Edição 298
Atendendo a um pleito dos gestores de fundos de dividendos do mercado brasileiro, a B3 prepara uma série de mudanças na metodologia do seu índice de dividendos (Idiv) que serão implementadas no próximo rebalanceamento do benchmark em janeiro. As críticas dos agentes do mercado versavam desde a elevada concentração em determinados papéis até a excessiva volatilidade causada pelas alterações nas ações que compõem o referencial durante os processos de rebalanceamento, passando também pelo fato de o benchmark dar espaço para empresas que não adotam como política habitual a remuneração aos acionistas via dividendos, mas que fizeram um único pagamento excepcional.
“O Idiv era muito ruim em termos metodológicos. A Vale, em dezembro de 2016 representava cerca de 20% do índice, e na virada do ano, pela metodologia adotada pela bolsa, o papel caiu para 2%, o que gera uma volatilidade muito grande no benchmark”, diz Milton Cabral, gestor da Bradesco Asset Management (Bram).
Camilo Cavalcanti, gerente nacional de fundos de renda variável da Caixa, critica o espaço no Idiv para empresas que não são costumeiramente pagadoras de dividendos, mas que por vezes realizam um pagamento extraordinário aos seus acionistas. “Esse é um dos motivos para nós, e provavelmente boa parte da indústria, não utilizar o Idiv como referencial para construir as carteiras”.
Segundo Pedro Sales, gestor da Verde Asset, “em vários momentos o Idiv já teve empresas que não deveriam estar em fundos de dividendos. São companhias que estavam temporariamente pagando dividendos, mas cujos negócios eram arriscados, voláteis, e que poderiam gerar problemas de caixa pouco tempo depois”.
Metodologia – Ciente das críticas do mercado, a B3 se reuniu no primeiro trimestre de 2017 com fundações, assets, corretoras e tesourarias, e do encontro partiram as diretrizes que balizam as mudanças na metodologia do índice. Até então o benchmark considerava para sua composição, entre todas as empresas listadas na bolsa, as 25% com maior dividend yield, que é a relação entre o pagamento de dividendos pelo preço da ação. Agora esse percentual sobe para 33%. Além disso, para dimensionar o peso que cada ativo dentro desse grupo terá no benchmark deixará de ser considerado o free float, que são as ações em livre circulação no mercado, e passará a ser levado em conta o próprio dividend yield.
“Com o modelo anterior, tinham peso relevante no índice empresas com grande free float, mas que às vezes ficavam entre as que menos pagam dividendos entre as selecionadas, como Petrobras e Vale”, afirma Marcos Skitymas, superintendente de produtos de ações da B3. “A metodologia do Idiv realmente não estava mais refletindo a necessidade dos investidores”, admite o profissional da B3. Ele nota que a saída do free float como critério para definição do peso da ação no referencial deve acabar com o problema da alta concentração em determinados papéis.
Outra alteração a ser introduzida no novo Idiv será o peso máximo que uma empresa com duas classes de ações (ordinárias e preferenciais) poderá ter no índice. Antes a empresa podia alcançar participação de até 20% (10% em cada ação), e agora esse teto passou para 10%. “Essa alteração vai gerar uma diversificação maior do Idiv”, diz Skitymas. No caso da empresa com apenas uma classe de ação o limite de 10% seguirá valendo.
Além disso, a B3 já adotava uma margem de tolerância para retirar do benchmark ativos que não tinham mais as características necessárias, justamente para evitar mudanças drásticas nos rebalanceamentos. “Para entrar, a ação precisava estar entre as 25% maiores pagadoras, mas para sair tínhamos uma margem de tolerância, em que a empresa precisava ficar ao menos entre as 33% maiores pagadoras, que é uma forma de mitigar o turnover do índice”, pontua o superintendente da B3. No próximo rebalanceamento a banda de tolerância será elevada para 44%.
O período a ser considerado do dividend yield pago pelas empresas também será modificado no rebalanceamento de janeiro. Antes o benchmark considerava os últimos 24 meses, e agora serão considerados os últimos 36 meses, mas em três médias móveis de 12 meses, e dessas médias móveis será calculada a mediana para excluir os dados discrepantes. Com isso, explica Skitynas, empresas que fizeram um único pagamento não recorrente de dividendos, e que geralmente não são consideradas nas carteiras dos gestores, não devem mais ter espaço no referencial.
Por conta de todas as mudanças, o executivo da B3 prevê que no próximo rebalanceamento a ser feito em janeiro o Idiv terá tanto alterações nos nomes que compõem o índice como mudanças nos pesos daqueles que seguirem nele.
Gestores – Além das mudanças no cálculo do benchmark previstas para janeiro, outro fenômeno observado recentemente no segmento de dividendos do mercado brasileiro foi a alteração na composição das carteiras dos gestores, em um movimento relativamente esperado, segundo Guilherme Benites, consultor da Aditus. “Alguns fundos buscam quem vai pagar dividendos e não quem já pagou. Nesse sentido, as empresas que reduziram custos na crise e possuem boas perspectivas de receita devem ter maiores lucros, o que implica maiores dividendos no futuro”.
Corroborando a tese do consultor, Guto Leite, ‘portfolio manager’ da Western Asset, nota que o fundo de dividendos da gestora tem forte descorrelação do Idiv. Justamente porque o Idiv olha para as companhias que já pagaram dividendos, enquanto o da Western busca aquelas que ainda irão fazê-lo. A carteiras de dividendos da Western tem atualmente posição relevante em companhias de consumo discricionário, como varejistas e construtoras, que não são tradicionalmente grandes pagadoras de dividendos. No entanto, pela perspectiva esperada para o curto e médio prazo, elas devem ter crescimento expressivo dos lucros nos próximos trimestres, implicando possivelmente em maior remuneração aos acionistas nos anos subsequentes
“Temos na carteira de dividendos a IMC, controladora do Viena e Frango Assado, que é uma empresa que mudou de maneira muito relevante sua gestão, estava com o papel bastante depreciado, e enxergamos grande potencial de crescimento dos resultados futuros com a consolidação dessa nova fase”, afirma o gestor da Western.
Milton Cabral, da Bram, destaca que a casa busca não apenas as empresas que já pagaram ou estejam pagando dividendos, mas também aquelas que ainda devem pagar. Entre as ações com essas características Cabral cita a Petrobras, uma vez que a reestruturação organizacional promovida pela nova diretoria deve resultar em lucros significativos nos próximos anos, prevê o especialista. “Procuramos ações que ainda vão pagar dividendos e que estão fora do radar do mercado, até porque as que pagaram ou estão pagando já foram reprecificadas e não estão mais com preços tão atrativos”.
Segundo Skitymas, da B3, o debate sobre incluir no Idiv ações que ainda vão pagar dividendos chegou a ser tratado no grupo de trabalho reunido no primeiro trimestre. No entanto, não houve consenso entre os players sobre uma alteração nessa direção. “Chegamos a conversar com a S&P, que é nossa parceria na criação de alguns índices, e consideramos a possibilidade de lançar um novo benchmark de dividendos que seguisse essa outra metodologia, mas os agentes entenderam que deveríamos nos concentrar em apenas um benchmark de dividendos para não diluir a liquidez do segmento”, diz o superintendente da empresa resultante da fusão entre BM&FBovespa e Cetip.
Small caps – O gestor da Bram ressalta que o fundo de dividendos da asset não se limita a focar apenas nas ‘large caps’. Ele lembra que no ambiente de retomada da economia as ‘small caps’ tendem a apresentar um desempenho superior ao das “large caps’. Nos últimos meses tiveram contribuição importante para o portfólio de dividendos da asset algumas ‘small caps’ como Fleury, CVC, Smiles e B3.
Camilo Cavalcanti, da Caixa, comenta que em março e abril, após a divulgação dos resultados trimestrais das companhias, houveram algumas modificações no fundo de dividendos da casa. Nos últimos meses os bancos foram os que mais contribuíram para o retorno e o pagamento de dividendos, e a aposta agora são as empresas de serviços financeiros, como a ‘small cap’ Smiles, do programa de milhagens da Gol. “São ações que não faziam parte da carteira há algum tempo, tem recorrência de resultados, o que mantém a empresa com alta geração de caixa e ajuda no pagamento de dividendos”.
Embora não seja a parte principal do fundo da Caixa, ações que ainda não pagaram, mas que devem pagar dividendos no futuro próximo também tem algum espaço na carteira, que varia de 15% a 20% do total. Como exemplo de um papel dessa natureza Cavalcanti cita a fabricante de peças automotivas Marcopolo. “A Marcopolo responde por parte relevante dos resultados recentes do fundo. A ação estava depreciada e tem tido bom desempenho por conta dos resultados da companhia, o que deve se refletir em dividendos interessantes em 2018”.
Geração de caixa – Pedro Sales, gestor da Verde Asset, ressalta que na seleção das ações de dividendos da casa considera mais importante a capacidade de geração de caixa da companhia do que o pagamento de dividendos que a empresa tenha realizado ou planeje promover no curto/médio prazo.
Como exemplo ele cita a ação da administradora de shoppings Multiplan, que entrou na carteira de dividendos da Verde em 2017, mas que não tem pago dividendos aos acionistas. Sales explica que a Multiplan tem tido forte geração de caixa, mas tem se aproveitado desse movimento não para pagar dividendos e sim para fazer investimentos tendo em vista as oportunidades que enxerga no mercado atualmente; recentemente a companhia aumentou a fatia que detém no Barra Shopping, no Rio de Janeiro.
O gestor da Verde explica que, embora não haja perspectiva de pagamento de dividendos por parte da Multiplan no curto prazo, no longo prazo, quando as oportunidades no mercado tiverem rareado, a empresa deve ser uma grande pagadora. “O importante é diferenciar qual a capacidade da empresa pagar dividendos de quanto ela já pagou”, pondera Sales. “Gostamos muito de cases como o da Multiplan, em que ela usa sua geração de caixa para fazer bons investimentos, que tendem a resultar no futuro em bom desempenho operacional, e, consequentemente, em dividendos expressivos”.