente, seria preciso um Banco Central bem mais agressivo. E isso não deve acontecer no segundo mandato. Além disso, é preciso mais articulação entre as políticas fiscal, monetária e cambial. No primeiro mandato, o Alexandre Tombini reduziu a Selic apostando que a Fazenda faria a sua parte, mas ela não fez”, pondera.
Para Delfim Netto, o problema da inflação hoje é um reflexo do descompasso entre as políticas distributivas e a monetária. “No fundo, não dá para controlar preços quando se mantém um aumento persistente do salário real acima da produtividade”, afirma. “Antes, a dona de casa usava sabão de coco para tomar banho. Hoje usa sabonete hidratante. Não dá para achar que ela vai voltar agora a usar sabão de coco subindo juros. Isso é uma insensatez”, brinca.
No que depender do câmbio, a inflação não receberá mais tanta ajuda no ano que vem. Conforme destaca Vale, o anúncio do fim do ‘tapering’ norte-americano e a possível retomada de um ciclo de alta de juros deve impactar o fluxo de divisas no mundo todo, respingando também no Brasil. “A tendência é que quando os juros dos Estados Unidos voltarem a subir, a taxa de câmbio fique mais depreciada. Como o câmbio estava valorizado, ele ajudava a segurar a inflação dos preços livres. Daqui para a frente o cenário será diferente”, diz. Mas até a alta dos juros se concretizar realmente, a expectativa desse acontecimento será suficiente para gerar forte volatilidade no mercado brasileiro.
Queda livre – São diversos os desafios que o governo deve enfrentar no segundo mandato para que o país volte a crescer e deixe o estigma do “7×1” para trás – uma alusão ao vexame brasileiro na Copa do Mundo, bastante utilizada pela oposição para expressar o cenário de 7% de inflação e 1% de crescimento que o país vivencia. Esse estágio conhecido como “estagflação”, na opinião de Vale, deve permanecer nos próximos quatro anos. “Sinceramente, não vi nenhum indício de que a gestão macroeconômica vai mudar no próximo mandato. Corremos um sério risco de perder o grau de investimento no ano que vem”, afirma. De acordo com estimativas da MB Associados, a economia deve crescer 0,5% em 2015, contra 0,1% este ano. A média de expansão do PIB nos próximos quatro anos, contudo, é de 1% ao ano, segundo cálculos da consultoria. Já a inflação deve se manter em 6,8% até o final do segundo governo Dilma.
Para Loyola, a única forma de evitar o pior dos cenários, que representaria a manutenção da economia como ela está hoje, é restaurar a confiança macroeconômica e sinalizar regras mais claras para investimentos em áreas de forte intervenção, como infraestrutura. Heron do Carmo concorda. “Nos últimos dois anos a política econômica foi muito focada nas eleições. Mas neste começo de mandato as coisas já estão mudando de figura. Já se fala em mudanças de equipe, em necessidade de corte de gastos, o BC elevou juros novamente. Isso é um bom sinal, pois pior que 7×1 é 8×0. E este cenário acho que a presidente vai buscar evitar”, analisa.
Se no final do governo Lula os economistas afirmavam que o crescimento potencial do país era de 5% ao ano, essa taxa consensual já caiu para 3% nos dias de hoje. “Esse percentual já é mais do que o suficiente para que se desdobre crescimento em desenvolvimento. Não temos mais aquela miséria generalizada e a população vem crescendo num ritmo muito menor se comparado com a época do milagre econômico. E, naquele momento crescemos 7,5% ao ano, mas a renda per capita crescia bem menos do que a população”, ressalta Delfim Netto. “5% seria ótimo, mas 3% já está bom demais.”
“Mais importante do que crescer é crescer com qualidade. O governo dá sinais de que está preocupado com o tripé macroeconômico, mas não deverá abrir mão das políticas sociais. O mercado observa a economia com visão de curto-prazo, mas a função do governo é promover desenvolvimento no longo prazo”, acredita Marcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor da Unicamp.