Edição 303
Maior transparência e equilíbrio na relação com controladores de companhias de capital aberto e mudanças na destinação das multas aplicadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) são algumas das sugestões que poderão ser apresentadas ao Grupo de Trabalho (GT) constituído em abril pela própria CVM e ministério da Fazenda para estudar e propor medidas de aperfeiçoamento dos mecanismos de proteção a investidores e acionistas minoritários. O grupo deve rever algumas práticas entre investidores controladores e minoritários e sugerir aperfeiçoamentos nas relações com órgãos controladores.
“O mercado de capitais é o mais importante canal de mobilização de recursos privados para investimento no setor produtivo. Ele é essencial para a viabilização de projetos importantes para a retomada do crescimento, notadamente em setores que requerem grande montante de capital, tais como infraestrutura e energia. O GT visa avaliar a regulação doméstica de proteção a investidores minoritários à luz da experiência internacional, notadamente. Os membros ainda serão indicados e o plano de trabalho ainda será definido”, diz nota enviada pelo ministério da Fazenda.
O diretor de participações da Previ, Renato Proença, destaca a transparência como o ponto principal quando se trata do relacionamento das companhias com seus acionistas minoritários. “Por se tratarem de acionistas com pouco poder de influência na gestão, o compromisso da companhia com o processo de divulgação equânime, claro, preciso e conciso de suas informações – tanto financeiras quanto não financeiras – é o principal fator de aprimoramento que entendemos necessário no mercado brasileiro”, afirma Proença.
Segundo o dirigente, a premissa básica é de que a adoção de boas práticas de governança corporativa pelas companhias confere maior credibilidade ao mercado acionário, aumentando a percepção de valor, confiança e a disposição dos investidores em adquirirem as ações de sua emissão, assim como de pagarem um preço mais alto por elas. Além disso, prossegue Proença, “companhias com ótimos níveis de adesão às práticas de governança corporativa (têm mais capacidade de atrair) recursos de acionistas menores, evitando concentração de grandes posições e aumentando a liquidez desses ativos”.
O diretor lembra que em seu código de melhores práticas a Previ recomenda a não adoção de disposições estatutárias que limitem o exercício do direito de voto dos acionistas e a emissão pelas companhias apenas de ações ordinárias, conforme previsto nos regulamentos dos níveis diferenciados de governança corporativa da B3. O fundo de pensão defende ainda a realização de Oferta Pública de Aquisição de Ações (OPA) quando algum acionista, grupo de acionistas ou terceiro atingir um percentual relevante do capital da companhia, com a devida proteção aos acionistas minoritários.
Concentração – O dirigente da Previ ressalta também que o mercado brasileiro é caracterizado pela concentração de capital “nas mãos” de pequenos grupos, com um grande número de empresas familiares, nas quais a adoção de boas práticas de governança ainda precisa de aperfeiçoamentos.
Proença ressalta que o mercado estrangeiro, por outro lado, possui característica inversa, onde existem em grande volume as chamadas empresas de capital difuso (ou empresas sem controle definido, as “corporations”), nas quais a base de acionistas é bastante pulverizada. “Acreditamos que estudos comparativos entre o mercado local e o externo devem ser desenvolvidos para que a CVM tenha maior agilidade para investigar e punir quem agir contra o mercado de capitais brasileiro”.
Por mais que o investidor busque ser diligente em seu exercício do voto, muitas vezes ele acaba agindo de maneira isolada, com baixo poder de influência na condução das companhias, pondera o diretor executivo responsável pela Comissão Técnica Nacional (CTN) de investimentos da Abrapp e presidente da Fundação Casfam, Guilherme Leão. “Essa situação decorre do modelo do nosso mercado de capitais, em que as empresas na maior parte dos casos têm um grupo controlador, diferentemente do que vemos nos Estados Unidos”.
Para o diretor da Abrapp, melhorias podem e devem ser feitas diante do desequilíbrio que, segundo ele, existe na relação entre controladores e minoritários dentro das discussões que tratam dos rumos estratégicos das empresas de capital aberto. “Esses desequilíbrios precisam ser resolvidos até mesmo para contribuir com o fomento do mercado de capitais como uma importante fonte de financiamento para as companhias”, comenta Leão. Ele lembra que um mercado de capitais fortalecido é aquele que dá direitos e deveres iguais para todos os investidores, seja majoritário ou minoritário.
De acordo com o presidente da Casfam, existe uma série de conflitos de interesse na administração de companhias em que os minoritários ficam fragilizados, geralmente subordinados às decisões do grupo controlador. “Observamos essa posição fragilizada dos minoritários em situações como fechamento de capital de companhias abertas, na qual os majoritários costumam receber uma remuneração diferente da oferecida aos demais, e mesmo na questão do voto, em que o minoritário em geral fica subordinado ao controlador no processo de tomada de decisão”.
CVM – A conselheira independente da Vale, eleita no ano passado após ter sido indicada pelo acionista minoritário Aberdeen Standard Investments, Isabella Saboya, aponta algumas mudanças regulatórias que envolvem a CVM que em sua opinião deveriam ser feitas para aprimorar a proteção aos minoritários.
Isabella nota que em casos nos quais investidores fazem denúncias contra determinada prática irregular adotada por uma companhia que resultam em multa como punição, o valor pago pela empresa é retido pela autarquia. “Esses valores poderiam ser direcionados aos investidores autores da denúncia, como acontece nos Estados Unidos com a SEC”, afirma a especialista que também é associada do IBGC. Segundo ela, a MP 784 que no ano passado ampliou o valor das multas que a CVM pode aplicar no mercado poderia ter incluído uma norma que permitisse direcionar aos investidores responsáveis pela denúncia os recursos arrecadados.
Procurada para comentar o tema, a CVM informou que por se tratar de um GT recém constituído e que ainda está em fase de discussão de propostas ela não se pronunciaria.
Ainda de acordo com Isabella, a CVM é superavitária, até mesmo pelas multas aplicadas às empresas, mas boa parte dos recursos arrecadados pelo órgão não são utilizados em investimentos para aprimorar sua estrutura, mas redirecionados para outras autarquias do governo aos quais a CVM está subordinada, como o ministério da Fazenda. De acordo com a especialista, de 30% a 50% dos recursos arrecadados pela CVM não são internalizados para serem investidos no desenvolvimento da própria autarquia, sendo direcionados para contingências.
“Já há cerca de 1/4 de vagas a serem preenchidas na CVM por conta de aposentadorias de servidores e da paralisação dos concursos públicos e a expectativa é que até o final do ano esse número aumente para 1/3”, afirma Isabella. Segundo ela, diante da falta de recursos, o trabalho de fiscalização realizado pela CVM fica prejudicado. “O investidor certamente se sentiria mais protegido se houvesse uma agilidade maior por parte da CVM, mas para isso ela precisaria ter mais investimentos”, pontua a conselheira independente da Vale.