Edição 288
A BM&FBovespa está reformulando as regras do Novo Mercado, que é o segmento aberto à adesão das empresas que buscam se diferenciar das demais por seguirem as melhores práticas de governança corporativa. Representantes de investidores minoritários, entre eles, de fundos de pensão, fizeram uma série de propostas, como o estabelecimento de quórum para aprovação de uma Oferta Pública de Ações (OPA) e obrigatoriedade na divulgação da remuneração de executivos. As propostas, porém, encontram resistências das empresas e da própria BM&FBovespa.
Um dos principais pontos que a reforma trata são as barreiras para a saída das empresas do Novo Mercado. Os investidores reclamam da falta de obstáculos mais fortes para evitar a saída das empresas. “Diria que esse é o ponto mais sensível da reforma”, afirma Flavia Mouta, diretora de regulação de emissores da BM&FBovespa. Pela regra atual, o investidor controlador é obrigado a fazer uma OPA (Oferta Pública de Ações). No entanto, mesmo que ele não compre uma ação sequer, a companhia tem permissão para deixar o segmento especial. “Essa é a regra atual e o investidor entra na companhia do Novo Mercado sabendo disso, ele não pode dizer que está sendo surpreendido”, pondera Flavia.
A queixa dos investidores durante a audiência pública aberta pela bolsa para receber sugestões para a reforma do Novo Mercado, explica a diretora, é a de que, como não há negociação em torno do preço para a OPA, o preço estabelecido geralmente não é o mais adequado. Desta forma, o controlador não precisa fazer um esforço de convencimento dos investidores para realizar a operação. Por conta disso veio a sugestão do lado dos investidores de ter um quórum mínimo para que se possa tomar uma decisão mais legítima.
Mais do que dizer se um ou outro lado está certo, o ponto em comum que se chegou foi o de que as regras atuais para a saída do Novo Mercado estão causando riscos à credibilidade do próprio segmento, pontua a diretora da BM&FBovespa. Após empresas e investidores concordarem sobre esse risco na credibilidade do segmento, foi feita uma proposta inicial pelos investidores de que o quórum para aprovar a saída do Novo Mercado seja formado por 2/3 da base acionária, que é a mesma proporção necessária para que a empresa faça o cancelamento de registro de companhia aberta. “A bolsa entendeu que o cancelamento de registro é mais grave do que a saída do segmento, e por isso o quórum de 2/3 para sair do Novo Mercado ao nosso ver não era o mais adequado”.
A proposta da bolsa na segunda fase da audiência pública, aberta no dia 7 de novembro, e que vai até 6 de fevereiro de 2017, é que o quórum para aprovação da saída do Novo Mercado seja de 40% dos acionistas.
Remuneração de executivos – Outro ponto que tem gerado discussões na reforma do Novo Mercado se refere à divulgação da remuneração dos diretores das companhias listadas. As empresas já listadas no Novo Mercado obtiveram uma liminar junto ao Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef) para que não sejam obrigadas a divulgar as remunerações de seus executivos, e não vão precisar divulgar mesmo com a reforma. As companhias que vierem a entrar no segmento especial, no entanto, serão obrigadas a fazer essa divulgação. “Optamos por não eliminar a exigência para restringir o estoque, e com isso as novas companhias que ingressarem no Novo Mercado terão de divulgar a remuneração, caso esse item passe na votação”.
A diretora da BM&FBovespa admite que a reforma será a possível, e não a ideal, tendo em vista as resistências encontradas no meio do caminho. Nada, no entanto, que tire o mérito do trabalho em desenvolvimento segundo a avaliação da profissional. “Nosso foco é muito menos ter um modelo ideal e muito mais ter um regulamento do Novo Mercado que nos dê orgulho em 2017”. No caso da remuneração por exemplo, a executiva nota que houve uma resistência muito grande das companhias já listadas em fazerem a divulgação dessa informação. “É mais importante evitar que aumente ainda mais essa piscina, e a nosso ver foi um passo bastante significativo”. Procurada, a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) não se manifestou.
Abrapp – Para Guilherme Velloso Leão, diretor executivo responsável pela Comissão Técnica Nacional (CTN) de investimentos da Abrapp, e diretor presidente da Casfam, não há dúvida da necessidade de se reformar o Novo Mercado com medidas que visam aprimorar a governança e a transparência das companhias perante os investidores. “Temos de lembrar que os fundos de pensão, até por uma questão normativa, não são controladores das empresas investidas, a nossa posição é sempre de acionista minoritário. E entendo que a reforma do Novo Mercado vai nessa direção de buscar um maior equilíbrio entre o acionista minoritário e o majoritário, o que é bastante favorável para estimular o investimento dos institucionais no mercado de capitais e na bolsa”, pondera Leão.
O diretor da Abrapp entende que a reforma em curso tem potencial para trazer de volta ao menos parte dos recursos que as entidades retiraram da bolsa nos últimos anos. “A questão do momento de entrar em bolsa tem relação com a taxa de juros, mas tem relação também com todo o acesso à informação que se pode ter, para que se tenha condições de avaliar com critérios muito precisos se aquele segmento e aquela empresa são um investimento atrativo, e se é o momento adequado de fazer a alocação”, afirma o especialista.
IBGC – Isabella Saboya, membro do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), avalia que as propostas começaram ambiciosas, mas algumas mudanças tiveram de ser feitas para conciliar com as demandas das próprias companhias. “Em um momento no qual não temos perspectivas de bons resultados para as companhias, elas ficaram bastante preocupadas com a estrutura de custos que várias das propostas trariam”. O próprio IBGC lançou no último dia 16 de novembro o código brasileiro de governança corporativa voltado para companhias abertas. A CVM vai agora abrir uma audiência pública para estabelecer qual formulário vai exigir dos investidores para analisar as práticas indicadas pelo código que estão ou não sendo cumpridas. O código é dividido em cinco capítulos – acionistas, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e ética e conflitos de interesses – e trata de temas como transparência, equidade dos acionistas, prestação de contas (accountability) e responsabilidade corporativa.
A conselheira do IBCG admite que na última década houve uma deterioração no padrão de governança das companhias listadas em bolsa. “O padrão ficou um pouco para trás, tivemos operações mais duvidosas nesses últimos anos”, pondera Isabella. “O que está se tentando fazer, com a reforma do novo mercado e o lançamento do código brasileiro de governança, é melhorar a governança das empresas e dar outro salto para que não fiquemos para trás”. Essa piora na governança em parte decorre da onda de IPOs na bolsa brasileira na década passada. “O mercado às vezes não está preparado para monitorar tão de perto como deveria, exigindo uma qualidade maior em termos de governança”.
Propostas da reforma do Novo Mercado
A BM&FBovespa dividiu as propostas da reforma do Novo Mercado em quatro grandes blocos – administração, fiscalização e controle, transparência e regras de saída do segmento.
No que tange à administração, aparecem pontos como obrigatoriedade de avaliação do corpo administrativo da companhia, alteração da definição do conselheiro independente, além da constituição do comitê de auditoria estatutário e da divulgação da remuneração dos executivos.
Na vertente de fiscalização e controle, usualmente conhecida como compliance, estão temas como um código de conduta obrigatório, um canal de denúncias acompanhado por um órgão independente, obrigatoriedade de auditoria interna e o comitê de auditoria estatutário.
Na transparência, a reforma trouxe como novidade a obrigação de um relatório socioambiental a ser divulgado pelas companhias.