Edição 331
O presidente da Associação dos Investidores do Mercado de Capitais (Amec) e até dois anos atrás comandante da Superintendência de Previdência Complementar (Previc), Fábio Coelho, defende a criação de normas específicas para enquadramento das atividades de investimento ESG (de Ambiental, Social e Governança). Segundo ele, isso impedirá que esse segmento se ramifique e cada tendência siga por diferentes caminhos, depois difíceis de unificar.
Para exemplificar, ele usa o exemplo da indústria de fitas cassete, que durante as décadas de 70 e 80 do século passado eram divididas entre Betamax e VHS, devido a algumas pequenas diferenças técnicas de fabricação que poderiam ter sido ajustadas para a criação de um padrão único mas nunca o foram, levando o consumidor a ter que escolher sempre entre uma e outra na hora de adquirir não apenas as fitas cassetes propriamente ditas, mas também os equipamentos nas quais elas rodavam. Foram superadas no final do século pelos DVDs, que depois sucumbiram aos streamers.
No caso dos produtos e políticas de investimento ESG, a absoluta carência de definições e regulação pode conduzir a algo semelhante. Quais são as prioridades, o que visam esses produtos e políticas de investimento, como são definidos, qual deve ser o grau de transparência, onde e como devem comunicados? A Associação Nacional das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), a Federação dos Bancos Brasileiros (Febraban) e o Iniciativas do Mercado de Capitais (IMK) estão preocupados com essas questões e já formaram grupos de trabalho para discutir o assunto e buscar um regramento.
A Amec participa do grupo de trabalho do IMK, iniciativa criada pelos órgãos públicos ligados às áreas econômica e de mercado de capitais do governo e que conta com a participação de associações da iniciativa privada. Coelho diz que defendeu lá, no IMK, sua visão de que é necessário uma regulação mínima para essa classe de investimentos. “Até seis meses atrás eu achava que nem era preciso, que a gente devia deixar o tema se desenvolver para depois regular, mas a coisa está indo numa velocidade muito grande”, afirma. “Hoje eu acho que deve ter uma regulação mínima, que não sufoque esse tipo de investimentos mas também não deixe correr solto”.
Por regulação mínima ele entende dois pontos, essencialmente. O primeiro é definir onde as definições sobre esse tema devem ser publicadas pelas empresas. Atualmente, algumas publicam em relatórios especiais de sustentabilidade, outras em sites, outras em seus próprios balanços e outras ainda em lugar nenhum. “Acho que o melhor seria definir que a publicação acontecesse no balanço anual da empresa, um meio que já é obrigatório e não representaria custos adicionais, sem prejuízo de que a empresa pudesse somar outros meios, como sites, relatórios específicos de sustentabilidade etc quando julgasse conveniente”, diz.
O segundo aspecto dessa regulação mínima seria definir um conjunto de critérios para caracterizar o que são e como funcionam esses investimentos ESG, definindo métricas para impedir que cada empresa ou segmento caminhasse para um lado, alguns talvez se tornando fortes o bastante para inviabilizar mais tarde uma unificação.
Ele lembra o caso das antigas fitas cassetes, com suas versões Betamax e VHS, que depois de se desenvolverem cada uma numa direção nunca puderam ser unificadas. “É a hora de criarmos uma regulação mínima, com alguns parâmetros básicos, para evitar que cada um vá para um lado”.
A rapidez com que esses conceitos vêm se impondo estão tornando obsoletos padrões anteriores, dos investimentos mais tradicionais, que colocavam a rentabilidade a qualquer custo como o objetivo principal. Hoje, embora o padrão da busca da rentabilidade permaneça e seja fundamental, ele começa a ter que conviver com princípios de compartilhar responsabilidade com os ativos investidos. Além da questão ambiental, a mais em evidência atualmente, também se cobra responsabilidade dos investidores sobre os efeitos que os ativos investidos produzem em suas cadeias produtivas, sobre o respeito à diversidade de gêneros nas empresas investidas, sobre a valorização dos seus quadros de empregados e sobre o relacionamento com seus acionistas minoritários.
“Essa é uma tendência que vem ganhando força na Europa e que leva os grandes investidores a se posicionarem publicamente, as vezes até contra governos quando esses não agem no sentido de coibir desmatamentos ou desrespeitam direitos sociais e direitos humanos”, explica Coelho. “O que esses investidores estão fazendo é aplicando o que está em suas políticas de investimento, que diz que eles não podem investir em países que desmatam ou que desrespeitam direitos sociais e direitos humanos. E estão dizendo isso diretamente aos governos”.
Por ser um tema relativamente novo, sobre o qual há ainda muitos aspectos em discussão e diferentes pontos de vista, ele comporta várias abordagens. A abordagem do setor bancário, por exemplo, é mais voltada ao risco, com o BIS (o banco central dos bancos centrais, sediado em Basiléia, na Suiça) alertando que eventos de grande impacto climático terão consequências graves nos balanços financeiros das empresas. O próprio BIS tem colocado várias vezes a pergunta se as empresas estariam preparadas para enfrentar esses riscos. Esse é um aspecto que os bancos estão valorizando muito hoje em dia.
Outra abordagem é a da indústria financeira, mais voltada à necessidade de classificação dos produtos que estão sendo criados, tentando definir o que é realmente um produto ESG e o que não é, pois receia que sem essa classificação alguns produtos que se dizem ESG possam vir a ser acusados, mais tarde, de estar tentando ludibriar o público. É o caso, por exemplo, dos que são hoje denominados “greenwashing ”, que apenas adotam uma aparência “verde” para serem mais aceitos pelo consumidor, sem terem no entanto preocupações maiores com aspectos ambientais ou dos efeitos que produzem nas cadeias produtivas, sem falar sobre respeito à diversidade de gêneros e valorização de seus empregados.
Há ainda outras abordagens que estão surgindo nessa vertente da indústria de investimentos, que são os chamados investimento de impacto. Contando com aportes de pessoas e comunidades dispostas a colocar suas poupanças individuais a serviço de políticas do bem, como programas de financiamentos à microempresas em comunidades carentes, programas de fomento à lavouras locais sem o uso de agrotóxico, programas de formação de cooperativas para reduzir desigualdades de renda, esses investimentos de impacto representam um novo modelo. Como eles devem ser enquadrados em relação aos investimentos tradicionais ainda não está 100% claro.
Para o presidente da Amec, “acho que a gente está vivendo um momento de transição, com os modelos mais antigos tendo que conviver com modelos mais novos, tanto em termos de produtos como de direcionamento”, diz. “Isso só reforça a necessidade de uma regulação, por mínima que seja”.