Ainda vai demorar um bom tempo para os investidores adquirirem ações de clubes de futebol brasileiros, como já acontece com os times europeus, mas a estruturação de produtos de renda fixa para captação no mercado de capitais já é um dos resultados da profissionalização da gestão que vem ocorrendo fora dos gramados dos estádios. O lançamento do FIDC Brasileirão, este mês, do São Paulo Futebol Clube, voltado a investidores profissionais, deve testar o mercado para futuras operações de funding sem intermediação financeira, como ocorre há alguns anos. No entanto, por ora, o que garante a atratividade do investimento é a credibilidade do devedor, nesse caso, as Organizações Globo.
“Os clubes de futebol brasileiros vêm conseguindo, de uma maneira geral, obter crédito no mercado por meio de operações com interveniência da Globo”, conta Luis Eduardo da Costa Carvalho, sócio fundador da Lecca Financeira e diretor de Relações Institucionais da Associação Nacional dos Participantes em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios Multicedentes e Multissacados (ANFIDC). “Os direitos de imagem e de transmissão dos jogos nos diversos campeonatos nacionais originam operações de antecipação de recebíveis.” Ele explica que o crédito é concedido levando em conta a qualidade do devedor, ou seja, a Globo, e não do tomador – o clube.
A estruturação de um fundo de investimento em direitos creditórios vai seguir essa mesma lógica, mas eliminará a intermediação financeira, reduzindo muito os custos das operações, segundo Carvalho. “O custo de estruturação inicial mais o de manutenção do FIDC mais a remuneração ao investidor, somados, ainda será menor que o custo com juros e taxas de bancos”, avalia. “O clube vai direto na fonte de recursos que é o investidor.”
O FIDC Brasileirão do São Paulo foi estruturado com uma parte de um dos contratos que o clube tem com a Globo, o de transmissão via pay-per-view, e deve captar R$ 40 milhões, para capital de giro. “O São Paulo tem diversas receitas, entre as quais os direitos de transmissão dos seus jogos. No Brasil, o maior comprador é a Globo, com exclusividade. Então, é um recebível de alta qualidade”, afirma João Peixoto, CEO da Ouro Preto Investimentos, estruturador da operação do fundo. A agência de classificação de risco Standard&Poor’s atribuiu rating nacional preliminar “A-” à operação pela qualidade robusta do portfólio. O rating das Organizações Globo, por sua vez, é “BB+”, com perspectiva estável, devido à “sólida posição de caixa apesar da baixa lucratividade”, de acordo com a última análise da S&P, em novembro passado.
Peixoto acredita que a operação do São Paulo pode vir a se tornar benchmark, favorecendo a aproximação dos clubes de futebol do mercado de capitais. “Abrirá a oportunidade para todos os clubes captarem recursos mais barato”, afirma. No entanto, ele ressalta que os clubes precisam fazer sua lição de casa: governança, transparência, compliance. “Sem gestão de qualidade e governança forte dificilmente um clube vai conseguir estruturar uma operação no mercado”, reforça Carvalho.
Para acessar o mercado de ações, os times precisam se tornar empresas S/A, o que pode ser feito via estatuto do clube, individualmente. Mas já há proposta tramitando na Câmara dos Deputados, caso do Projeto de Lei 5082/2016, que cria Sociedade Anônima do Futebol (SAF), o que permitiria investimentos privados ou estrangeiros ou, até, um IPO – oferta inicial de ações -, como fizeram 22 times europeus.
Fundo rubro-negro de renda fixa busca superar CDI
Os torcedores do Flamengo, o time brasileiro mais bem estruturado administrativa e financeiramente, segundo Carvalho, da ANFIDC, passaram a contar com um banco digital exclusivo. O Banco BS2, antigo Banco Bonsucesso, lançou o aplicativo BS2 Flamengo, pelo qual poderão ser abertas contas digitais, contratação de empréstimos e financiamentos, entre outras operações financeiras.
“Até o fim de maio, lançaremos o BS2 Rubro Negro CP FIRF, um fundo de renda fixa crédito privado com liquidez diária com objetivo de superar o CDI e a poupança com uma aplicação mínima acessível”, conta Christiano Ehlers, diretor de Investimentos na BS2 Câmbio e Investimentos. Em todas as transações realizadas pelos clientes, o Flamengo receberá uma participação, além do patrocínio máster de R$ 15 milhões firmado com o banco. A estruturação de uma operação para captar recursos no mercado não foi confirmada.