BNDES puxa a fila | Banco estatal anuncia medidas em parceria com...

Edição 304

 

O BNDES anunciou no final de maio duas medidas que visam atrair o mercado de capitais para financiar projetos na área de infraestrutura. Uma das medidas, em parceria com a Anbima, prevê investimentos de R$ 5 bilhões do BNDES em fundos de investimento relacionados a projetos de logística, transporte, energia, telecomunicações e saneamento básico. O banco poderá aportar até R$ 500 milhões por fundo, limitados a 30% do seu patrimônio total, com o restante a ser captado junto a investidores privados. A outra medida do BNDES, em conjunto com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), prevê a criação de um fundo de crédito de infraestrutura de US$ 1,5 bilhão, com 30% dos recursos vindos do BNDES, 10% do BID e o restante do setor privado, especialmente investidores institucionais.
A diretora de mercado de capitais do BNDES, Eliane Lustosa, lembra que o objetivo do banco, com essas medidas, é induzir novos investimentos no setor de infraestrutura. Segundo ela, embora historicamente o setor público tenha sido o principal financiador da infraestrutura no país, sua capacidade de investimento vem se reduzindo ao mesmo tempo em que as demandas são crescentes. “É necessário e saudável a canalização de poupança privada para o segmento de infraestrutura, através do mercado de capitais”, diz Eliane. “É isso que o BNDES tem procurado induzir”.
Segundo ela, os fundos de investimento podem ser instrumentos importantes na atração de capital privado, pois conseguem através de portfólios diversificados de ativos gerar um interessante efeito de mitigação de risco. Além disso, agregam a figura de uma gestão profissional, capacitada para a análise e acompanhamento de crédito dos projetos, que é muito importante num segmento de complexidades inerentes como o de infraestrutura. “Acreditamos que este modelo irá viabilizar uma participação expressiva dos investidores institucionais no financiamento à infraestrutura”, pondera a diretora do BNDES.
Ela lembra ainda que, em economias maduras, os investidores institucionais são os principais tomadores de emissões de ‘project bonds’, sendo que no Brasil esses investidores ainda possuem uma atuação tímida nas debêntures de infraestrutura. “O cenário de taxas de juros reduzidas e as iniciativas de estímulo ao mercado de capitais que se desenham devem resultar, no futuro, numa participação maior dos institucionais brasileiros no mercado de debêntures de infraestrutura”, prevê a diretora.

Debêntures – Segundo a secretária-executiva do Ministério da Fazenda, Ana Paula Vescovi, em 2017 houve importante avanço no financiamento com debêntures de infraestrutura, que representaram R$ 9,1 bilhões em emissões ante R$ 4,2 bilhões do ano anterior. Em 2018, até março, a captação por meio desse instrumento já chega a R$ 3,6 bilhões. “Apesar desse salto, é notório que ainda existe uma grande necessidade de recursos para investimentos em infraestrutura, sendo o mercado de capitais fonte vital para esse financiamento”, pondera a secretária-executiva.
Quanto à participação dos institucionais no financiamento à infraestrutura, Ana Paula admite que as debêntures incentivadas não tiveram grande apelo junto à esse público. Dos R$ 30,5 bilhões de debêntures de infraestrutura emitidas, R$ 12,5 bilhões, que representam 41%, estão na carteira de investidores pessoas físicas.
“Uma possível proposta de revisão da Lei nº 12.431, que trata das debêntures incentivadas de infraestrutura, além de outras melhorias infralegais que possam elevar a participação dos investidores institucionais neste instrumento deverá ser objeto de estudo do Grupo de Trabalho sobre Mercado de Capitais e Poupança de Longo Prazo (GTMK)”, diz a secretária-executiva. Segundo ela, o GTMK será reativado pelo Ministério da Fazenda e sua primeira reunião acontecerá ainda em junho, discutindo medidas para estimular o crescimento da poupança de longo prazo e a redução do custo do capital no Brasil.
Ainda de acordo com Ana Paula, “esse grupo é capitaneado pelo Ministério da Fazenda e tem, na diversidade dos participantes do governo, como Banco Central, Susep, Previc, CVM, Ministério do Planejamento e BNDES, assim como na participação do mercado, força para elaborar e propor medidas que visem maior participação do mercado de capitais no financiamento à infraestrutura”.

Sinalização – Como o BNDES terá no máximo 30% de participação em cada fundo, o diretor da Anbima, José Eduardo Laloni, calcula que com a complementação vindo do mercado de capitais o total de investimentos em infraestrutura deve atingir cerca de R$ 15 bilhões nos próximos meses. Até o momento as debêntures de infraestrutura somam cerca de R$ 40 bilhões. Para Laloni, o anúncio do BNDES dá um sinal importante ao mercado, indicando que o banco de fomento, diferentemente do que fez no passado recente, não irá mais financiar o grosso dos projetos de infraestrutura. Esse papel está sendo transferido para investidores privados, com vocação para atuar no longo prazo. “O BNDES, ao atuar como um investidor âncora do fundo, dá conforto para que o gestor tenha mais segurança e interesse de atuar no segmento”.
Um obstáculo a uma participação maior dos fundos de pensão nesse mercado é o fato de as entidades não poderem investir em empresas de capital fechado. Segundo Laloni, essa limitação tem gerado discussões entre os agentes envolvidos na busca de uma saída. Parte relevante dos projetos de infraestrutura é desenvolvido por Sociedades de Propósito Específico (SPE), em sua grande maioria de capital fechado.

Fundações – O diretor executivo responsável pela Comissão Técnica Nacional (CTN) de Investimentos da Abrapp e presidente da Fundação Casfam, Guilherme Leão, admite que a participação dos institucionais no setor de infraestrutura ainda é muito tímida. Ele aponta como responsáveis por essa timidez os juros altos existentes até pouco tempo atrás, assim como a insegurança jurídica e a falta de veículos adequados ao perfil dos institucionais, como as principais razões.
Leão pondera, contudo, que caso os juros permaneçam no nível atual por tempo prolongado a tendência é que as entidades tenham de buscar ativos de maior risco, com a infraestrutura sendo uma das alternativas.
O dirigente acredita que os caminhos mais prováveis para as fundações participarem de projetos de financiamento a infraestrutura serão as debêntures emitidas por empresas do setor, assim como IPOs ou follow-ons. “Entendo que os FIPs devem ficar em um segundo plano, pelos problemas que apresentaram nos últimos anos e que ainda geram insegurança, assim como pela falta de liquidez em um momento onde muitas entidades estão vendo a duration de seus passivos cair”.
Segundo Leão, existem conversas em andamento entre BNDES e Abrapp a fim de estruturar um produto com características que possam gerar maior atração do público institucional, uma vez que as debêntures incentivadas tiveram baixo apelo entre os fundos de pensão. Segundo ele, a isenção tributária que é o principal atrativo desse instrumento, não sensibiliza os institucionais que já gozam de isenção em todos os seus investimentos. “O BNDES está em um processo de redefinição da estratégia, com sua atuação se voltando mais para pequenas empresas e projetos de inovação, tentando atrair o mercado de capitais ao financiamento das grandes companhias”.
Na avaliação do dirigente, se fazem necessários instrumentos financeiros que dêem aos investidores algum tipo de garantia contra os riscos do fluxo de caixa das empresas envolvidas nos projetos de infraestrutura não apresentar o desempenho conforme o previsto inicialmente. “Projetos de infraestrutura têm um risco alto de atraso no fluxo de caixa por conta de imprevistos nas obras”.