Aberturas no exterior | Pagseguro, Stone e Arco abrem caminho par...

O ano de 2018 vai ficar marcado como aquele em que os IPOs de empresas brasileiras nos Estados Unidos superaram as ofertas de ações no próprio mercado brasileiro. Pagseguro, com seu IPO de US$ 2,3 bilhões na New York Stock Exchange (NYSE), e Stone e Arco Educação, que levantaram US$ 1,5 bilhão e US$ 220 milhões, respectivamente, na Nasdaq, somaram cerca de US$ 4 bilhões captados por companhias nacionais nos EUA, ou cerca de R$ 15,6 bilhões, considerado o fechamento do câmbio em 14 de dezembro. No mesmo período, no Brasil, os IPOs da Hapvida (R$ 3,4 bilhões), da Intermédica (R$ 2,7 bilhões) e do Banco Inter (R$ 656,3 milhões) chegaram a R$ 6,7 bilhões.
A tendência é que novas companhias brasileiras façam o mesmo caminho e optem por abrir seu capital nas bolsas americanas ao longo de 2019, a julgar pela frequência de viagens que o head de mercados de capitais internacionais da NYSE, Alex Ibrahim, tem feito ao Brasil. Desde agosto já foram três visitas, sendo a mais recente em dezembro, para conversas com empresas interessadas em se listar na bolsa de Nova York, seja via IPO ou por meio do programa de ADRs, como foi o caso mais recente da Suzano Papel e Celulose em dezembro.
Ibrahim ressalta que as empresas brasileiras com quem tem conversado não se restringem ao setor tecnológico, como foram os três IPOs ocorridos em 2018 de empresas brasileiras nos Estados Unidos. “Companhias dos setores financeiro e de energia são alguns exemplos de brasileiras que provavelmente vão fazer o IPO na NYSE”, afirma o executivo, brasileiro radicado há 30 anos nos Estados Unidos, com 18 anos na NYSE, e que por questões de compliance e governança não pode divulgar uma projeção de quantas companhias brasileiras devem passar a ter ações negociadas na bolsa americana nos próximos meses. Ibrahim tira proveito de sua familiaridade com a região para tratar diretamente com as companhias locais, mas tem equipes espalhadas por todos os cantos do globo em busca de potenciais novos entrantes na NYSE.
Atualmente são 31 empresas brasileiras com ações negociadas na NYSE, em sua grande maioria via ADRs – apenas a Pagseguro e a NetShoes, que abriu seu capital por lá em abril de 2017, tem ações listadas diretamente. “Espero que tudo ocorra bem com o Brasil, que os investidores fiquem confortáveis sobre o que vai acontecer nos próximos meses, para que a janela de oportunidades cresça mais e as empresas que acham que o mercado americano faz parte das suas estratégias listem na bolsa de Nova York”, diz Ibrahim.
Entre as razões que, no entendimento do executivo, contribuem para a atratividade da NYSE aos olhos das empresas, independentemente do setor ou nacionalidade, ele cita a maior liquidez e diversificação. A NYSE possui uma ampla e atuante base de investidores, que em muitos casos não estão presentes em mercados emergentes. Somente em 2018 foram 70 os IPOs registrados na NYSE, que somaram captação da ordem de US$ 29 bilhões. “Nos últimos cinco anos, dos 48 IPOs que ocorreram acima de US$ 700 milhões, 45 foram na NYSE, e somente três na Nasdaq”, afirma Ibrahim, sobre a maior atratividade na comparação com sua rival.
Embora haja uma percepção relativamente comum de que na Nasdaq se concentram as empresas do ramo tecnológico, Ibrahim ressalta que essa é uma falsa impressão de investidores não tão acostumados com a operação das bolsas americanas. Ele cita como exemplo ilustrativo o maior IPO da história do mercado global de capitais, da gigante chinesa AliBaba, que levantou cerca de US$ 25 bilhões na NYSE em 2014. “Nos últimos dez anos, nosso market share em IPOs de empresas de tecnologia foi de 58%, sendo que em 2017, 86% dos IPOs de empresas de tecnologia foram na NYSE”, pontua o head da NYSE para mercados de capitais internacionais. “Stone e Arco infelizmente foram dois outliers, mas não é possível ganhar sempre”.

Arbitragem – Ibrahim rechaça também a tese de que a listagem de ações de empresas brasileiras em outras bolsas, via ADRs, gera risco de canibalismo da liquidez no mercado local. A tese é corroborada pelo diretor de relacionamento com clientes da B3, Felipe Paiva.
Segundo Paiva, estudos realizados pela B3 indicam que a dupla listagem pode aumentar em até 40% o volume de negociação do papel, pela possibilidade de arbitragem entre os ativos nos dois mercados, o que pode beneficiar tanto a empresa, que terá maior liquidez em suas ações, como os investidores locais, que teriam mais uma opção para suas carteiras.
Após a listagem das empresas brasileiras na NYSE e na Nasdaq a B3 iniciou conversas com as próprias companhias, e com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com o objetivo de fazer uma dupla listagem dos papéis, que passariam a ser negociados no mercado americano e também no brasileiro por meio de BDRs.
Paiva explica que Stone, Pagseguro e Arco Educação são empresas constituídas sob formas de holding sediadas 100% no exterior, em um modelo comum às companhias que recebem investimentos de fundos de private equity, modelo esse que até o momento não tem permissão do órgão regulador brasileiro para a dupla listagem. “Pleiteamos junto à CVM a alteração na regra para listagem dos BDRs, ou a elaboração de uma instrução específica que permita a listagem direta de empresas constituídas fora do Brasil”, comenta o diretor de relacionamento comn clientes da B3. No momento a bolsa brasileira aguarda parecer da autarquia sobre o tema.
“O grupo de trabalho do Projeto Estratégico Custo de Observância vem recebendo diversas sugestões de aperfeiçoamento da regulamentação emitida pela CVM encaminhadas por participantes do mercado, incluindo o tema objeto de sua demanda [sobre permissão para dupla listagem]. Todas as sugestões recebidas serão devidamente e oportunamente analisadas pela CVM”, diz o comunicado da autarquia enviado à publicação. Procuradas pela Investidor Institucional, Pagseguro, Stone e Arco preferiram não comentar.

Ações estrangeiras mais negociadas nos EUA
  Nome Bolsa / Fonte Pais Em moeda orig. em milhares
1 Alibaba Group Holding Ltd NYSE Hong Kong 2.980.792
2 Broadcom Ltd NASDAQ Singapura 934.543
3 Baidu, Inc. NASDAQ China 505.393
4 Jd.Com, Inc. NASDAQ China 440.709
5 Accenture Plc NYSE Outros 426.450
6 Lululemon Athletica Inc. NASDAQ Canadá 390.127
7 Taiwan Semiconductor
Manufacturing Co Ltd
NYSE Taiwan 342.113
8 Nxp Semiconductors N.V. NASDAQ Holanda 338.231
9 Vale NYSE Brasil 317.136
10 Bp Plc NYSE Inglaterra 308.657
11 Petrobras NYSE Brasil 306.450
Fonte: Economatica

IPOs na B3 em 2019 – O investidor local não precisa, no entanto, ficar preocupado com uma eventual ‘fuga de talentos’ do nosso mercado. A tendência de companhias tupiniquins abrindo seu capital além mar, embora deva ter alguns novos casos nos próximos meses, não deve ocorrer de maneira maciça, com a maior parte provavelmente ainda optando pela bolsa local.
A B3 trabalha com a estimativa de 20 a 30 IPOs durante 2019 por conta das conversas em andamento com empresas interessadas. Paiva recorda que em 2017, quando houve uma retomada no nível de confiança dos empresários e do mercado, cenário que espera-se que volte a ocorrer em 2019, foram cerca de R$ 41 bilhões obtidos por empresas brasileiras no mercado acionário por meio de 26 IPOs e follow-ons.
Com a expectativa de 20 a 30 IPOs e follow-ons em 2019, o executivo não descarta um montante de recursos a ser levantado pelas empresas no mercado até maior do que o observado em 2017. “Temos visto o BNDES cada vez menos participativo em grandes operações, deixando o mercado de capitais florescer. Soma-se a isso a taxa de juros reduzida e o potencial aumento do PIB, uma ótima combinação para que possamos ter um número recorde de IPOs no Brasil”, prevê o especialista.

Reforma – Com o objetivo de fomentar o mercado acionário local como um importante financiador das empresas brasileiras, a B3 trabalha na reforma do mercado de acesso, o Bovespa Mais, na tentativa de tornar menos complexo e burocrático o seu nicho voltado para empresas de menor porte interessadas em abrir seu capital. “As ofertas recentes tem sido de valores acima de R$ 500 milhões, e gostaríamos de ver captações com valores menores”.
Paiva diz ainda que dentro desse trabalho a B3 vai criar uma figura, ainda sem um nome definido, que vai ser uma espécie de assessor, que terá como missão ajudar as empresas a trilhar o caminho rumo ao mercado de capitais, em um trabalho que toma como exemplo o desenvolvido de maneira bem sucedida na bolsa de Londres.

Características necessárias – O volume projetado a ser captado, necessariamente elevado, e o alto potencial de crescimento de lucros para os próximos anos, que eventualmente pode ser melhor precificado em mercados desenvolvidos em comparação com o de origem, são citados pelo responsável por mercado de capitais no Citi, Marcelo Millen, como motivos importantes que guiam as empresas no momento de decidir se optam por abrir seu capital no Brasil ou em outros países. Pares comparáveis em maior quantidade e qualidade, que podem facilitar a compreensão e mesmo o acesso dos agentes de mercado é outro ponto que pesa na decisão das empresas em abrir seu capital fora de seu país, lembra o executivo do Citi, banco que foi um dos coordenadores da oferta de US$ 1,5 bilhão da Stone na Nasdaq.
“A Stone tem um potencial de crescimento superior ao da Cielo, atualmente a única empresa com ações na B3 do mesmo setor de adquirência, e a opção foi por tentar capturar investidores dispostos a pagar mais por ela, que encontra na Nasdaq pares comparáveis mais alinhados ao seu perfil”, afirma Millen. “O receio da Stone era de que ao se listar no Brasil o nível de avaliação que os investidores fariam seria mais comparável com o da Cielo”. Pelo nível de demanda e volume captado, o executivo do Citi diz que a Stone ficou satisfeita com sua abertura na Nasdaq.