Um dos grandes medos da sociedade contemporânea – além do coronavírus – é o risco da substituição do ser humano pelas máquinas, já que livres do viés emocional os robôs poderiam alcançar uma racionalidade maior que a de seu próprio criador. Tomando como base o desempenho dos fundos quantitativos no primeiro trimestre de 2020 em comparação com os pares ‘humanos’ do mercado, esse é um medo não totalmente descabido. De janeiro a março, o índice de hedge funds da Anbima (IHFA), que aufere o desempenho médio dos multimercados da indústria local, caiu 7,19%, dos quais 6,23 pontos percentuais se concentraram no mês de março.
No mesmo período, os fundos quants das três principais casas que exploram esse nicho no país foram muito bem – o fundo Murano, da asset de mesmo nome, rendeu 9,04% somente em março. Com isso, a rentabilidade acumulada pelo Murano no primeiro trimestre chegou a 6,05%. Já o fundo Long Term, da Kadima, sobe ainda mais no ano com uma valorização de 7,26%, embora no mês de março o ganho tenha sido mais modesto, de 2,82%.Também teve uma performance destacada o fundo Zarathustra, da asset Giant Steps Capital (ex-Visia Investimentos), que valorizou 5,39% nos três primeiros meses do ano, sendo 2,08% somente em março.
Em comum, os três fundos têm como marca o embasamento estatístico que considera dados históricos de algumas décadas para tentar identificar como serão os próximos ciclos econômicos e de mercado. Com base nesse farto material, os gestores estruturam programas e sistemas cibernéticos que operam norteados pelas diretrizes previamente estabelecidas.Segundo Moacir Fernandes, sócio da Murano, uma das grandes vantagens dos fundos quants em relação aos demais multimercados é o alto grau de descorrelação que eles costumam apresentar em relação à média do setor. “Estamos cansados de ouvir o velho mantra de que o investidor não deve colocar todos os ovos na mesma cesta”, diz Fernandes. “No entanto, ao diversificar a carteira com uma série de multimercados macro, mas que tem alocações em classes semelhantes, é como se o investidor colocasse os ovos em cestas diferentes mas desse todas elas para o mesmo entregador”, ilustra o especialista.
O atual ambiente do mercado de altíssima volatilidade, sendo na maior parte das vezes com fortes desvalorizações, é o ideal para que o Murano tenha um bom desempenho, afirma Fernandes. “Mesmo que no início do movimento o fundo esteja posicionado na ponta errada, por ter um modelo sistemático que se beneficia das tendências de curto prazo do mercado ele consegue se mover de forma muito ágil e capturar boa parte dos ganhos”, diz o sócio da Murano. Segundo ele, em outros episódios que derrubaram os preços abruptamente o fundo também mostrou resiliência – no ‘Joesley Day’, em maio de 2017, quando o Ibovespa caiu 4,12%, o Murano avançou 1,98%; um ano depois, na greve dos caminhoneiros, o benchmark da bolsa despencou 10,87% enquanto o fundo quant subiu 1,76%.
“Esses resultados não significam que vamos sempre ganhar em períodos de alta volatilidade”, diz Fernandes. “Inclusive podemos tomar tombos feios”, reconhece o sócio da Murano. De fato, nem sempre a máquina ganha. Em ambientes de alta volatilidade e reversão de cenário, em que o mercado assume uma direção para cima e não para baixo, o Murano acaba ficando para trás. Em 2019, enquanto o Ibovespa teve uma apreciação de 31,58%, o fundo teve uma rentabilidade negativa de 19,58%. “Recebemos muitos questionamentos de investidores insatisfeitos com o retorno no ano passado”, afirma o sócio da Murano. “Contudo, nessas conversas sempre buscava alertar os clientes sobre a importância de ter fundos com performances completamente distintas da maior parte do mercado”.
Por conta do baque sofrido no ano passado, a Murano chegou em meados de abril com cerca de R$ 35 milhões em ativos sob gestão. Já a Giant Steps, fundada em 2012 e rebatizada em 2019 em homenagem ao álbum de jazz de John Coltrane, tem se destacado como uma das maiores casas da América Latina com o foco exclusivo em fundos quants – a asset conta com aproximadamente R$ 2,3 bilhões sob gestão.
“O Zarathustra é nosso fundo que busca ganhar em momentos de irracionalidade e pânico no mercado”, afirma Rodrigo Terni, sócio da Giant Steps. A gestora tem também na prateleira a estratégia Sigma, que é programada para auferir os melhores retornos em momentos em que a racionalidade impera entre os agentes – no ano passado, o Sigma bateu o Zarathustra com uma valorização de 16,77%, porém perde no primeiro trimestre de 2020 com uma queda de 0,18%, tendo o mês de março concentrado as perdas, de 3,39%.
Sobre o Zarathustra, Terni afirma que o fundo conseguiu navegar bem pelo recente caos do mercado porque sua carteira já vinha posicionada sob uma ótica mais pessimista em relação às perspectivas para o país. “Essa postura não se deu pelo fato de estarmos prevendo com antecedência a crise atual, mas por termos identificado que a expectativa de retorno já não era tão positiva para os ativos brasileiros”, diz o especialista.
Além disso, Terni explica que o fundo é programado para reduzir rapidamente a exposição em ativos de risco quando há um forte aumento da volatilidade, mesmo que os dados históricos indiquem que há boas oportunidades disponíveis. Segundo o especialista, a análise estatística já comprovou que em momentos de volatilidade exacerbada a tomada de decisões pode resultar em grandes perdas. “Procuramos olhar para os investimentos de forma agnóstica, ao contrário da gestão tradicional que avalia se determinado ativo está caro ou barato levando em conta sua visão sobre a qualidade da empresa”, afirma o sócio da Giant Steps. Ele explica que a asset se vale de uma base de dados histórica de quase um século para medir a probabilidade de ganhar dinheiro com determinado ativo dado o ambiente que estivermos atravessando no momento e tomando como base situações similares ocorridas no passado. Terni rechaça a tese de que o trabalho realizado pela Giant Steps busca fazer previsões sobre o futuro do mercado. “Analisamos e processamos uma quantidade gigantesca de informações e rapidamente tomamos decisões com base nesses resultados, enquanto gestores que não usam técnicas do tipo levam bem mais tempo para fazer o mesmo”.
Pela capacidade de processamento de uma quantidade colossal de informações, o Zarathustra consegue analisar e se valer de investimentos no exterior, que respondem por quase metade do risco da carteira. “A tendência com o passar do tempo é termos uma carteira cada vez mais global”, diz Terni.
Por sua vez a Kadima, com um portfólio de aproximadamente R$ 1,1 bilhão, é a asset quant mais longeva do mercado local. Fundada em 2007, logo no ano seguinte a casa já teve de enfrentar sua prova de fogo ao se deparar com a crise do ‘subprime’ americano. Naquele ano, o principal fundo da casa, o Kadima FIC FIM, teve um rendimento de 23,54%, enquanto o Ibovespa registrou uma desvalorização de 41,22%.
Fundos quants x Média do mercado | ||||
(em 2020, até março) | ||||
(Em %) | IHFA | Murano | Zarathustra | Kadima LT |
mar/20 | -6.23 | 9.04 | 2.08 | 2.82 |
1º trimestre 2020 | -7.19 | 6.05 | 5.39 | 7.26 |
Fonte: Anbima, Murano, Giant Steps, Kadima |
Diferentemente das outras gestoras, que concentram sua atuação em uma ou duas estratégias, a Kadima já conta com sete produtos com modelos estatísticos diferentes à disposição dos investidores. Há desde fundos de ações long only e long bias, passando ainda pelos multimercados e também pelos previdenciários. “Temos conseguido atravessar a crise com certa tranquilidade”, diz Rodrigo Maranhão, gestor da Kadima. “Nossos fundos que capturam tendências de médio e longo prazo já vinham comprando dólar e ganharam bastante dinheiro com a valorização da divisa”, afirma Maranhão.
Segundo ele, a disciplina rigorosa empregada em cada um dos modelos quantitativos é a principal ferramenta que impede um aumento exacerbado do risco do fundo em momentos de forte estresse – mesmo diante do aumento da volatilidade do mercado nas últimas semanas, a dos fundos da Kadima não sofreu qualquer alteração. “O retorno não é algo que seja possível de ser controlado, mas o risco sim, e os fundos quant são muito eficientes em fazer esse controle”, diz o especialista. “Ao tentar tomar decisões no calor do momento, quando o mercado está pegando fogo, o viés comportamental pode prejudicar a análise”, afirma Maranhão. “Se o gestor do fundo quantitativo faz um estudo rigoroso, usa bases históricas extensas e a partir daí determina quais são as melhores regras para o funcionamento do sistema, o processo de investimento se torna muito mais racional do que querer tomar decisões no meio de uma crise”.